Palavras Domesticadas

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domingo, 23 de setembro de 2012

I Ecodiscos - 21 e 22 de Setembro

O culto aos discos de vinil vem crescendo acentuadamente nos últimos anos, e pelo que tenho percebido não se trata somente de algo vindo de antigos colecionadores e apreciadores de música da era pré-cd, mas também por parte de uma geração que não viveu o esplendor da era dos bolachões. Se por um lado isso significa uma maior concorrência na disputa por raridades nos sebos, por outro é saudável perceber que os antigos LPs não perderam sua magnitude, e junto com essa revalorização toda uma indústria ligada à audição de discos de vinil vem se aquecendo nesses últimos tempos, como a fabricação de novos aparelhos de reprodução e acessórios, o que tem tornado menos difícil para aqueles que como eu, continuaram a ouvir discos de vinil, a aquisição de agulhas ou produtos para conservação dos discos, além do mercado estar sendo abastecido por novos e modernos toca-discos.
Hoje já é comum observarmos encontros de colecionadores e admiradores dos discos de vinil, onde são comercializados e trocados discos e acessórios para audição, e através desses encontros podemos verificar a enorme aceitação dessa antiga mídia, que muitos julgavam destinada a sumir de vez. O impacto causado pela entrada dos cds no mercado, quando se verificou uma pureza no som, sem os chiados ou ruídos na audição dos vinis, além da comodidade de não precisar ficar trocando o lado do disco, e poder escolher aleatoriamente ou trocar a ordem das músicas a seu gosto, ou ainda a praticidade de ocupar um espaço muito menor de armazenamento, fez com que muitos apreciadores de música adotassem os cds como a única forma de se ouvir músicas. Mas aos poucos foi se verificando que nem tudo é perfeito no mundo dos cds. Eles também pulam, arranham, e ainda mofam e perdem a qualidade, fato esse que não ocorre com os vinis.
Dessa forma, vem se formando nos últimos anos uma nova geração de colecionadores de vinis, e pela primeira vez em Campos foi organizado um encontro de colecionadores e apreciadores da cultura e culto aos antigos discos. Elaborado pelos colecionadores Wellington Codeiro, Romualdo Braga e Fabrício Pantera, aconteceu na cidade a primeira ECODISCOS - Encontro Regional de Colecionadores de Discos de Vinil. A programação incluiu não só vendas e trocas de discos, como também discotecagens de colecionadores, shows, homenagens e bate-papos, além da exposição de antigos aparelhos.
Acho que todo apreciador de música desejou pelo menos uma vez atuar como DJ, colocando suas músicas preferidas para as pessoas ouvirem, independente de estilo ou apelo de mercado. Vários colecionadores da cidade tiveram essa oportunidade, como eu, que apesar de não saber manejar muito bem a aparelhagem usada, pude ter essa experiência, e me senti bem fazendo uma mistura que incluiu batucada de samba, rock e soul.
Nos dois dias do evento aconteceram também shows variados, de samba, rock, MPB e rap. Muito interessante também foi um bate-papo com o antigo proprietário de loja de discos Paulo André Barbosa, que lembrou os velhos tempos em que estava a frente da maior e mais bem servida loja de discos da cidade, a Caiana Discos. Sua fala foi ilustrada pela execução de músicas de seu acervo de Lps, tornando seu papo bem ilustrativo sobre uma época em que os cds ainda não haviam dominado o mercado. Poderia haver uma maior adesão de comerciantes de venda de LPs, como proprietários de sebos da cidade para haver uma maior opção de compra para os colecionadores. A vinda de proprietários do sebo Baratos da Ribeiro, do Rio de Janeiro foi uma opção de compra, além de alguns discos disponibilizados para venda pelos organizadores e colecionadores, mas outros comerciantes ajudariam a criar maiores opções de compra. De qualquer forma o evento se concretizou numa ótima opção cultural para a cidade, e espero que venham outros com mais participantes. O caminho está aberto. Meus parabéns pela iniciativa.

quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Clementina de Jesus, por Gisa Nogueira

