Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Tom Zé - Jornal O Estado de São Paulo (1999)


Em 1999 o compositor e músico baiano Tom Zé seguia uma carreira internacional, após ser descoberto por David Byrne, ex-membro do Talking Heads. O jornal O Estado de São Paulo de 21/05/99 noticiava um show do músico no Irving Plaza, com o grupo Totoise, de Chicago, cantando em português para uma plateia formada por universitários e críticos de veículos importantes. O texto é assinado por Guto Barra:

"Nova York ´- Tom Zé acaba de transformar-se no maior agitador cultural  brasileiro que passou por Nova York nos últimos anos. O cantor foi consagrado pelo público de mais de mil pessoas que lotou o Irving Plaza, na noite de anteontem, quando se apresentou acompanhado pelo grupo Tortoise, de Chicago. O brasileiro atraiu centenas de estudantes universitários americanos e  críticos de publicações como New York Times, Rolling Stone, Interview e Village Voice, entre outros, para o show que fez parte da turnê Zé2K, que vai passar por seis cidades do país.

Recebido como ídolo cult, Tom Zé não podia estar mais à vontade. 'Estou muito emocionado com tudo o que está acontecendo, já que no Brasil eu fui enterrado vivo em 1940 e depois, de novo, em 1970'., disse ele, antes do show. O músico, que havia se apresentado em Boston na noite anterior, passou o dia dando entrevistas para veículos internacionais. À tarde, ensaiou com a banda, formada por Doug McCombs, John Herndon, Jeff Parker, John McEntire e Dan Fliegel. Ele disse estar muito satisfeito com  a boa relação profissional com o músico David Byrne.

Foi Byrne, ex-integrante do grupo Talking Heads, com seu selo fonográfico, o Luaka Bop, o responsável pelo lançamento dos discos de Tom Zé nos Estados Unidos. 'Tenho com ele uma relação igual a que meu avô tinha com seus empregados na fazenda lá na Bahia: valia o fio do bigode, não existiam contratos', disse Tom Zé. Byrne disse também estar satisfeito com  a repercussão que o novo disco de Tom Zé, Com Defeito de Fabricação, vem tendo nos Estados Unidos.

 'Nos últimos tempos percebi que não existe uma hierarquia na música, como eu aprendi quando era mais novo', disse. 'Hoje fico feliz de ver que a música mais criativa do mundo não está sendo feita necessariamente onde a mídia está.' Quando Byrne subiu ao palco para anunciar a chegada do músico brasileiro, logo depois do show de outro brasileiro, Vinícius Cantuária, que mora nos Estados Unidos, o público estava ansioso. 'Meu nome é David e hoje vocês vão ver a verdadeira Ameaça Fantasma, disse, fazendo trocadilho com o nome do filme de George Lucas que estreou na mesma noite no país. Tom Zé começou a apresentação com a música Nave Maria, que prendeu a atenção da plateia. Em seguida veio Curiosidade, que abre o disco Com Defeito de Fabricação, e que vem tendo boa execução em emissoras de rádio universitárias, como a WUFM. Também entraram no repertório Menina Amanhã de Manhã, Juventude Javali, Androide Candango e Feira de Santana.

A integração de Tom Zé com os músicos do Tortoise chamou a atenção. O grupo, que tem um bom público formado por fãs de jazz e de rock alternativo do circuito universitário, ofereceu-se para acompanhar o brasileiro, de quem seus integrantes são admiradores. Com apenas duas semanas de ensaios, eles prepararam o repertório da turnê, conseguindo uma sonoridade consistente e ao mesmo tempo fiel ao trabalho do compositor brasileiro. O destaque fica para o groove do baterista, Dan Fliegel, que já morou dois meses no Brasil e fala um pouco de português.

Mas o mais impressionante, na apresentação de Tom Zé em Nova York, é ver o quanto ele desconcerta o público que não domina ou desconhece o português, Tom Zé comunica-se com sua expressão corporal. Apesar de estar estudando inglês ('Não saio da escola, lá em São Paulo', diz), ele tem um carregado sotaque e cria os melhores jogos de palavras e metáforas inspiradas em português. Arrancou risadas ao falar que no Brasil ele é 'um escravo'. Mas ressalvou: 'Aqui, eu sou o rei.' Tom Zé fez propaganda do disco, em forma de um inacreditável jingle, pôs toda a plateia para cantar o refrão instrumental de Hey Jude, dos Beatles, de trás para a frente, e terminou o show com um estonteante solo de esmeril, produzindo uma chuva de faíscas no palco.

