Palavras Domesticadas

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segunda-feira, 8 de fevereiro de 2021

Ney Matogrosso (Revista Pop - 1977)


 A revista Pop nº 55 (maio 1977) trazia uma matéria com Ney Matogrosso, que havia lançado o disco Bandido, e estava consolidando sua carreira-solo como um dos grandes intérpretes da MPB e do rock brasileiro. Na época, havia abandonado a pesada maquiagem que o caracterizava no tempo dos Secos & Molhados e no início de sua careira. Abaixo, a matéria, que tinha por título "Vou estraçalhar os caretas":

"No apartamento de andar térreo, junto à praia do Leblon, é comum vê-lo debruçado na janela, conversando animadamente com alguém que passa pela rua, que o reconhece e para, dando um alô. Na praia, debaixo do sol, usando uma minitanga, ele costuma provocar diversas reações, da simples curiosidade a atitudes mais agressivas. Ele não se altera, reage conforme a música, indiferente, simpático, sorridente.

Ney continua o mesmo. Digamos que, se em cima do palco ele sugere a figura de um artista possessivo, brilhante, fora dele se comporta como uma pessoa qualquer, simples, direta. Percorrendo o Brasil com um novo e elogiadíssimo espetáculo, estourando nas paradas de sucesso com o LP Bandido, Ney demonstra uma rara maturidade, na convivência diária com o sucesso. 

Nestes quatro anos que transcorreram, meteóricos, Ney fez de tudo. Primeiro, foi o fenomenal showman do grupo Secos & Molhados, que teve existência curta, basicamente por diferenças de temperamento entre os três integrantes do conjunto. Ele relembra: 'João Ricardo era muito pretensioso, Gérson só sabia concordar. E eu, vocês sabem, sou muito tinhoso!' Tempos depois, ele preparava sua volta, agora como cantor e levando a responsabilidade de quem já era tido e havido como superstar.

Foi um desastre. O retorno de Ney, num monumental show celebrado no Hotel Nacional (Rio), foi um redondo fracasso. E, com algumas reservas monetárias, ele resolveu blefar como um jogador de pôquer. Saiu do ramo, a música, e travestiu-se em empresário, produzindo o show Ladies na Madrugada, levado em São Paulo e, igualmente, enterrado na primeira semana. Do sucesso ao fracasso, Ney se fechou em copas, decidindo parar pra sondar melhor o ambiente do show-business. E voltar apenas quando evoluísse para um estágio estritamente profissional, sem as loucuras do início. Ele faz as contas:

- As posições que assumi em minha carreira sempre foram muito radicais. Por isso, sempre foram passíveis de total repressão. Eu nunca quis abrir mão de minhas intenções de estraçalhar os caretas, o formalismo das pessoas. Para mim, na época, era mais fácil me ocultar sob a pintura, sob os trajes exóticos. Ali não estava mais eu, Ney Matogrosso, mas sim um personagem, atrás do qual eu me ocultava. Sei, agora, que era uma atitude bastante covarde, mas era a única maneira que eu encontrei para sobreviver numa selva de falsos pudores e cobranças ilimitadas. Por trás de minha máscara, eu via com clareza as máscaras que a plateia usava para me ver. E, assim, eu passei a cobrar do público, atenção e respeito. Não permitia a descontração, pois, se eu próprio vivia tenso, como deixar o público relaxado e à vontade? Um dia, eu percebi que já possuía condições de enfrentar as pessoas de frente...

Essa foi, de fato, a grande mudança que subverteu a carreira de Ney, iniciando um processo que o transformaria no excelente intérprete que é hoje. Nos tempos em que, como se diz, parou para pensar, ele fez uma revisão calma sobre os rumos que vinha tomando e naturalmente, mudou. Ele continua a analisar:

- Resolvi me desnudar física e emocionalmente, sem saber, na verdade, que resultados iria colher disso tudo. Nessa altura, descobri que não precisava de máscaras. E resolvi me assumir como sou: debochado, brincalhão, avesso às encucações. Antes, fazer um show era um sofrimento. Só a preparação psicológica levava horas. Tinha que arrancar aquele personagem de dentro de mim. Mas, hoje, o que acho mais engraçado é que tudo acabou dando certo. Tenho certeza, agora, de que as pessoas me veem como sou, e isso é maravilhoso. Claro, há momentos de muita seriedade nos shows, e os aplausos me recompensam muito. Gosto de conversar com a plateia, coisa que jamais tive coragem de fazer. Pra mim, era muito incômodo ficar caladinho, me limitando a cantar. Agora, sei que minhas  mensagens são aceitas integralmente. A plateia, em vez de ficar dividida entre a curiosidade e a desconfiança, se incorpora de corpo e alma ao exercício lúdico e festivo que realizo no palco. Hoje, sinto uma corrente incrível entre mim e o público. E mais: acho que qualquer reação do público é válida. O que não quero nunca mais é assumir uma falsa seriedade e tentar impor isso às pessoas. Gosto mesmo é do deboche!' "



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