"A primeira vez que vi Clementina, no palco do Teatro Opinião, tive a impressão de estar diante de um documento vivo - a força e a presença negra na formaçãso da cultura brasileira. Sua voz rouca e gutural me fazia viajar em seus cantos de trabalho, aprendidos com sua mãe, como ela me contava. Tudo isso em uma época não tão gloriosa, mas certamente determinante da nossa cultura.
Lá pelos idos dos anos 70 fui convidada por Jorge Coutinho para fazer parte do elenco fixo da Noitada de Samba do Teatro Opinião, onde se apresentava Clementina. Daí nasceu uma amizade de muito respeito e admiração e pude desfrutar de alguns raros momentos de aprendizado e muito prazer.
Moradora da Rua Acaú, no Engenho Novo, em uma casinha simples e de poucos cômodos, com seu marido Pezão, Clementina era uma verdadeira rainha do lar. Diversas vezes provei de seus quitutes maravilhosos. Quando voltávamos para casa, após o espetáculo do teatro - eu morava no Méier - de carona no fusquinha do amigo José Carlos Rego, Clementina vinha nos contando histórias engraçadas, acontecidas com ela, algumas de uma ingenuidade deliciosa. Não tive oportunidade de viver a boemia de Clementina.
Bela e soberana em seu traje branco, Clementina ganhou de mim uma simples homenagem em forma de samba. Fiz para ela Clementina de Jesus (Clementina de Jesus nascida/Obra e graça da raça e da cor/Veste branco, sorri para a vida/Que nem sempre lhe sorriu/Nem sempre lhe deu amor), gravado por Beth Carvalho. Foi o jeito de lhe falar doi meu carinho."

sábado, 15 de setembro de 2012

A Primeira Vez Que Li Sobre Guinga

É engraçado, mas a primeira vez que eu li algo sobre o grande músico e compositor Guinga, eu achei que se tratava de um personagem ficcional. Em 1990, quando trabalhava e morava em Ubá/MG, em meus tempos de ferroviário, eu comprei um exemp-lar do jornal O Pasquim, e deitado na cama do quarto onde dormia, lembro-me bem, li a coluna de Aldir Blanc onde ele falava de um músico de quem eu nunca tinha ouvido falar. O que me levou a achar que fosse uma invenção de Aldir, apesar de em seu texto ele citar vários músicos conhecidos e mesmo títulos de composições, é que as referências ao até então para mim deconhecido personagem eram elogiosas demais, o que me levava a crer que um cara para receber tantos elogios e citações de gente famosa e de peso tinha que ser pelo menos um pouco mais conhecido. Outro fator que me levava a acreditar na tese do personagem de ficção é que a imagem que ilustra o texto (ver acima) era um desenho, podendo portanto, ser realmente fruto da inventividade de Aldir. O texto, intitulado "O Caso dos Irmãos Guinga" também parece título de um conto ( no caso "irmãos" se refere a dois personagens num só: o dentista e o músico). Só algum tempo depois eu vim a conhecer o trabalho de Guinga, e me certificar que ele é de carne e osso. Eis alguns momentos do texto de Aldir:
"Sou amigo e parceiro (nessa ordem) de um dos Irmãos Guinga, o compositor. O outro irmão, o Dr. Carlos Althier de Lemos Escobar, também é meu chapa, já esteve até aqui em casa recauchutando um canino avariado, mas nos relacionamos de modo mais formal, o que é compreensível: Tenho medo de dentista. O compositor é uma das maiores figuras de todos os tempos. Doidaço, suburbano até a medula, gozador e peladeiro emérito. Um espécime en extinção. Só tem um pequeno defeito: bebe pouco.
O negócio é o seguinte: se eu chegasse num boteco e dissesse que o Guinga é um dos maiores compositores brasileiros, ou botando mais pilha, um dos maiores compositores populares do mundo no século XX, sei que meus detratores começariam a balançar a cabeça com ar de "o que a bebida fez com esse rapaz..." E haveria os canalhinhas de sempre, com fachada novaiorquina e mente interiorana, me acusando de puxar a brasa pra minha sardinha. Então tá. No presente caso, os outros não são o inferno sartreano não. Muito pelo contrário. Os outros são minha defesa. Convido vocês ao estudo do retrospecto guingueano, assim como se estivéssemos de bobeira apreciando os cavalinhos. A comparação é proposital: o Guinga é um puro-sangue desses que só aparecem uma vez na vida.
Conheci o Guinga via Rafael Rabelo, um dos maiores violonistas do planeta. Fiquei impressionado com a admiração que o Rafa tinha pelo tal do Guinga, a quem ficara de trazer pra acertar uns papos comigo. Um dia, a figura, muito tensa, tocou minha temperamental companhia. Me arrasou com várias composições suas, letradas ao cubo pelo Paulo César Pinheiro, um poeta que me parece o legítimo sucessor de Vinícius. Babei na gravata. Eis alguns títulos que me abalaram até os ossos: Violada, Saci, Senhorinha, Sussuarana, Noturna. Mais tarde, algumas delas seriam gravadas em grande estilo por Amélia Rabelo. Miúcha matou a pau a alucinada valsa francesa Non Sense, um banho de letra do Paulinho Pinheiro, desses olés de fazer outro letrista pensar em mudar de profissão. São CENTENAS de músicas desses dois iluminados. Procurem ouvir Punhal, Valsa do Realejo, Cinto Cruzado, gravações da eterna Clara Nunes; Conversa com o Coração e Maldição de Ravel, com o MPB-4; Passo de assovio, que o Pepê Castro Neves interpreta com rara sensibilidade, arranjo do Legrand, meninos. E, pra aqueles que desejam bater com a cabeça na parede, Bolero de Satã, com a Elis.
No passado mais recente, Leila Pinheiro, Selma Reis e Itamara Koorax se apaixonaram pelo trabalho do Guinga. Turíbio Santos, um dos raros motivos de orgulho da gente ser brasileiro, me deu, por escrito sua fundamental opinião: Guinga é o primeiro a continuar, de fato e de direito - tchan-tchan-tchan-tchan! - ninguém menos que Villa Lobos! O magnífico Baden Powell acha que o Guinga é o nosso maior compositor em atividade. O rigorosíssimo Hermeto, terror dos enroladores, escalou Guinga pra participar de seus shows assim que o viu tocar dez minutos pela primeira vez. Oscar Castro Neves fez questão de conhecê-lo e quase perdeu o avião que o levaria de volta para Los Angeles. Paco de Lucia - é, o Paco - disse que nunca encontrara um compositor com quem quisesse trocar seu próprio universo musical pelo do outro, se pudesse, mas que toparia fazer esse avatar com o Guinga. Uma declaração dessas, vinda de quem veio, daria uma página de jornal em qualquer país civilizado. Aqui no jerk's paradise, lhufas, Moacyr Luz tem razão: em terra de ferradura, quem dá coice é rei."