A consagração de Tom Zé em Nova York vai além do sucesso desfrutado por nomes como Caetano Veloso, Gal Costa ou Marisa Monte. O músico vem atraindo uma curiosidade similar à de Lee 'Scratch' Perry, mais um caso em que a personalidade do artista transcende a barreira da língua ou do ritmo. A julgar pela histeria causada pela distribuição de fitas promocionais, na saída do show, os próximos da fila serão, com certeza, os Mutantes, de quem o selo Luaka Bop lança um disco, em junho. Usando o trocadilho de Byrne, a verdadeira força está com o psicodelismo brasileiro."



domingo, 20 de setembro de 2020

O Que Foi Woodstock - parte 4


Max Yasgur tinha duas preocupações.

- Ele achava que uma grave injustiça tinha sido feita em Wallkill. E ele queria se assegurar de que ele conseguiria os U$ 75.000 antes que alguma outra fazenda de leite conseguisse - disse Rosenman. - Não exatamente nessa ordem. Eu não estou certo do que era mais importante para ele. Tendo dito isto, eu direi mais sobre o Max: ele nunca nos exigiu um níquel a mais depois que o pagamos. Eu me lembro de que todas as vezes em que nós íamos até lá. Max nos dava uma daquelas caixas de leite achocolatado. Todas as vezes. Nós acabamos com esse monte de caixas de leite pelo escritório.

Contratados pelo uso da terra ao redor da fazenda de Yasgur acabaram custando à Ventures outros U$ 25.000.

- Nós poderíamos ter comprado a terra pelo preço que a alugamos - disse Lang. Enquanto isso cartazes escritos a mão estavam sendo colocados na cidade de Bethel. Eles diziam: "Não comprem nenhum leite. Parem o Festival de Música Hippy de Max."

Lang tinha fixado um teto de U$ 15.000 por qualquer apresentação. Mas a melhor apresentação no país, o guitarrista Jimi Hendrix, queria mais. Hendrix tinha conseguido U$ 150.000 por um show, naquele verão, na Califórnia. Seu agente estava exigindo o mesmo para ele tocar em Woodstock. Mas, por volta de julho, Lang tinha algum poder também. Ele não precisava de Hendrix para fazer o maior concerto do ano. Se Hendrix quisesse vir, seria bem-vindo.

- Nós pagamos a Jimi Hendrix U$ 32.000. Ele era a atração principal, e era isso que ela queria - disse Rosenman. Então a Ventures mentiu sobre os contratos.

Apresentação do Mountain

 - Nós dissemos a todos que isso foi porque ele faria duas apresentações de U$ 16.000 cada. Nós tínhamos de fazer isso, ou The Airplane ia querer mais U$ 12.000.

Lang fixou o calendário para que as apresentações folk como a de Joan Baez fossem feitas na sexta-feira, o dia de abertura. O rock'n roll foi guardado para sábado e domingo. Mas a apresentacão única de Hendrix tinha o tempo todo de ser final. Seu contrato dizia que nenhuma apresentação poderia seguir à dele.

- As reuniões da cidade nunca atraíram mais que moscas, antes - disse Tiber. - Mas dessa vez tínhamos, talvez, 300 pessoas. Talvez fosse porque Michael estava descalço. Ele saiu do helicóptero sem sapatos Eu nunca tinha visto nada assim antes, mas esse era o jeito dele ser. Estava tudo bem por mim, mas eu acho que eles não gostaram daquilo.

Santana

Os residentes de Bethel tinham lido sobre as preocupações em Wallkill: drogas, tráfego, esgoto, e água. A fúria pública cresceu mais uma vez. Um proeminente residente de Bethel contactou Lang. Ele disse que poderia subornar algumas pessoas de poder, e poderia assegurar que Lang conseguiria as aprovações de que precisava. Tudo o que o "assegurador" queria era U$ 10.000. A Woodstock Ventures arranjou o dinheiro vivo e o pôs em uma bolsa de papel. Lang não diz o nome do homem que solicitou o suborno. Mas no final a Woodstock Ventures não pagou.

- Nós estávamos muito preocupados com carma - disse Lang. - Nós pensamos que se subornássemos alguém, isso estaria errado e nós mudaríamos o modo como as coisas deveriam acontecer.

