Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

domingo, 3 de janeiro de 2021

Djavan e a Magia de "Luz" - Revista Música (1982)


 Em 1982 Djavan lançava um de seus discos mais bem produzidos e de maior vendagem: Luz. Na ocasião a revista Música nº 64 trazia uma matéria sobre o lançamento:

"Ele  não votou porque estava entre Salvador e Maceió no dia 15 de novembro. Da boemia, não gosta - 'já bastam os tempos de crooner em boates cariocas' - e, dois meses antes de gravar seu LP, isola-se de tudo aquilo que possa desviar a atenção do trabalho. Seu parceiro predileto? Ele mesmo, Djavan, a melhor cabeça musical que pintou no Brasil nos últimos dez anos. Um feeling único, indivisível, incomparável. Dono de uma magia para jogar com as palavras e uma capacidade de transmitir imagens fortes e ideias inusitadas, Djavan consegue sempre um resultado poético de altíssimo nível e encontra soluções musicais delicadas, difíceis e cheias de nuances, exatamente como sua poesia.

Dizer que há dois anos ele era conhecido e admirado apenas por um círculo restrito, é contar o óbvio. Constatar que ele conseguiu conquistar posições depois que Caetano declarou-se fascinado com sua música é gravemente revelador. Leva-nos a perguntar: quantos outros  Djavans deixamos ou deixaremos de acolher por falta de um endossante de peso? Ainda bem que esse alagoano cheio de garra e meiguice não desanimou e enfrentou a braba concorrência, acreditando no valor de sua musicalidade, no encanto de sua voz.

Essa certeza de brilhar, Djavan sempre teve. E nem o surpreendeu ter a participação mais do que especial do mestre Stevie Wonder em seu último disco. Ele acha que a música brasileira tem qualidade e universalidade suficientes para ser respeitada no mundo inteiro. Mas quando chegou em Los Angeles, não imaginava tanta receptividade de músicos importantes e, muito menos, que eles conhecessem seus trabalhos anteriores.

O clima de camaradagem que reinou durante a gravação está estampado nas fotos do encarte de 'Luz', nas declarações entusiásticas dos instrumentistas norte-americanos, no entrosamento desses músicos com a Sururu de Capote, a super-banda que acompanha Djavan há quatro anos. E, mais ainda, no resultado final da viagem: o disco, lançamento dos mais importantes do ano.

'Samurai', o belíssimo diálogo entre a gaita de Stevie Wonder e a voz e versos de Djavan, é apenas um exemplo da grandeza do LP. Cheio de canções raras, inspiradas, emolduradas por arranjos exatos e sensíveis, 'Luz' destaca-se em meio à parafernália tecnológica que infesta a maioria dos discos nacionais.

A marca poética de Djavan está presente em todas as faixas. 'O mar vazou de uma paixão/ atravessou meus olhos', canta ele em 'Esfínge'; 'um doce descascado pra mim/ eu guardo pro fim/ pra comer demorado', é a imagem de uma forte amizade que 'Nobreza' transmite com requintado lirismo. Em 'Capim', Djavan demonstra todo o seu swing e a invejável agilidade de fundir música e letra em sonoridades inseparáveis. Luiz Avellar (no piano Yamaha), Sizão (baixo), Téo Lima (bateria) e Café (percussão), todos da Sururu de Capote, e mais Raul de Souza (trombone de vara) complementam a beleza de 'Capim'.
Os músicos, tanto os convidados (norte-americanos e brasileiros auto-exilados - Oscar Castro Neves, Raul de Souza e outros) como os da banda, integraram-se com perfeição à proposta do LP, transformando com linguagem própria e solos memoráveis as mensagens de Djavan. Só para citar alguns momentos, Ronnie Foster, num Hammond B3 mostra sua competência em 'Pétala' ('por ser exato/o amor não cabe em si'); o solo de flauta de Hubert Laws em 'Luz' ('E na dor/ eu passo um giz/ arco-irisando a solidão') é uma carícia e o sax soprano de Zé Nogueira confere a 'Açaí' todo o impressionismo que dela se desprende.
Djavan deixou uma impressão tão forte entre os artistas norte-americanos que seu projeto de montar uma editora de discos independentes e instrumentais brasileiros nos EUA, administrada por Quincy Jones, deverá ser levada a cabo. Essa empresa editaria também as músicas de Djavan no exterior. Vai lá, cara. Vai espargir sua luz em outros horizontes, você que é uma estrela das mais fulgurantes de nossa rica constelação musical."



Nenhum comentário:

Postar um comentário