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

Preciosidades em Vinil : Revolver - Walter Franco (1975)

Um vinil de minha coleção que eu tenho um carinho especial é Revolver, de Walter Franco. O meu exemplar é da versão original, de 1975 (o disco chegou a ser relançado em vinil lá pelos anos 80). A edição original traz um encarte mais completo e palavras escritas em braile na capa. Também tenho a versão em CD. Revolver é um disco inspirado, experimental e ousado, nadando contra a corrente do sucesso comercial, e se transformando em uma obra-prima.
Numa matéria sobre Walter e o disco, que ainda nem havia sido lançado, publicado na revista Rock, A História e a Glória e escrita por José Miguel Wisnik, o trabalho gráfico é assim descrito: "Na capa de Revolver, Walter Franco vem só, atravessando a rua. As luzes deixaram São Paulo meio esverdeada no escuro. As mãos no bolso do paletó branco, tênis branco, ele vem atravessando a rua, parecendo John. Mas ele vem de frente, e a fila indiana de Abbey Road pode estar vindo, pode ser todo mundo, quem quiser. ('Pode/pode ser/pode ser não/pode ser não é).
Revolvendo tudo o que aprendeu, os Beatles, João Gilberto, o partido alto ('Partir do Alto' é o nome de uma das músicas), fazendo triângulos com música. A foto da capa ficou numa posição oblíqua, formando pirâmides de todos os lados. Tem também alguns sinais em braile: 'O que está escrito no centro da capa é pra fazer sorrir um cego, ou fazer sorrir qualquer pessoa que enxerga, na ponta do dedo, no toque frágil'. Pra ouvir com o olho, com o tato."
Na mesma matéria Walter declarava: "Pra mim a música tem que ser polarizada para uma definição em termos de vida, mais com a vida do que com a música em si. Um exercício de harmonia, de prazer, de passar um prazer para o outro, e manter o equilíbrio. Pingue-pongue. Se você sorrir para mim com o seu olho eu posso sorrir pra você com o meu olho. Eu me preocupo em usar o som como uma transação de cura, onde todos precisam ser curados."
Quando o disco foi lançado, um outro número da revista trouxe uma resenha da jornalista Ana Maria Bahiana, na sessão Guia do Disco: "Tem gente logo se sentindo ameaçada, pensando em arma e coisas tais. Já outros lembram do disco dos Beatles, aquele que tinha Eleanor Rigby e Yellow Submarine. Os Beatles tem mais a ver. Como na capa de Abbey Road, Walter vem andando pela rua, de frente e de banda, mostrando a cara, vestido de branco, convidando à valsa. E, como os Beatles, ele vem remexendo o baú sonoro, revolvendo, revirando. Em termos de Walter, é um passo atrás de seu primeiro LP, o da capa branca, mosca e não. Mas como ensinam os chineses, podem valer dois passos à frente: Walter está pegando o pulso da rapaziada, acertando o passo com o rock e a eletricidade, ensinando, quase, paciente e bruxo, o que fazer com um estúdio, com as fitas, as guitarras, os sintetizadores. Tenho certeza absoluta de que a garotada vai adorar. E aí o Walter vai poder prosseguir, muito sereno, pelas galáxias em espiral (ou em triângulo?) que ele tem dentro da cabeça."