A sugestão de um suborno pôs em ação o apoio de Yasgur. Lang disse:

- Naquele ponto, ele se tornou realmente um aliado, não só um espectador.

Bob Dylan era o único dos herois do rock de Lang que não tinha assinado um contrato. Os promotores tinham pego emprestado algo da mística de Dylan, dando ao concerto o nome da cidade adotada por ele, distante apenas 112 quilômetros de Bethel. A banda que acompanhava Dylan, The Band, já tinha assinado. Lang achou que Dylan aparecer seria natural. Então ele fez a peregrinação ao esconderijo de Dylan no Condado de Ulster.

Janis Joplin

 - Eu fui ver Bob Dylan aproximadamente  três semanas antes do festival - disse Lang. Fui com Bob Dacey, um amigo de Dylan, e nós nos reunimos em sua casa por umas poucas horas. Eu lhe contei o que estávamos fazendo e lhe disse: "Nós amaríamos ter você lá". Mas ele não veio. Eu não sei o porquê.

Finalmente, no final de julho, a Woodstock Ventures obteve aprovações de licenças do advogado Frederick W. V. Schadt, da Cidade de Bethel e do inspetor de construções Donald Clark. Mas, sob ordens de interrupção do trabalho; os promotores rasgaram os cartazes com a aprovação de Clark. Ele sentia que estava sendo feito de bode expiatório pela cidade.

Schadt disse que o impulso de Woodstock estava acelerando como um trem em fuga.

- Naquele momento, aquilo tinha progredido tanto, que qualquer tipo de ordem de parar teria resultado em caos - disse ele. - Milhares de pessoas chegando inconvenientemente à comunidade. Como seria possível pará-los?




sábado, 19 de setembro de 2020

O Que Foi Woodstock - parte 3


Allan Markoff olhava as  duas monstruosidades entrando em sua loja no final de abril ou início de maio. Eles eram Lang e o amigo dele,  Stan Goldstein. Goldstein, de 35 anos, tinha sido um dos organizadores do Miami Pop Festival de 1968.. Na Woodstock Ventures ele era o coordenador de acampamentos.

- Eles queriam que eu projetasse um sistema de som para mais ou menos 50.000 pessoas - disse Markoff, que possuía a única loja de estéreo em Middletown, a Áudio Center, na Nort Street. - Eles disseram que poderia haver até mesmo 100.000 pessoas, poderia ir até mesmo a 150.000. Ele pensou que Lang e Goldstein estavam loucos.

- Nunca tinha havido um concerto para 50.000; isso era incrível - disse Markoff - Agora, 100.000, isso era impossível. É equivalente a fazer um sistema de som para para 30 milhões de pessoas, hoje em dia. Markoff, então com 24 anos, era o único residente local listado na Audio Engineering Society Magazine (Revista da Sociedade de Engenharia Sonora). Lang e Goldstein tinham escolhido o nome dele da revista de repente.  Markoff era responsável por arranjar aparelhagem de som para o maior show da Terra. Ele se lembra de uma característica do sistema de som: volume mais baixo do amplificador, os alto-falantes de Woodstock causavam dor para qualquer um que se encontrasse dentro de 3 metros de distância.

Wadleigh estava experimentando como usar rock em seus filmes como suplemento para os temas sociais e políticos daqueles dias.  Ele também estava trabalhando com imagens múltiplas para fazer documentários mais divertidos do que esses que destacam um grupo de cabeças falantes. E então os meninos de Woodstock vieram à sua porta. A ideia deles era irresistível. O dinheiro não era. Wadleigh entrou nessa de qualquer maneira. Um dia a casa cai...

Alvin Lee, do Teen Years After

A Woodstock Ventures definiu o concerto como uma "comunidade temporária para um fim de semana no campo". Os  anúncios foram lançados nos jornais, tanto politicamente corretos quanto underground, e em estações de rádio em Los Angeles, São Francisco, Nova Iorque, Boston, Texas e Washington, DC. Um ingresso para o concerto também pagava por uma área de acampamento. Mas até mesmo uma comunidade hippie desse tipo requer algum tipo de organização. No fim de junho, Goldstein chamou a Hog Farm.

A Hog Farm começou como uma fazenda de porcos em uma comunidade na Califórnia; seus membros eventualmente compraram terras perto de uma reserva de índios Hopi, no Novo México. Seu líder era um hippie magrela e desdentado cujo nome verdadeiro era Hugh Romney. Ele era um beatnick cômico que tinha mudado seu nome para Wavy Gravy e mantinha o título de cara esperto, o "Ministro da Conversa".

