Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

Sá, Rodrix & Guarabyra (Jornal Rolling Stone - 1972)


 O jornal Rolling Stone nº 13, de julho de 1972 trazia uma boa matéria com entrevista com o trio Sá, Rodrix & Guarabyra. O chamado rock rural era ainda uma novidade, e a nova proposta musical do trio abria uma nova vertente no rock brasileiro. A matéria intitulada "Hoje é dia de rock rural' é assinada por Luiza Lobo:

"Ninguém diz que é naquele apartamento sempre fechado do Jardim Botânico que Luís Carlos Sá, Zé Rodrix e Gutemberg Guarabyra ensaiam (com gato siamês & livros, Bebel & guitarra & violão & viola & tranças e tudo ou quase nada).

- As pessoas agora vão se ligar na proposição da gente. - diz Luís Carlos Sá (e afina a viola). Vão relacionados com os problemas do cotidiano e entendendo com muita clareza e transparência problemas do síndico do prédio, de gente que sai pelo mundo. O primordial é fazer sentir que nós não somos, em absoluto, diferentes deles.

- A gente agora está mais  preocupado com a problemática existencial das pessoas, como elas sentem, como elas ouvem música (agora). E isso não nos traz problemas com a cultura/Censura. Para encarar qualquer outro tipo de ação, em todas os níveis, você tem que estar legal consigo mesmo existencialmente.

- Pela primeira vez a gente está fazendo exatamente o que quer, na Odeon - diz Zé Rodrix. Chega no estúdio e consegue gravar o que quer, com o som que for. Não faz a menor concessão, nem em termos  comerciais e nem pra vender mesmo. E isso é muito difícil no Brasil. Eu, por exemplo, comecei  a fazer música mais ou menos na mesma época que o Guarabyra. Luís Carlos é mais antigo, o decano do grupo. Na época, eu estava num conjunto, um quarteto vocal chamado Momento 4. Trabalhei bastante no Brasil inteiro, inclusive cantei Ponteio, com Edu Lobo, no mesmo ano em que Gutemberg ganhou com a Margarida o Festival Internacional. Gutemberg e eu saíamos sempre juntos, e até fizemos um LP que não aconteceu graças ao serviço de divulgação da Phillips. Mas por essa época o pessoal não entendia muito a música que eu fazia com o Momento 4. Instrumento elétrico chocava. Hoje não acham nada demais, mas na época houve reação - o mercado de trabalho se fechou e a gente acabou com o grupo.

Zé Rodrix

Foi então que Zé Rodrix desbandou para o Rio Grande do Sul, numa de hippie, mas ele realmente 'não tinha estrutura', realmente não tinha, e voltou. Então aconteceu o show com Milton Nascimento e nasceu o Som Imaginário. Luis Carlos Sá, - o decano, como eles o chamam - morava na Tijuca, pelos idos de 65. A Luli, uma amiga, gravou 3 músicas dele, pela Phillips. Então ele resolveu ser cantor e foi fazer teste na Odeon. Depois do teste mandaram chamá-lo. Pra ser cantor ainda não dava, mas Peri (Ribeiro) ia gravar duas músicas dele num compacto duplo (Giramundo e Escadas do Bonfim).

- Aí o disco estourou no Brasil inteiro e era um tal de todo mundo querer gravar minhas músicas - e eu achando que só devia deixar gravar quem eu gostasse. É   que eu tinha só 19 anos e estava me sentindo assim meio novo gênio ou enfant gaté da MPB. E com esse negócio de eu não querer que qualquer um gravasse, as pessoas começaram a desistir, e eu então caí no mais completo ostracismo.

Guarabyra - quase o tempo todo sem falar - então explica (explica-se) com aqueles olhos de Bom Jesus da Lapa e cara de meu Deus, o que é isso:

- Eu também passei por isso. Eu estava em Bom Jesus quando soube que duas músicas minhas tinham sido classificadas no Festival (Magarida e Marinheiro Olê). Eu vim pro Rio. Mas ninguém queria defender as músicas - e já estava na  base do Agostinho dos Santos. Então resolvi defender eu mesmo, com o Grupo Manifesto - Guto, Gracinha e Fernando Leporace, Mariozinho Rocha e tal. Aí eu tinha um contrato com a Phillips para gravar, e o disco não saiu na data, a gravação ficou ruim e veio o famoso veto, isto é - a Phillips não gravava mais nada, mantendo, no entanto, o contrato de dois anos. Nem me deixava gravar fora, nem desfazia o contrato Então começou a onda: puxa, você só tem Margarida, só tem uma música, e de festival (e nem de festival era, eu tinha feito para uma namorada, via a  música mais ou menos como uma brincadeira, sarro).

Dadas as explicações, eles param de falar e começam a tocar: Me Faça Um Favor, Viajante, Azular, Casa no Campo, Cigarro de Palha (ensaio para o show Opinião).

E pinta mais um bando de gente do outro lado da rua que também põe a cara de fora, todo mundo olhando, assim com o olho bem aberto (o apartamento é térreo, então precisa fechar a janela, que não dá pé).

Eles tocam, então, o tal som rural, caipira, folclórico, regional, sertanejo, não no estilo mais pro latino-americano e pan-americanista do Ruy Maurity, mas alguma coisa assim como baião, 'tudo o que for de São Paulo pra cima'. E que for misturado com o rock. O rock que eles ouviam todo sábado e os despertou para este som e harmonia. E definem:

- O rock é o baião de Luiz Gonzaga, só que num compasso binário (um, dois é igualzinho ao baião, só que vai sempre reto, sem sincopar)."

 

 

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