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

A Aproximação de Rita Lee e Gilberto Gil

A relação musical e de amizade entre Rita Lee e Gilberto Gil é de longa data. Começou a partir de 1967, quando os Mutantes foram convidados a participarem com Gil no festival da TV Record cantando Domingo no Parque. O maestro Rogério Duprat havia assistido a uma apresentação dos Mutantes na tv, e os convidou para fazer uns vocais para a música "Bom Dia", de Gilberto Gil, cantada por Nana Caymmi. Eles aceitaram o convite para irem depois do programa ao estúdio onde a música estava sendo gravada. A própria Rita contou: "Ao chegar no estúdio travamos contato com o Gil, que naquele tempo era gordo e usava barba. Fizemos os vocais para a Nana e ele gostou muito. Depois das gravações ele nos convidou para para acompanhá-lo no festival cantando 'Domingo no Parque' e nós aceitamos, embora achássemos, pelo fato de ele já estar desenvolvendo um trabalho próprio, uma transa um pouco distante mas não inatingível. Ele sabia também da barra que seria se apresentar com guitarras num festival de música brasileira, que o pessoal iria chiar - como chiou - mas nós fomos, sempre seguindo a filosofia de 'faça o que você quiser, mas faça bem feito'. Outro fator muito importante que nos ligou ainda mais ao pessoal do tropicalismo foi exatamente essa falta de preconceitos que era tão visível contra o pessoal da Jovem Guarda."
Apesar de uma hostilidade à princípio, por parte da ala mais conservadora, a música Domingo no Parque se classificou em segundo lugar, e após ser apresentada acabou conquistando a todos, pois tratava-se de uma composição de inegável valor, e ninguém, público e jurados, em sã consciência poderia negar as qualidades da obra de Gil. Essa apresentação acabou se tornando importantíssima para os Mutantes, e muito por causa dela, permitiu que a banda gravasse seu primeiro disco no ano seguinte, ano em que também foram convidados para acompanhar Caetano Veloso no mesmo festival em que se revelaram no ano anterior, dessa vez com a polêmica É Proibido Proibir. Nesse mesmo festival também puderam apresentar uma música própria: Caminhante Noturno.
Porém, os Mutantes, que àquela altura já estavam integrados ao movimento tropicalista, tiveram que enfrentar uma forte resistência por parte de um grupo de compositores que pregavam uma espécie de boicote contra a guitarra elétrica em um festival de MPB, e apesar de serem classificados com Caminhante Noturno, encontraram um manifesto encabeçado pelos compositores Sidney Miller e César Costa Filho, onde se declarava entre outras coisas, sua repulsa por participarem de um festival de música juntamente com 'pessoas alienadas que usavam uma cultura estrangeira'. Gil, que fora o responsável por integrar os Mutantes ao movimento tropicalista, continuou trabalhando com eles, que além de participarem do histórico disco Tropicália, também tocaram no disco de Gil de 68. A amizade em especial com Rita continuou ao longo dos anos.
Em 1977, dez anos após aquele primeiro contato Rita liga para Gil a fim de convidá-lo para ser padrinho de seu primeiro filho, Roberto. Segundo Rita, "Gil achou ótima a ideia de ser padrinho do meu filho e no meio da conversa foi pintando uma vontade de matar uma saudade muito grande, de nos aproximarmos, pois a gente se sentia em condições de dar força um para o outro, porque ele também havia sido preso, aquela coisa toda (ambos haviam sido presos na mesma época por consumo de maconha). Houve então uma grande troca de de energia que acabou se concretizando com a realização de 'Refestança'.
O projeto que à princípio estava programado para ser apresentado apenas no Rio e em São Paulo, acabou sendo levado para várias capitais do Brasil, e resultou em um disco ao vivo. Os shows juntavam as duas bandas que os acompanhava, juntando 14 músicos no palco, interpretando desde Beatles - uma versão para Get Back, que mais tarde seria regravada por Lulu Santos em seu primeiro disco, até É Proibido Fumar, de Roberto Carlos, além de composições próprias. O título da série de shows, Refestança, era uma referência aos discos anteriores de Gil - Refazenda e Refavela - e nada mais era do que uma grande festa, onde as pessoas apenas se divertissem, sem qualquer mensagem filosófica, panfletária ou política, tão comuns naqueles anos.

quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Revista Rock Espetacular - História do Rock em 3 Volumes

Em dezembro de 76 e janeiro e fevereiro de 77, foram publicados no Brasil três volumes de uma revista chamada Rock Espetacular, que contava a história do rock, desde seus primórdios, até aquele ano. O rock era um jovem de 21 anos, mas já trazia uma bela história, que a revista, publicada pela Rio Gráfica Editora, mostrava em três volumes. Eu, que na época estava ainda me iniciando como amante do rock, e ainda pouco conhecia sobre o assunto, via naquelas revistas uma excelente oportunidade de conhecer melhor aquele fenômeno musical e comportamental, que já me interessava bastante. Além de contar a história do rock, com bons textos e ilustrações e fotos (todas as fotos dessa postagem foram tiradas delas) as revistas ainda traziam um compacto duplo (4 músicas), que também representava muito pra mim.
Eu ainda estava iniciando minha coleção de vinis, que na época caberiam todos em uma mochila, e ainda sobraria espaço, e aqueles disquinhos foram os primeiros sons que tive de Elvis, Stones e Led Zeppelin. O volume um trazia em sua apresentação:
"Rock Espetacular pretende oferecer em 3 volumes um panorama bastante amplo dos principais artistas e acontecimentos que marcaram a evolução desse tipo de música, nos seus vinte e poucos anos de existência. É uma introdução ao assunto que procura acrescentar à visão geral os detalhes mais importantes e significativos." O primeiro volume, seguindo uma cronologia, trazia os primeiros astros do rock: Bill Halley, Elvis, Chuck Berry, Little Richard, e avançando aos anos 60: Beatles (e seus membros individualmente) e Bob Dylan.
O volume 2, que saiu em janeiro de 77 dava um destaque de capa aos Rolling Stones, e falava dos anos 60, e as transformações que vieram naquela década, as grandes bandas que surgiam e se firmavam, as novas vertentes do rock, os grandes festivais, etc. Além dos Stones, o segundo volume mostrava The Who, Cream, Hendrix, Jeff Beck, Eric Clapton, James Brown, Traffic, Janis, Crosby, Stills, Nash & Young, Allman Brothers, Ray Charles e Jackson Five. A introdução do volume destaca:
"Se a década de 50 é a infância ingênua e divertida do rock, os anos 60 são sua conturbada e múltipla adolescência. E é deles que trata este segundo volume de Rock Espetacular. Aqui é traçado, em grandes linhas, o perfil de uma geração, a que sonhou, viveu e planejou um novo mundo ou, no mínimo, uma nova forma de expressão."
O terceiro e último volume, que fala dos anos 70, traz na introdução: "Anos de dinheiro, anos de barra pesada, ilusões perdidas e caminhos desencontrados. A década de 70, para o rock, nasceu sob o signo da tragédia, com as mortes de Jimi Hendrix e Janis Joplin. Muitos viram nisso um sinal, e de fato era: alguma coisa estava mudando de novo, uma visão de vida que morria para ser substituída por outra."
Esse último volume destaca os diferentes estilos que se formaram a partir da semente do rock: o hard rock, o progressivo, o glitter, o fusion, etc. Personagens marcantes e que se destacaram naquela década, que à época da publicação ainda vivia em pleno vigor (o volume três saiu no início de 77) eram apresentados. Bandas como Led Zeppelin, Emerson, Lake & Palmer, Moody Blues fazem parte do volume, assim como artistas-solo como Alice Cooper, Neil Young, David Bowie e Peter Frampton - o grande sucesso da época.
Esses três volumes marcaram bastante minha vida de leitor e pesquisador de rock, por ser a primeira série de revistas que li, ainda adolescente, contando a história do rock, e acredito que foi a primeira que saiu no Brasil abrangendo a história do gênero desde seu início. Por isso conservo até hoje essa valiosa obra.