-Nós trouxemos a Hog Farm para ser nossa relação com a multidão - explicou Goldstein. - Nós precisávamos de um grupo específico para ser o exemplo para tudo que se seguiria. Nós acreditávamos que a ideia de dormir ao ar livre, debaixo das estrelas seria muito atraente para muitas pessoas, mas nós sabíamos muito bem que o tipo de pessoas que estava vindo nunca tinha dormido debaixo das estrelas em suas vidas. Nós tínhamos que criar uma circunstância na qual elas estariam bem cuidadas. Foi pra conta!

Woodstock foi oficialmente banido de de Walkill em 15 de julho de 1969. Sob o aplauso de residentes membros do conselho disseram que os planos dos organizadores eram incompletos. Eles também disseram que banheiros ao ar  livre, como esses que seriam usados no concerto, eram ilegais em Wallkill. Duas semanas antes, o conselho da cidade tinha passado uma lei requerendo uma licença para qualquer ajuntamento de mais de 5.000 pessoas.

Johnny Winter em Woodstock

 - A lei que eles criaram excluía uma coisa e somente uma coisa: Woodstock - disse Al Room, o então editor de The Times Herald-Record, que foi contra e lei de Wallkill. O supervisor Jack Schloser negou que fose essa a intenção. O conselho de Wallkill pode ter feito um favor à Woodstock Ventures. A publicidade sobre o que tinha acontecido fez acontecer uma chuva de interesse. Além disso, se Woodstock tivesse sido organizado em Wallkill, Lang disse, as vibrações teriam arruinado o show ou o transformariam em uma revolta. Outro membro da Woodstock Ventures, Lee Blumer, lembrou-se das ameaças feitas na cidade: - Eles disseram que iam atirar no primeiro huppie que entrasse na cidade - disse Blumer.

A Kodak queria dinheiro vivo, mas a equipe de filmagem não conseguiu nenhum dinheiro adiantado para filmar. Então Wadleigh retirou U$ 50.000 da poupança, tanto da sua conta pessoal quanto de uma conta para seu negócio de filmes independentes. Durante julho, Wadleigh estava fora, em Wyoming, fazendo um filme sobre montanhismo. Quando os promotores perderam o local de Wallkill, Wadleigh se apavorou.

- Eu tinha essa sensação de terror absoluto de que as coisas não iam andar - disse Wadleigh - aquela sensação de que alguém poderia nos dar uma rasteira não passava, até que a música começou.

Richie Havens

 "Por que nós não vamos ver meu amigo Max Yasgur? Ele me vende leite e queijo há anos. Ele tem uma grande fazenda lá em Bethel".

Yasgur acabou conhecendo Lang no campo de alfafa. E desta vez, Lang gostou do jeito da terra.

- Era mágico - disse Lang. - Era perfeito. O campo em forma de bacia se inclinando, uma pequena subida para o palco. Um lago ao fundo. O negócio foi fechado ali mesmo no campo. Max e eu estávamos caminhando na subida do campo. Quando nós começamos a falar de negócios, ele estava calculando quanto ia lhe custar para replantar o campo. Ele era um sujeito afiado, o velho Max, e ele estava calculando tudo com um lápis e papel. Ele ia molhando a ponta do lápis com a língua. Eu me lembro de apertar sua mão, e essa foi primeira vez em que eu notei que ela só tinha três dedos na mão direita. Mas o aperto dele era como ferro. Ele preparava aquela terra sozinho.

Os 600 acres pelos quais a Ventures se interessou eram apenas uma parte da propriedade de Yasgur, que se estendia ao longo de ambos os lados da Rota 17B, em Bethel.

Dias depois de conhecer Yasgur, Lang trouxe o resto do time da Ventures em oito limusines; até isso acontecer, Yasgur já conhecia a Woodstock, e o preço tinha subido consideravelmente. A Woodstock Ventures manteve todas as negociações em segredo, para que não se repetisse o que tinha acontecido em Wallkill.  Em algum ponto durante as conversas, Tiber e Lang foram jantar no Lighthouse Restaurant, um restaurante italiano exatamente na Rota 18B, em White Lake .Foi ali que as notícias vazaram.

