Palavras Domesticadas

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sábado, 16 de janeiro de 2021

Milton Nascimento - Revista Pop (1977)


 Em sua edição nº 55 (maio de 1977), a revista Pop trazia uma matéria sobre Milton Nascimento, que vivia uma ótima fase em sua carreira, após lançar em sequência, dois discos que alcançaram sucesso e reconhecimento, Minas (75) e Geraes (76). O título da matéria exemplifica bem a fase que o artista atravessava: "Milton Nascimento - Finalmente surge um superstar brasileiro!". O texto introdutório da matéria diz:

"Com o meteórico sucesso de seus recentes espetáculos no Rio, São Paulo e Porto Alegre, e com a vendagem de seus LPs ultrapassando a marca das 100 mil cópias, Milton Nascimento inaugura, de maneira brilhante, uma nova fase em sua carreira. Realizando um trabalho importante e consistente, onde utiliza todas as manifestações musicais da cultura  brasileira, Milton é a síntese viva de seu tempo e de seu povo". Segue abaixo a matéria:

" 'O papel de todo artista é botar a sua lucidez pra fora. Até onde ele pode chegar, só Deus sabe...'        Milton Nascimento

No mundo da música popular, nada como o tempo para definir o verdadeiro lugar dos personagens que o habitam. Muitos artistas conhecem o sucesso da noite para o dia, e dele se divorciam com igual velocidade. Outros, ainda que apresentem um bom trabalho, nunca chegam a conquistar popularidade, por imprevisíveis caprichos da psicologia popular. A história dos verdadeiros supertalentos, no entanto, é sempre muito parecida, e reforça invariavelmente um velho postulado: nenhum fenômeno social ocorre da noite para o dia.

Por isso mesmo, o fato de Milton Nascimento lotar ginásios de grandes dimensões (Maracanãzinho, Ibirapuera, Gigantinho) e vender mais de 100 mil LPs em poucas semanas não chega a surpreender ninguém. Afinal, desde o histórico Festival da Canção que o revelou com Travessia, Milton vem construindo sua carreira em bases sólidas, desenvolvendo um dos trabalhos musicais mais importantes e consistentes que a música popular já conheceu. Sintomaticamente, a trajetória artística de Milton nunca teve altos e baixos, não conheceu o aflitivo contraste entre discos de muito sucesso e outros de baixa vendagem, não foi resultado de quaisquer campanhas promocionais mirabolantes ou inescrupulosas. Atualmente, se Milton Nascimento atrai milhares de pessoas a seus concertos é porque o público se identifica com suas mensagens.
De fato, nenhum outro artista da moderna MPB consegue mesclar, de maneira tão brilhante, as dezenas de estilos musicais da cultura brasileira. De toada mineira à folia de reis, do samba urbano ao folclore latino-americano. Milton consegue uma surpreendente unidade entre os gêneros musicais mais diferentes.
Esta unidade, que consumiria centenas da páginas no caso de uma explicação científica ou jornalística, é feita por Milton num estalar de dedos, numa simples combinação de compassos e acordes.

A trajetória de Milton Nascimento até o sucesso começa na cidade mineira de Três Pontas. Aos 18 anos, Milton era um adolescente dividido entre a música e a técnica da contabilidade, que estudava por influência de seu pai adotivo.

- Se a arte não der certo, você tem como se virar.

Certo dia, no entanto, Milton tomou algumas cervejas com os amigos e decidiu: a música era o único caminho a seguir. No dia seguinte, com quinze cruzeiros antigos no bolso, Milton rumou para Belo Horizonte, disposto a a enfrentar qualquer barra. Lá chegando, arranjou de  cara dois empregos. Durante o dia, trabalhava num escritório de contabilidade. À noite, apresentava-se numa boate japonesa chamada Fujiyama, tocando e cantando com o grupo Evolusamba. Mas a contabilidade definitivamente, não estava destinada a fazer parte da vida de Milton. Como ele saía da boate de madrugada, acabava dormindo sobre a mesa do escritório. O emprego, naturalmente, durou menos de um mês.

Depois, Milton ainda formou grupos com o tecladista Wagner Tiso e com o baixista Novelli, até encontrar o seu primeiro parceiro de composições: Márcio Borges. A amizade iria modificar novamente os rumos da carreira de Milton. Uma das primeiras músicas da dupla, Canção do Sal, foi gravada por Elis Regina.

Nessa época, Milton conheceu Fernando Brant e, juntos compuseram as duas músicas que iriam projetá-los nacionalmente, de maneira definitiva: Travessia e Morro Velho. No mesmo Festival da Canção em que as músicas foram apresentadas, Milton recebeu o convite de um produtor da gravadora A&M americana, para gravar um LP nos Estados Unidos.

Após o lançamento de Courage - que passou praticamente desapercebido nos EUA - Milton voltou ao Brasil e continuou batalhando sua carreira com muita calma, fazendo shows pelo país, sempre acompanhado do extinto grupo Som Imaginário.

Na época - conta o folclore - Milton entrava em pânico no instante de entrar em cena.

Com o LP Clube da Esquina, lançado em 1972, Milton começa a se firmar como artista verdadeiramente importante na MPB. Variado e instigante, criativo e eclético, o disco é considerado um dos grandes marcos de nossa música contemporânea. No LP seguinte - Milagre dos Peixes (1974) - Milton enfrentou um problema até então inédito para ele: o crivo da censura, que cortou as letras de praticamente todas as faixas do disco, obrigando-o a gravar apenas as partes instrumentais. Naquele mesmo ano, num histórico concerto no Teatro Municipal de São Paulo, foi gravado Milagre dos Peixes Ao Vivo, primeiro LP de Milton a ultrapassar a faixa das 50 mil cópias vendidas. Depois, com Native Dancer (gravado nos EUA com o saxofonista Wayne Shorter), Minas e Geraes, Milton completou o ciclo da maturidade. Lotando ginásios, vendendo centenas de milhares de LPs, ele pode ser considerado, seguramente, o primeiro superstar brasileiro. Por direito de conquista."





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