terça-feira, 4 de setembro de 2012

A Primeira Vinda de Bob Dylan ao Brasil - 1990

Um dos grandes astros e mitos do rock, Bob Dylan fez sua primeira apresentação no Brasil no dia 25 de janeiro de 1990, na segunda edição do Hollywood Rock (a primeira havia acontecido dois anos antes). O festival, que teve várias edições, costumava trazer astros internacionais e bandas locais em apresentações no Rio e em São Paulo. Alguns anos depois, quando uma lei federal passou a proibir que empresas de cigarros e bebidas patrocinassem eventos populares, o Hollywood Rock, assim como o Free Jazz (patrocinado pela marca de cigarros Free)acabaram saindo de circulação do calendário musical do país. Naquela edição, o Hollywood Rock trouxe como atrações Margareth Menezes (em substituição a Gilbero Gil, cujo filho Pedro sofrera um acidente fatal dias antes da data de sua apresentação), Marillion, Bon Jovi, Terence Trent D'Arby, Eurythmics, Tears For Fears, Barão Vermelho, Engenheiros do Hawaii, Capital Inicial e Lobão, que se apresentou com a bateria da Mangueira.
Mas a grande atração do festival, pelo menos para aqueles que sabiam de sua importância para a história do rock, foi Dylan. A expectativa por sua primeira vinda ao país era tanta, que segundo uma nota publicada em um jornal dizia que o fã-clube oficial de Bob Dylan ordenou aos associados que, sempre que o trovador aparecesse na janela do hotel, todos ficassem de joelhos. Exageros à parte, a verdade é que a vinda de Dylan ao Brasil, pela primeira vez, significava um fato de grande importância para o show-bizz brasileiro. Numa matéria publicada em uma edição especial no Jornal do Brasil, assim o show de Dylan foi descrito:
"Guitarra prateada, terno preto com bordado country, o trovador se apresentou acompanhado de uma pequena banda: G.E. Smith na guitarra, Christopher Parkers no baixo e, na bateria, o discreto Tony Garnier. Chegou meio caladão, assim como saiu maio caladão. É seu estilo. Deu um ou outro 'tank you' e surpreendeu ao mostrar novos arranjos para antigos clássicos. Resultado: muita gente só reconhecia as músicas lá pela metade. Foi assim com Mr. Tambourine Man e, quem diria, até com Blowin'in The Wind os mais famosos versos de Dylan. Lay, Lady, Lay, mais espessa, e Like a Rolling Stone - uma concessão especial à plateia brasileira, já que não gosta muito de cantá-la -, mais lenta, foram completamente transformadas. As baladas do disco Oh, Mercy, de 1989, foram entoadas com a voz fanha de sempre - com destaque para Everything Is Brocken. Pouco mais de uma hora e meia depois de seus primeiros acordes, havia uma só constatação em 35 mil cabeças: uma lenda do rock havia pisado a Apoteose naquela noite. Revelando que, apesar (ou por causa) do tempo, tudo pode e deve mudar. As músicas, as pessoas, o mundo."