Apresentação do Jefferson Airplane

 - Enquanto nós estávamos pagando a conta, o rádio estava ligado no bar. A estação de rádio de lá,  a WVOS, anunciou que o festival ia para White Lake - disse Tiber. - Os garçons ou as garçonetes devem ter ligado para a estação de rádio. Nós ficamos exatamente em choque. O bar agora estava vazio. Michael tinha apenas uma expressão vazia. Todos nós entramos em choque.

Em julho 20 de julho de 1969, o mundo estava falando sobre o primeiro homem a pisar na Lua. Mas a conversação em Bethel era sobre esse "festival hippie de Woodstock".

- Eu estava acostumado a brigas, mas eu não estava pronto para essa - disse Tiber. Os parceiros da Woodstock admitiram desde então que eles estavam comprometidos com o festival. Eles disseram aos oficiais de Bethel que eles estavam esperando 50.000 pessoas, no máximo. Desde o princípio eles sabiam que Woodstock atrairia muito, muito mais.

(continua)






sexta-feira, 18 de setembro de 2020

O Que Foi Woodstock - parte 2


Unidos naquele fim de semana em 1969 estavam mentirosos e amantes, profetas e aproveitadores. Eles fizeram amor, eles fizeram dinheiro e eles fizeram um pouco de história. Arnold Skolnick, o artista que projetou o símbolo da pomba e violão de Woodstock, o descreveu desse modo:

- Algo grandioso foi feito nesse país. E todo mundo simplesmente veio.

Woodstock custou basicamente, mais de U$ 2,4 milhões e foi patrocinado por quatro homens muito diferentes e muito jovens: John Roberts, Joel Rosenman, Artie Kornfeld e Michael Lang. Até hoje, os idealizadores de Woodstock discordam quanto a quem propôs a ideia original do concerto.

- Nós teríamos coquetéis a canapés  em uma barraca ou algo assim - disse Rosenman - Nós enviaríamos limusines até Nova Iorque para pegar todo mundo. Tim Hardin ou alguém mais poderia cantar. Talvez, se nós tivéssemos sorte, Joan Baez se levantaria e cantaria umas músicas.

Ao final da sua terceira reunião, o pequeno festival lá em Woodstock tinha virado uma bola de neve e passou a ser um concerto para 50.000 pessoas, o maior espetáculo de rock do mundo. Os quatro sócios formaram uma corporação em março. Cada um ficou com 25%. A companhia foi chamada de Woodstock Ventures Inc., em homenagem à cidadezinha do Condado de Ulster, onde Dylan viveu.

O time da Woodstock Ventures correu para achar um local. Agentes imobiliários por todo o meio-Hudson estavam rastreando a zona rural em Orange. Mas, finalmente, por U$ 10.000 a Woodstock Ventures alugou uma área de terra na cidade deWallkill, cujo dono era Howard Mills Jr. Os 300  acres do Mills Industrial Park ofereciam um acesso perfeito. Ficava a menos de 2 km da Rota 17, que dava na auto-estrada do Estado de Nova Iorque, e saía direto da Rota 211, uma principal estrada local. O local tinha o essencial, eletricidade e água encanada.

A terra era dividida em zonas para indústria; entre os usos permitidos estavam exibições culturais e concertos. Os promotores entraram em contato com a secretaria de urbanismo da cidade e receberam uma permissão verbal para ir à frente por causa da demarcação.

No início de abril, os promotores estavam cultivando a imagem de Woodstock cuidadosamente na imprensa underground, em publicações como a Village Voice e a revista Rolling Stone. Anúncios começaram a ser lançados em The New York Times e The Times Herald-Record em maio. Para Kornfeld, Woodstock não era uma questão de construir palcos, assinar atos, ou até mesmo vender ingressos. Para ele, o festival era sempre um estado da mente, um acontecimento que tornaria a geração um exemplo.. A publicidade do evento com esperteza se apropriou de símbolos a frases de efeito.

O grupo concordou quanto ao slogan concreto de "Três Dias de Paz e Música". Os promotores calcularam que "paz" ligaria o sentimento anti-guerra ao show de rock. Eles também queriam evitar qualquer violência e calcularam que um slogan com "paz" ajudaria a manter a ordem.

A logomarca de Woodstock, na realidade, não era uma pomba; o original era um outro pássaro, empoleirado em uma flauta.

