Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 1 de fevereiro de 2021

Shows de Alice Cooper no Brasil em 1974


 Nos anos 70 não era muito comum acontecer no Brasil shows internacionais de grandes bandas ou artistas que estivessem no auge de suas carreiras. Por isso a presença por aqui do grande astro Alice Cooper, que fazia um grande sucesso, foi cercada de grande expectativa. Os shows provocaram muito tumulto por onde passaram, e uma matéria especial da revista Bizz em fevereiro de 2001 intitulada "O dia em que o Brasil perdeu a inocência", e assinada por Celso Pucci, discorre sobre aquela turnê:

"Pode parecer incrível para uma geração de roqueiros que se formou com a MTV, acabou de assistir à maratona do Rock In Rio e continua avançando via internet. Que está acostumada - ao menos nas grandes capitais - a ter à disposição shows internacionais quase semanais, discos importados que acabaram de sair do forno, fartura de publicações nacionais e gringas, informações mil por mídias ao quadrado. Mas houve um tempo em que os horizontes do rock'n roll eram extremamente estreitos e limitados no Brasil, cada parco empreendimento no setor era tratado - e com razão - como a salvação da lavoura.

Assim eram programas de rádio e TV apresentados pelo saudoso DJ Big Boy, o Caleidoscópio, espaço alternativo que Jacques conduzia nas madrugadas da América AM (SP), o Sábado Som - comandado por Nelson Motta na Globo, que na estreia apresentou o Pink Floyd tocando 'Echoes', nas ruínas de Pompeia - e revistas como a Rolling Stone brasileira, Bondinho, Pop e Rock: A História e a Glória. Raras moscas brancas sobrevoando o pântano da desinformação roqueira no início dos anos 70.

A situação era ainda pior em relação a shows: desde aquela época, a cada mês eram anunciadas vindas como os Rolling Stones (que só apareceram na década de de 90) e a do já citado Floyd. porém nada se concretizava. Quem diria que Alice Cooper - equivalente naqueles tempos anticristo ao que Marilyn Mason representa para a garotada atual - iria quebrar esse tabu?

O artista iria aportar aqui na turnê do recém-lançado Billion Dolar Babies (1973) com toda a parafernália visual, que ia desde tubos gigantes de pasta de dentes e bonecas decapitadas em cena até os os seus notórios malabarismos com uma cobra e a fama de bebum incorrigível. Não era bafo: no início de 1974, o circo de horrores do rock'n roll desembarcou em São Paulo para se apresentar no enorme pavilhão de exposições do Anhembi, com som deplorável e superlotação. O resultado era previsível: tumulto na entrada, repressão policial e, pior, o pessoal da turma do 'gargarejo' sendo esmagado contra as grades de proteção diante do palco em um fatídico episódio qui culminou em dezenas  de feridos.

Uma mãozinha amiga acudindo

Claro que tinha que ir nessa fuzarca, mas acabei presenciando um massacre. Um monte de gente prensada contra o alambrado e um corre-corre que gerou um pânico em um local originalmente planejado para a farra. O próprio Cooper deu sua versão para o que aconteceu naquela noite, em uma entrevista para a Pop, de maio de 1974: 'Vi todo mundo se esmagando e fiquei sem saber o que fazer. Parei de cantar para acalmar o pessoal. Afinal, tudo o que faço no palco não passa de encenação. O sangue é de katchup e nunca sacrifiquei animais em cena...'

Foi trágico, mas ficou como um espetáculo marcante. Mesmo abruptamente interrompido pelos incidentes na plateia, este foi o primeiro grande show de um rockstar em território brasileiro. Antes de Alice, apenas Santana - em proporções bem menores - havia se apresentado por aqui em 1971 e 1972. Depois, começaram a vir nomes como Rick Wakeman, Genesis, Joe Cocker, mas sem provocar o mesmo frisson.

Os anos 80 trariam muito mais atrações de peso, a começar por Kiss e Queen, passando por The Police (que tocou em 1982 no Maracanãzinho, no Rio, quando ainda era pouco conhecido no Brasil) e expoentes da new wave como PIL, Siouxsie & The Banshees, Echo & The Bunnymen, The Cure, Nick Cave & The Bad Seeds. Tudo isso somado ao primeiro Rock In Rio, em 1985, que se tornaria o primeiro megaevento brasileiro do gênero, impulsionando a emergente cena local - não à toa, foi nessa onda que Bizz chegou às bancas pela primeira vez.

Pois a primazia em todo esse processo deve ser dada à tia Alice, por inaugurar há quase 27 anos o conceito de megashow por aqui, mesmo com as consequências desastrosas do evento. É bom lembrar que bandas nacionais como Legião Urbana, Sepultura e Raimundos já passaram por situações semelhantes em suas apresentações, sem nenhuma culpa. Mas esse registro da passagem de Cooper por aqui é importante por dar a dimensão exata de um tempo em que no Brasil, 'rock era coisa de bandido', nas sábias palavras de Rita Lee. Que, por sinal, aproveitou a ocasião para roubar de tia Alice os canhões de luz e o técnico de som, Andy Mills, para seus shows com o Tutti Frutti. "



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