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

Revista Rock Espetacular Especial - Genesis (1977)

Em maio de 1977 a banda Genesis faria alguns shows históricos no Brasil. Na época não era muito comum recebermos grandes nomes do rock internacional. O rock progressivo vivia um período de grande sucesso, apesar do movimento punk, que renegava todo aquele aparato sonoro e visual, já eclodira e mostrava força no panorama da música. Em 1975, Rick Wakeman, outro representante do Progressivo havia feito shows de enorme sucesso no Brasil, e talvez por isso os empresários que trouxeram o Genesis tenham se animado ainda mais a trazer a banda inglesa, uma das representantes mais marcantes do rock progressivo no mundo.
Dessa vez, os shows seriam ainda mais grandiosos, pois a banda faria uma parceria com o Projeto Aquarius, que era o resultado de uma iniciativa do jornal O Globo e a Orquestra Sinfônica Brasileira, para promover concertos de música erudita em espaços públicos, como a Quinta da Boa Vista, no Rio de Janeiro. A proximidade da música erudita com o rock progressivo levou os organizadores da vinda do Genesis a terem a ideia viável e a criatividade de unir as duas vertentes musicais num único espetáculo. Conforme mostra o anúncio acima, o Genesis fez shows em Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo, as duas primeiras cidades em duas datas, e em São Paulo em quatro shows (dois no Anhembi e dois no Ibirapuera).
A revista, lançada em função da vinda da banda ao Brasil, conta a história do Genesis, fala de cada músico e traz comentários e discografia, além de trazer um poster da banda. Como minha edição foi adquirida em um sebo, fiquei sem este ítem. Peter Gabriel, já havia deixado a banda dois anos antes, e o baterista Phil Collins assumia os vocais. Por isso foi necessária a presença de um novo baterista, Chester Thompson, um músico americano de estúdio, bem conceituado no estilo jazz-rock, e que já havia tocado no grupo Mothers of Invention, de Frank Zappa. Antes de Thompson, quem ocupava a bateria era o ex Yes e King Crimson, Bill Brufford.
Em seu texto de apresentação a revista diz: "Little Richard, Bo Didley e Chuck Berry, se vissem o Genesis, provavelmente não gostariam. Ou, pelo menos, não reconheceriam nele o som daquilo que criaram, há mais de duas décadas: uma língua chamada rock'nroll. E não estariam sós. Os críticos americanos costumam rotular a música do Genesis de 'glacial'. E muita plateia, principalmente nos Estados Unidos, já interrompeu seus concertos aos gritos de 'toca um rock!'
No entanto, o Genesis toca rock. E tem um público fidelíssimo, certo, que compra seus discos em quantidades suficientes para que se transformem em ouro e platina, - um público principalmente inglês, europeu, e bastante brasileiro, também. Não é de estranhar. O Genesis é um grupo-padrão da terceira geração do rock. Na verdade, é um dos maiores e mais característicos representantes dessa geração de músicos e compositores que chama a música que fazem de 'rock' - mistura e resultado final de muitas coisas. Antes deles, havia o rock'nroll. E, depois, uma sucessão de acontecimentos musicais e extra-musicais que foi assim agitando, misturando, perturbando, até sacudindo: Beatles, Stones, os jovens ingleses descobrindo os blues, os herois da guitarra, Hendrix, a paz-e-amor, a New Left, San Francisco, Swingin London, os festivais... No fim da década, às vésperas de Woodstock, isso tudo precisava de um nome. E o rock nasceu, de direito e de fato."
Os shows do Genesis, com formação de Phil Collins, Steve Hackett, Mike Rutherford, Tony Banks e Chester Thompson, foram apoteóticos (a foto acima, ainda com Peter Gabriel, logicamente não são dos shows). Pela primeira vez o Brasil recebia um show com efeitos visuais a laser, uma novidade então, algo até primário se compararmos com hoje em dia, com os efeitos visuais feitos por computador e tecnologias das mais avançadas. Mas a verdade é que a música, o visual, a parceria do Genesis com a Orquestra Sinfônica Brasileira, com regência do maestro Isaac Karabstechevsky representou um espetáculo de uma grandiosidade histórica e única, ajudando a quebrar preconceitos, tanto do público de música erudita com relação ao rock, e vice-versa.