- Eu estava em em Shelter Island, perto de Long Island, e eu estava desenhando todo o tempo - disse o artista Arnold Skolnick - Assim que Ira Arnold (um copywriter do projeto) apareceu como os tais "Três Dias de Paz e Música", eu só peguei uma gilete e recortei aquele pássaro do bloco de desenhos que eu estava usando. Primeiro, ele estava sentado na flauta. Eu estava escutando jazz no momento, e eu acho que esse é o porquê. Mas de qualquer maneira, ele ficou sentado em uma flauta durante um dia, e eu finalmente acabei pondo ele em um violão.

E começaram as contratações...

Melanie Safka tinha uma música no rádio chamada "Beautiful People". Um DJ extremamente hippie chamado Roscoe na WNEW-FM tocava essa música. Um dia, Melanie se encontrou com um sujeito de cabelo encaracolado, que trabalhava na área da música, chamado Michael Lang, que estava falando sobre um festival que ele estava produzindo. Quando Melanie perguntou se ela poderia tocar lá, a resposta foi bem tranquila:

- Claro.

-  Eu pensei que aquilo era seria muito pouco emocionante - recorda-se Melanie.

A Woodstock Ventures estava tentando conseguir as maiores bandas de rock da América, mas o roqueiros estavam relutantes em se comprometer com um empreendimento de risco, que poderia ser impossível de se levar adiante..

-  Para adquirir os contratos, nós tínhamos que ter credibilidade, e para adquirir a credibilidade, nós tínhamos que ter os contratos - disse Rosenman.

A Ventures resolveu o problema prometendo cachês jamais vistos antes de 1969. A grande inovação veio com  a confirmação da principal banda psicodélica daqueles dias, The Jefferson Airplane, pela incrível quantia de U$ 12.000. O Airplane normalmente recebia cachês de U$ 5.000 a U$ 6.000. Creedence Clearwater Revival assinou por U$ 11.500. The Who entrou, então, por U$ 12.500. Todas as coisas começaram a entrar na linha. Ao todo, a Ventures gastou U$ 180.000 em pagamentos desse gênero.

- Eu tomei uma decisão de que nós precisávamos de três atos principais, e eu lhes disse que não me preocuparia com o que custasse - disse Lang. - Se eles estavam pedindo U$ 5.000, eu dizia: "Paguem U$ 10.000". Assim nós pagamos eles, assinamos os contratos, e era isso aí: credibilidade imediata.

Os residentes de Wallkill tinham ouvido falar de hippies, drogas e concertos de rock, e depois que o anúncio de Woodstock chegou a The New York Times, The Times Herald-Record e as estações de rádio, os residentes locais souberam que um show de rock de três dias, talvez o maior de todos, estava para acontecer. Além disso, os empregados da Woodstock Ventures se pareciam de verdade com hippies.

Nas mentes de muitas pessoas, cabelo longo e roupas descuidadas eram associados com política de esquerda e uso de drogas. As ideias novas sobre reordenar a sociedade eram ameaçadoras para muitas pessoas. Em Wallkill, esses sentimentos foram lançados sobre Mills e sua família. Residentes paravam Mills na igreja para reclamar. A Ventures tentou acabar com algumas reclamações contratando Wes Pomeroy, um ex-acessor do Departamento de Justiça, para chefiar os detalhes de segurança. Um ministro, o reverendo Donald Ganoung, foi posto na folha de pagamento para chefiar relações locais.

(continua)




quinta-feira, 17 de setembro de 2020

O Que Foi Woodstock - 1ª Parte


Bethel, Nova Iorque, 15, 16 e 17 de agosto... 1969. Festival de música e feira de arte, Woodstock. Definitivamente, se você tinha que estar em algum lugar nestes três dias, era em Woodstock. O maior concerto de rock da história estava pra começar, em Bethel. E não eram três horas de show, eram três dias. Três dias de paz, amor e muita música, esse era o objetivo de Woodstock. Todos acampando, e dormindo sob as estrelas... Ia ser uma festa mesmo.

O estado de Nova Iorque estava pronto para a festa. Os policiais locais, estaduais e do resto do país estavam preparados. Sabiam o que estava por vir e confiavam em suas habilidades para que corresse tudo bem com o trânsito, as pessoas, emergências médicas, saneamento e outros problemas inesperados. Então, pelo que eles não esperavam? Já ouviu falar da lei de Murphy?

