Em 1981 Nara Leão lançava mais um disco, Romance Popular. Na ocasião o Jornal do Brasil em sua edição de 15 de junho daquele ano trazia uma matéria sobre o lançamento e a carreira de Nara, em matéria assinada por Tárik de Souza:
"Entra moda, sai moda, persiste o carisma de Nara Leão. Qual é o segredo dessa permanência num mercado tão instável quanto antropofágico? Decerto não é a voz pequena, aos poucos melhor acondicionada, mas ainda assim insuficiente e um tanto linear. Perguntar pelo efeito magnético dos célebres joelhos seria vulgar e inexato - suspensa a voga da minissaia, eles andaram escondidos por longo tempo. E a própria cantora, afinal, casada, foi cuidar dos filhos e mais tarde resolveu voltar a estudar, desaparecida dos palcos.
Para outras cantoras - até mais bem-dotadas - poderia ser o suicídio artístico. Nara, porém, conseguiu manter-se na invejável posição de artista de catálogo, procurada por uma plateia não muito numerosa, mas sempre fiel, caso semelhante ao de raros outros artistas de pouca publicidade e consumo cativo, como o sambista Roberto Silva. Recentemente, Nara Leão ainda se deu ao luxo de gravar um LP inteiro com o repertório de Roberto e Erasmo Carlos ('para exorcizar o lugar-comum sentimental') e outro com Chico Buarque - trabalhos que considera tão dignos quanto o desafio dos repertórios e autores inéditos.
Quando tudo fazia crer na aparição de uma sólida Joan Baez cabocla, Nara viraria mais uma vez a mesa. No histórico disco Tropicália, de 68, Caetano Veloso portava a moldura de sua foto como integrante do dissidente cisma de guitarras Vicente Celestino e longos cabelos, ao lado de Gil, Rogério Duprat, Gal, Mutantes (Rita Lee incluída), Tom Zé e Capinan. Cabia à cantora a estranha Lindonéia, parceria de Gil e Caetano. Com mais essa virada Nara deixava na poeira as turmas da bossa-nova e da canção de protesto, esta, inimiga das guitarras do tropicalismo. Mas, tampouco seria tropicalista de última hora. Dois anos depois, no fechado ano de 1970, de Paris, encapotada na capa, em plena nevasca, ela mandava um álbum duplo, Dez Anos Depois: vinte e quatro faixas da mais ortodoxa bossa-nova (dezenove assinadas por Tom Jobim); da que ela se recusa a cantar no momento óbvio. 'Esse disco foi uma espécie de pazes comigo mesma', voltaria a contracapista já em outro lançamento. Meu Primeiro Amor (75), vinha repleto de canções de infância (Atirei o Pau no Gato, Upa! Upa! Meu Trolinho, Prenda Minha, Andorinha Preta). Seu título procedia da abominável guarânia Lejania, em versão de José Fortuna e Pinheirinho Júnior. Abominável é claro, para a ortodoxia da bossa, que também, não aprovaria o casamento da voz da cantora com a do Jovem Guardião Erasmo Carlos, na faixa mais tocada do LP seguinte, Meus Amigos São um Barato. Outros ecléticos convivas desta festa de arromba: Dominguinhos, João Donato, Caetano, Gil, Jobim; em pleno 1977, início da distensão política.
Nara e Dominguinhos |
O céu coro nordestino/onde eu e Buñuel/ procuro o fogo de Prometeu (Seja o meu Céu)
Mais contrastes que sintonias:
Laranja da Terra/Coca-Cola da China (Laranja da China)
Menos desespero que ironia:
Vai que toca fogo na cadeia/ e solta o passarinho pra cantar/ no peito da pomba e lua cheia/ no coração da bomba o que será? (Romance Popular)"
Ótimo texto,como sempre,de Tárik de Souza.
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