No final de 1976 e início de 1977 foram publicados no Brasil três volumes de uma revista que contava a história do rock, desde seu surgimento nos anos 50 até o momento da publicação, ou seja, até meados dos anos 70. Dentre os assuntos abordados, não poderia faltar os grandes festivais de rock. Segue o texto:
"Um festival não é apenas um desfilar de vários nomes mais ou menos estelares do rock. Além do número de artistas apresentados, há outros elementos definidores: o local, ao ar livre, longe da cidade, se não bonito pelo menos agradável; sua capacidade de comportar enormes contingentes de público; e a intenção de e disposição desse público em formar algo mais que uma simples plateia de rock; a ideia, sempre presente em maior ou menor grau, de que todos estão ali para algo que transcende a música, uma celebração tribal, um ritual de união do clã.
Pelo menos esse era o espírito da grande era dos festivais, que vai do fim dos anos 60 ao início dos 70. Hoje, os festivais subsistem, é certo: mas são, cada vez mais, apenas mostras em grande escala dos últimos lançamentos ou das grandes estrelas do rock.
Curiosamente, a ideia de 'festival de música' não começou com o rock, mas com o jazz. Em toda a década de 50 foi o festival de jazz e folk de Newport, Rhode Island, Estados Unidos, que reuniu maiores audiências e concretou ideias e informações musicais. O filme Jazz on A Summer's Day popularizou a mostra, que foi responsável pelo lançamento, entre outros nomes, de Bob Dylan. Dylan foi aclamado e sacramentado em julho de 63, quando suas canções folk contemporâneas de revolta e inconformismo calaram fundo na plateia quando, em 1965, ousou ligar uma guitarra elétrica em seu palco, acompanhado pelos não menos elétricos e rockeiros músicos da Band. Os tempos, como ele havia previsto, tinham mudado. Newport, ainda hoje mostra significativa de jazz, blues e folk, não era mais o denominador comum da juventude. era preciso criar uma nova fórmula.
O pioneiro da fórmula festival-de-música-e-curtição foi o de Monterey, em 1967. Comparados com os festivais-gigante do fim da década, Monterey foi quase ridículo: apenas alguns milhares de pessoas, num local não tão vasto assim, assistindo aos shows sentados em cadeirinhas desmontáveis e bancos. Mas, considerando as presenças em palco e o espírito reinante no ar - as 'boas vibrações' como já se dizia - Monterey foi um marco, a cristalização do grande 'desbunde' das flores, som, paz & amor. Lá desfilaram Hendrix, Janis Joplin, The Who e muitos luminares do rock psicodélico da Califórnia, como Jefferson Airplane e Mamma's & The Papa's.
Em 1969, dois grandes eventos estabeleceram definitivamente o mito dos festivais. Na Ilha de Wight, ao largo da costa britânica, um quarto de milhão de pessoas aclamaram triunfalmente o homem que, 4 anos antes, tinha sido escorraçado de Newport: Bob Dylan quebrava o silêncio auto imposto com um concerto memorável, acompanhado pela Band, integrando o grande elenco do festival.
Mas foi no Festival de Woodstock, no interior do estado de Nova Iorque, que o mito se firmou de vez. Durante três dias mais de 500 mil garotos vindos de todos os cantos da América (e do mundo) ouviram (mais do que viram) os sons de Hendrix, Who, Crosby, Stills, Nash & Young, Santana, Richie Havens, Joan Baez. Mas, mais do,que isso, eles formaram uma gigantesca comunidade alternativa que, embora durando apenas esses 3 dias, criou a nítida ilusão que algo de novo e renovador estava, enfim, acontecendo. Como disse Max Yasgur, proporietário do local onde se realizou a mostra: 'Woodstock provou ao mundo que meio milhão de garotos podem ficar juntos para curtir alegria e música, e só alegria e música. Deus os abençoe por isso.'
Ou, como escreveu Joni Mitchell na canção-hino Woodstock: 'Nós somos poeira de estrelas/ nós somos ouro/ somos carbono de um bilhão de anos/ e precisamos retornar ao Jardim'.
Woodstock, o festival, deu um prejuízo de 100 mil dólares a seus organizadores. Mas Woodstock, o filme, rendeu 17 milhões de lucro, disseminando por todo o mundo a ideia de que, para fugir das pressões e desumanidades da vida urbana no mundo ocidental, bastava um fim de semana no campo em companhia de alguns milhares de outros garotos com o mesmo problema de evasão e ao som de um rock potente.
É claro que logo o mito do festival foi descoberto como boa fonte de renda. - E se tornaram comuns os festivais mais ou menos improvisados, com condições mínimas de higiene, preços exorbitantes e artistas que só podiam ser vistos de longe, muito longe, e ouvidos com igual dificuldade.
Os opostos também não tardaram a aparecer: seis meses depois da celebração pacífica de Woodstock, Altamont se tornou sua antítese. Em dezembro de 69 os Rolling Stones resolveram encerrar sua excursão americana com um grande concerto grátis no autódromo de Altamont, Califórnia. A organização do espetáculo foi apressada e improvisada. O grupo de motoqueiros Hell's Angels, conhecido por sua violência, foi convocado para atuar como força de segurança. Quando o show terminou, quatro pessoas estavam mortas: duas atropeladas, uma afogada e um rapaz preto esfaqueado pelos Angels a poucos metros do próprio palco. Foi um choque violento no mito pacífico e revolucionário que Woodstock tinha ajudado a criar em torno dos festivais.
Mas a maioria dos festivais dos anos seguintes não foi nem o céu de Woodstock nem, é claro, o inferno de Altamont. Na melhor das hipóteses, tornaram-se agradáveis fins de semana no campo, ao som de bom rock, como no Festival de Bath, em 1970 na Grã-Bretanha. No pior dos casos, era uma espécie de assalto à mão armada, com promotores e empresários brigando por dinheiro - cifras astronômicas - enquanto as multidões de garotos aturavam uma música péssima e banheiros entupidos (como no festival da Ilha de Wight em 1970).
Na Grã-Bretanha, o festival que mais se aproximou do de Woodstock foi o de Glastonbury em 1971. Durou uma semana, e não teve nada a ver com o clima de 'fim-de-semana-hippie' que reinava nos outros eventos. O bom tempo e a atmosfera legendária de Glastonbury contribuíram para criar o ambiente necessário de paz e união.
No Brasil, a era dos festivais parece ter terminado antes de começar. Por uma série imensa de obstáculos e dificuldades, nenhum dos espetáculos programados conseguiu se aproximar sequer de Glastonbury, quanto mais de Woodstock (embora fosse essa sua pretensão). Os menos desorganizados e tumultuados foram os de Guarapari, ES, em 1970, o
Dia da Criação em Caxias, RJ, em 1972 e o
Som, Sol, Surf de Saquarema, RJ, em 1976.
O maior festival já realizado, em termos numéricos, foi o de Watkins Glen, Estados Unidos, em julho de 73, reunindo 600 mil pessoas para assistir Allman Brothers Band, Grateful Dead e The Band. Mas estava longe a atmosfera de euforia e esperança que reinou em e a partir de Woodstock, quatro anos antes.
Vistos em perspectivas, os festivais permanecem equidistantes do idílio de Woodstock e da violência de Altmont como grandes festas comunitárias, rapidamente encampadas, como todo o resto, pela sociedade de consumo."
Nenhum comentário:
Postar um comentário