Em 2021 vão fazer 50 anos que aconteceu uma apresentação histórica na TV, reunindo João Gilberto, Caetano Veloso e Gal Costa. Infelizmente o descaso com a memória cultural no Brasil fez com que o tape dessa apresentação não fosse preservado. Provavelmente foram gravados outros programas em cima daquelas imagens. Coisas do Brasil. Ficaram somente fotos e lembranças de quem assistiu, além de matérias publicadas na imprensa, como a que transcrevo nesse postagem, publicada no jornal Rolling Stone nº 1 (fevereiro de 1972), assinada por Ezequiel Neves, um jornalista mais ligado ao rock, mas que escreveu um bom texto sobre esse programa que foi ao ar em setembro de 71 na TV de São Paulo, e que teve a direção de Fernando Faro. Na matéria, inclusive, eu fiquei sabendo que além do trio, Lanny Gordin, lendário guitarrista tropicalista também participa, ao violão, de algumas músicas. Abaixo, a resenha que tinha por título "João Gilberto encontra seus amigos":
"Todos que viram dizem que esse foi o encontro do ano. Entretanto, apesar de sua importância para a música popular brasileira, só São Paulo pôde assistir ao programa de João, Caetano e Gal. Por quê?
O programa de João Gilberto, Caetano e Gal, levado ao ar pela TV Tupi de São Paulo na noite de 29 de setembro, foi a melhor coisa acontecida na televisão brasileira em 71. Foi muito bom, foi sensacional, a gente não se sentir intruso participando de um encontro infantil e cheio de calor, de três pessoas que se ligam pela música, que fazem dela seu alimento, seu sangue, sua própria razão de ser. Foi uma espécie de purificação: os três sentados no chão, se olhando e se amando, a música nascendo simplesmente, três rostos se abrindo e se revelando.
Para quem conhece os discos de João, de Caetano e de Gal, o programa foi uma surpresa. Os três, durante mais de três horas, recrutaram e reinventaram suas músicas e acabaram interpretando-as como nunca. E tudo foi feito com emoção e brilho fora do comum. Caetano esteve iluminado cantando A Tua Presença e Janelas Abertas, e sua interpretação deu maior peso e densidade a essas composições. A marcação de seu violão era feita com acordes econômicos, precisos, um suporte perfeito para sua voz emocionada. Mais tarde, ajudado pelo magnífico contraponto de Lanny ao violão, ele daria nova vida também a Asa Branca. Sua interpretação superou em simplicidade e coloquialismo a que ele gravou em Londres. Sua voz saía com dificuldade, como se tivesse a garganta machucada. Seus olhos estavam com um brilho diferente, quase chorando.
Gal nunca esteve tão linda, tão pacificada, tão madura. Seu encontro com João e Caetano foi a melhor coisa que podia acontecer à sua carreira. É por isso que eu prefiro dizer que uma 'nova' Gal cantou de maneira intimista, mas cheia de explosões criativas, Foi na Lapa, Falsa Baiana (genial"), Saudosismo e Baby. Nesta última seu parceiro ao violão foi também Lanny - que acabou dando um show particular.
Depois de ter cantado músicas maravilhosas, como Desafinado e Chega de Saudade, João Gilberto lembrou dois nomes muito importantes: Chico Buarque e Tom Jobim. Quando começou a cantar Retrato em Branco e Preto, muita gente pensou que se tratasse de uma música nova. Ele mastigava as palavras, sofria cada uma delas, fazendo de cada verso um protesto magoado de quem sofre sem nenhuma culpa. Com seu violão ele não parou de inventar um minuto, seus dedos tiravam sons que não deixavam a gente sequer respirar. João roubou de Chico e Jobim uma música, dando em troca o maior presente que eles devem ter recebido em suas vidas. Um presente que nós também recebemos emocionados e agradecidos. Com um prazer muito grande."
Muito bom o texto.
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