500 mil convidados! Senhoras e senhores... Os convidados: manifestantes anti-guerra, militantes negros, anti-gays, a turma do lagalyze, governistas, veteranos do Vietnã, anti-negros, gays e lésbicas, anti-drogas, oposicionistas. Ah, e tinha também aquele grupo do... "Eu só vim aqui por causa da música."

Tá, e aí, o que tinha depois? E como desgraça pouca é bobagem, tínhamos também: falta de comida; condições sanitárias precárias, ou inexistentes; drogas (muitas drogas) e álcool (muito álcool); e preocupações do gênero: "Onde está meu carro?" - "Onde estão meus amigos?" A má notícia... de acordo com a polícia, houve três  mortes (mas também três nascimentos!)

Apesar de tudo, não aconteceu nenhuma ocorrência grave. Não foi comunicado nenhum crime violento na área e nenhum caso de roubo ou invasão de domicílio nas casas  vizinhas. A ação da polícia limitou-se à apreensão de drogas e pequenos casos, somente.

Agora, a boa... 500 mil jovens foram abandonados, e descobriram, sozinhos, o verdadeiro significado das palavras dividir, ajudar, considerar e respeitar. Tudo isso no ritmo de muita paz, amor e música (muita música). Milhares deles saíram de Woodstock com uma visão totalmente diferente do mundo. E como não poderia deixar de ser... e bota música nisso:

Joan, Baez, Arlo Guthrie, Tim Hardin, Incredible String Band, Ravi Shankar, Richie Havens, Sly & The Family Stone, Bert Sommer, Quill, The Who, Cannet Heat, Creedence Clearwater Revival, Jefferson Airplane, The Grateful Dead,, The Keef Hartley Band, Blood, Sweat and Tears, Crosby, Stills & Nash (& Young), Santana, The Band, Ten Years After,, Johnny Winter, Jimi Hendrix, Janis Joplin, Joe Cocker, Mountain, Melaine, Sha Na Na, John Sebastian, Country Joe and The Fish,, The Paul Butterfield Blues Band.

É impossível escrever a a última palavra sobre Woodstock. Foi mais do que um show de rock, foi um marco histórico, com diferentes significados, para diferentes pessoas.

O último fã encharcado de lama deixou o pasto de Max Yasgur há mais de 50 anos atrás. Isso foi quando o debate sobre o significado histórico de Woodstock começou. Verdadeiros crentes na cultura hippie chamam Woodstock de "o marco final de uma era dedicada ao avanço humano". Os cínicos dizem que foi "o fim adequado e ridículo de uma era de uma era de ingenuidade". Há ainda os que dizem que aquilo foi apenas uma festa dos infernos!

A Feira de Arte e Música de Woodstock, em 1969, trouxe mais de 450.000 pessoas para um pasto no Condado de Sullivan. Durante quatro dias, o local se tornou uma mini-nação contracultural na qual as mentes estavam abertas, drogas eram o que havia de mais legal e o amor era "livre". A música começou na tarde de 15 de agosto, sexta-feira, às 17:07 e continuou até a metade da manhã do dia 18 de agosto, segunda-feira. O festival fechou a via expressa do Estado de Nova Iorque e criou um dos piores engarrafamentos da nação.

Também inspirou um monte de leis locais e estatais para assegurar que nada como isto jamais aconteceria novamente. Woodstock, como poucos eventos históricos, se tornou uma espécie de herança cultural, para os EUA e para o mundo. Assim, como "Watergate" representa uma crise nacional e "Waterloo" representa derrota, "Woodstock" se tornou um adjetivo imediato que denota o poder dos jovens e os excessos dos anos 69.

- O que nós tivemos aqui foi um fato que ocorre uma vez na vida, na cidade de Bathel - diz o historiador Bert Feldman. Dickens disse isso primeiro: "Foi o melhor dos tempos. Foi o pior dos tempos." É uma mistura que nunca será reproduzida novamente.

