Palavras Domesticadas

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quinta-feira, 25 de fevereiro de 2021

Roberto Carlos Anos 70 (Revista Bizz Especial - 2011)


 Em 2011, ano em que Roberto Carlos completou 70 anos a revista Bizz lançou uma edição especial sobre o cantor. Nesse ano, em que Roberto completa 80 anos, talvez algumas edições comemorativas sejam publicadas, afinal é uma data redonda comemorativa de um ídolo nacional. Daquela edição de dez anos atrás, irei transcrever um capítulo referente ao período que compreende a década de 70. Em destaque nesse capítulo, cujo texto é assinado por Flávia Ribeiro, um resumo daquela década na vida de Roberto: "Um tempo de amadurecimento, marcado pelo casamento com Nice e pela chegada dos filhos. O terror dos pais se transforma no cantor romântico querido por toda a família". Abaixo, o texto do capítulo:

"Casado, pai, hippie no visual nos anos 70. O fim da Jovem Guarda deixou uma série de ídolos do iê-iê-iê no ostracismo, mas o Rei - assim como sua parceria com o amigo de fá Erasmo Carlos - seguiu na contra-mão, alcançando um sucesso ainda maior na nova fase. Nos anos 60, virou ídolo. Nos 70, tornou-se mito.

Com o indefectível jeans surrado e o inseparável medalhão que ganhou de uma freira de Cachoeiro de Itapemirim no pescoço, Roberto assumiu os cachos e a verve sentimental. Como diz Luiz Carlos Ismail, amigo desde 1961 e backing vocal de seus shows desde 77, 'um dos segredos do Roberto é que ele só canta o que sente'. E foi assim que ele enfileirou um sucesso atrás do outro.

Cantando o que sente, ele compôs Jesus Cristo em 70 e gritou que Todos Estão Surdos em 71. O apego à religião marcaria sua vida e sua carreira a partir daí. O maior sucesso, Detalhes, foi gravado em 71, Cantou o amor em músicas como Amada Amante e Proposta. Em 79, quando se separou de sua primeira mulher, Nice - para quem ainda nos anos 60 havia composto Como É Grande o Meu Amor por Você -, Roberto escreveu Costumes, em que declara que 'de repente ser livre até me assusta, me aceitar sem você certas vezes me custa'. A mãe ganhou Lady Laura em 78; o pai, Meu Querido, Meu Velho, Meu Amigo em 79. Para o até então exilado Caetano Veloso dedicou Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos, também em 71, em que demonstra sensibilidade com o drama do amigo, embora jamais tenha se envolvido em política, mesmo nos períodos mais pesados da ditadura.

E Erasmo, parceiro em quase todas as músicas citadas, o 'mais certo das horas incertas', foi presenteado com Amigo, em 77. 'Quando Roberto foi embora, Narinha me disse que jamais vira uma demonstração tão pura de amizade', lembra Erasmo em sua autobiografia, Minha Fama de Mau (Objetiva, 2008), depois de contar que Roberto apareceu em sua casa à noite e botou a fita para tocar, de surpresa, sem dizer que música era aquela: 'Minhas lágrimas vieram com uma abundância de fazer inveja ao mar de Ipanema. Nós nos abraçamos demoradamente enquanto a música prosseguia'.

Foi nos anos 70 que a dupla criou sua única composição por telefone: Imoral, Ilegal ou Engorda foi feita com Roberto em Los Angeles e Erasmo no Rio. O Tremendão hoje em dia faz várias composições à distância, com outros parceiros. Mas com Roberto há sempre um encontro, um na casa do outro, até altas madrugadas. 'Além do Horizonte foi especial. Por dois dias, em 1975, viramos meninos de novo', conta Erasmo, lembrando as 48 horas passadas em um sítio em Piracicaba, no interior de São Paulo: 'Quando vinha fome, Roberto fritava ovos, que comíamos com pão'.

O Rei tinha hábitos simples: gostava de brincar com os filhos quando a agenda de shows e viagens permitia, jogar sinuca com os amigos, fumar cachimbo e tocar violão. Pai de Roberto Carlos II, o Segundinho ou Dudu, nascido em 69, e de Ana Paula, filha do primeiro casamento de Nice que ele logo assumiu, Roberto ainda teve Luciana em 71 - um quarto filho, Rafael, seria reconhecido por ele 20 anos depois. Mostrava-se romântico com Nice e carinhoso com os filhos. O casamento acabou em 79, mas ele fez questão de manter-se próximo. Carinhoso, aliás, é um adjetivo muito usado pelos amigos para falar sobre Roberto. Fiel é outro. Tanto que a maioria dos músicos de sua banda está com ele há mais de 30 anos, alguns há quase 50, como o percussionista Dedé.

Nesse período, aflorou seu lado cheio de manias. O garoto que, segundo a atriz Maria Gladys, sua namorada no fim dos anos 50, tinha um belo casaco marrom, baniu a cor de seu guarda-roupa, adotou o branco e o azul e passou a  ser visto conversando com plantas.

'Qualquer piração que possa ter não faz mal a ninguém. Não gosta de marrom? Ok, e daí? Isso atrapalha a vida de alguém? Ele é o maior artista popular do Brasil. Isso é um fardo pesado! Tem gente que leva para o lado da droga. Roberto é saudável. É um cara que malha até hoje, na casa dele, se alimenta bem, se cuida. Tem superstições? Tem, mas isso só dá mais charme para a carreira dele', defende o maestro Eduardo Lages, à frente de sua orquestra desde 77, compadre e grande amigo de Roberto Carlos.

Filas de pessoas querendo falar com ele em hotéis pelo Brasil afora passaram a ser comuns, e não eram mais apenas fãs histéricas querendo rasgar um pedaço da velha calça desbotada. Havia agora de aspirantes a compositores querendo mostrar o trabalho e pessoas pobres precisando de ajuda. Dedé filtrava e levava um ou outro para conhecê-lo, geralmente alguém precisando de ajuda financeira para tratamento médico.

Roberto atendia e ajudava, enquanto lotava shows em toda a América Latina. No Canecão, chegou a fazer uma temporada de seis meses de casa lotada, em 75. 'Roberto sabe dizer a letra, e isso é importante na música popular. Tem o dom de compor muito bem, e ao longo dos anos foi exercitando o dom de emocionar as pessoas', tenta explicar o maestro Eduardo Lages. Mito, no entanto, não tem explicação."



 


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