Palavras Domesticadas

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terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

Sivuca Enfim Solo (Revista Música Brasileira - 1998)


 A revista Música Brasileira, como o próprio nome diz, falava de nossa música e nossos artistas, famosos ou não, veteranos ou iniciantes. Muita coisa ligada ao samba e nossa música urbana ou interiorana, mas sempre destacando artistas ou grupos musicais com um trabalho consistente e de valor. Em seu número 9, de janeiro de 1998, a revista traz uma matéria com o grande Sivuca, um dos melhores músicos que esse país conheceu, e que deixou uma contribuição das mais significativas para nossa música, aqui e no exterior, onde trabalhou por muitos anos. A matéria é assinada por Mario de Aratanha, jornalista e produtor de discos, que trabalhou com Sivuca no disco que o músico estava lançando, intitulado Enfim Solo:

"A imagem que se tem de Sivuca é aquele sanfoneiro albino da Paraíba, que começou em rádio no Recife, correu o mundo tocando com Miriam Makeba e Harry Belafonte, fazendo samba e jazz, forró e musette, choro e calipso. Solista carismático, virtuose em vários instrumentos, arranjador do quarteto ao sinfônico, Sivuca sempre deu preferência aos conjuntos, às formações maiores, aos arranjos ricos em vozes diferentes.

Mas quem não se lembra, quando em suas apresentações Sivuca fica sozinho no palco e ataca na sanfona o Quando Me Lembro, de Luperce Miranda, ou a Tocata em Ré Menor, de Bach. Ponto alto do virtuosismo que empolga e prepara a volta do conjunto para a segunda parte...

Pois este Sivuca só se entrevia.

Nos últimos anos, quase que paralelamente com o desenvolvimento de seus arranjos sinfônicos, o sanfoneiro se dedicou mais a Bach e a Pixinguinha na sanfona só, gerando um embrião de repertório para este disco, ideia de sua companheira Glorinha Gadelha.

'Sivuca está cada vez melhor', dizia.

Pois lá fomos nós, em três etapas, de julho de 95 a julho de 97. Primeiro ele gravou sanfona só: Luperce e o Bach, mais o Pixinguinha duas valsas, uma brasileira, Subindo ao Céu (a pedido de Janine Houard) e outra dinamarquesa, Véu de Grinalda ('Meu amigo Eric Petersen vai chorar quando ouvir esta', disse Sivuca esfregando as mãos).

Em setembro de 96, ele levou o violão e a sanfona, e gravou em multicanal o choro em homenagem ao Dino 7 Cordas e Em Nome do Amor, de Glória Gadelha. Aproveitou para refazer o Pixinguinha e criar de improviso o pot-pourri de frevos, lembrando seu velho Recife de tantos anos atrás.

Aliás, falando em Recife, um parênteses. Fui há quatro anos ao Recife com Sivuca para uma gravação. Pois lá as pessoas o param nas ruas, os motoristas o saúdam pela janela: 'ô sanfoneiro!' E quando ele entrou no tradicional restaurante Leite foi lindo: Nem bem se percebeu a cabeleira branca adentrando o Lamas de lá o burburinho cessou, ou foi abafado pelos aplausos de pé, generosos, saudando a volta dele pelo pedaço.

Em julho deste ano, voltamos ao estúdio para finalizar o CD, e aí, além do Aboio e do Forró Praieiro, vieram as maiores surpresas: o pianista originalíssimo de Da Cor do Pecado, Guacira e Aquariana, e o cantor emocionante de Canção que se Imaginara, em memória da amiga Nara Leão, composta com Paulinho Tapajós na noite em que ela se foi.

No meio das gravações, de vez em quando Sivuca confessava que se sentia 'meio' nu tocando solo ou com poucos instrumentos. Mas aos poucos o repertório foi crescendo, e nosso sanfoneiro se empolgando:

'Hoje, eu amo este Enfim Solo intimista. Não me sinto só, me sinto numa sala rodeado de amigos, mostrando o que tenho de melhor dentro de mim. É um sarau, uma noitada dessas que o Radamés e o Pixinguinha gostavam tanto...

- Dessas em que o dia amanheceu e a gente nem sentiu.' "


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