(continua)



quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Bob Dylan, O Poeta do Caos e do Amor


Em 1986 foi lançado no Brasil a tradução do livro Tarântula, de Bob Dylan, pela Editora Brasiliense. Na ocasião, o informativo Primeiro Toque, publicado pela Editora Brasiliense, trouxe um texto de divulgação para o livro, escrito pelo historiador Nicolau Sevcenko. Abaixo, a transcrição:

"Numa de suas entrevistas mais polêmicas, perguntado pelo repórter do Greenwich Village Voice se ele acreditava ter desempenhado um papel de líder do desenvolvimento da cultura pop, Dylan respondeu: 'Eu espero que não'. Esta resposta estourou como uma verdadeira bomba de estilhaços em meio à legião de fãs, que sempre o tiveram na conta de profeta e guia. Eles se sentiram perplexos, paralisados entre a incredulidade e a decepção. Seria apenas mais uma ironia do autor de Lily, Rosemary e o Valete de Copas, ou será que o autor de Blowing in the Wind, o hino radical do underground politizado dos anos 60, havia mergulhado no mais torpe cinismo? Ou será que tudo não passava de mais uma sacada genial do impenetrável nonsense que sempre foi uma das marcas registradas de seus poemas? É muito provável que tudo isso seja verdade ao mesmo tempo. Mas o que é mais verdade ainda, é que Dylan não estava mentindo. 

Não que Dylan, o mais notável poeta da cultura pop, não tenha tido uma influência decisiva sobre todos os seus artistas e representantes mais significativos. Isso é indiscutível, todos o sabem e admitem. O que é muito mais difícil de aceitar, é que ele sempre se sentiu muito pouco à vontade nesse papel central e preferiu a todo momento atacar e destruir a imagem que faziam dele, do que relaxar e gozar, confortavelmente acomodado ao papel de condutor do povo eleito, constituído pela juventude rebelde do mundo inteiro. Isso explica as relações sempre tensas e  intempestivas que ele mantém com a indústria cultural, com a imprensa e mesmo com seu próprio e imenso público. Coisa rara no universo dos grandes astros do pop: quase nada se sabe de sua vida particular, ele evita a mídia como a peste - ele é inevitavelmente um mito, porque sua própria vida é um mistério.

Já em 1965, na contracapa do magnífico 'Bringing it All Back Home', Dylan abria o coração e, coisa pouco comum, falava claramente dos incômodos de sua posição. 'Eu aceito o caos. Mas não estou certo se ele me aceita. (...) O sucesso não significa absolutamente nada... Eu não quero ser Bach, Mozart, Tolstói, Joe Hill, Gertrude Stein ou James Dean, eles estão mortos. Os grandes livros já foram escritos. Os grandes dizeres já foram ditos. Eu só pretendo esboçar uma imagem do que acontece por aqui às vezes. Embora eu próprio não entenda muito bem o que é que está acontecendo. Eu só sei que todos nós vamos morrer um dia e que nenhuma morte jamais fez o mundo parar. (...) Uma música é algo que pode caminhar pelos seus próprios pés. Eu sou chamado de compositor. Um poema é uma pessoa nua... Algumas pessoas dizem que sou um poeta.'

Um grande, um prodigioso poeta, seria necessário acrescentar. E por isso mesmo um homem indefinível, plural, paradoxal. Ele diz que só fugiu de casa, aos 18 anos, porque as minas da sua cidade fecharam e não havia alternativas. Mas  continuou fugindo sempre, mudando constantemente, fez disso um estilo de vida. Nunca passou fome ou sofreu as dificuldades dramáticas dos folk singers, como Woody Guthrie, seu mestre. Aos 22 anos já era um sucesso consagrado e assinava contratos milionários. Mas suas músicas só cantam boêmios, marginais, prostitutas, vagabundos e rebeldes, gente fracassada. Não foi ele quem inventou a canção de protesto, tradição do folk, mas ele provocou a politização irreversível da cultura pop. Não foi ele que introduziu as guitarras elétricas no folk, mas depois dele ambos não se separam mais. Quando todos esperavam que empunhasse a bandeira libertária de Woodstock em 69, ele foi cantar com os reacionários e racistas que controlavam a indústria da música country, em Nashville. Foi outro choque para todos, mas depois dele, os racistas e reacionários perderam aquele monopólio. Quando todos esperavam dele mais um hino contra a guerra do Vietnã, ele compunha baladas de amor e refletia sobre complexas experiências existenciais. Quando lhe cobraram lirismo, ele ofereceu misticismo. Quando lhe exaltaram a fé, ele exibiu sarcasmo e cinismo. Neutralizou sua melancolia com um humor e sua audácia com um anseio de plenitude. Em meio a tudo isso, uma poética centrada no absurdo e no silêncio, das palavras e da vida. Definitivamente: Dylan não pertence a ninguém, para a sorte dele e a nossa. 'Está tudo certo, mamãe, eu só estou sangrando...' "