Palavras Domesticadas

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sábado, 27 de fevereiro de 2021

Celso Blues Boy (Revista Roll - 1983)


 Celso Blues Boy foi um nome muito importante na cena do rock brasileiro que surgiu nos anos 80. Por trazer um trabalho diferenciado da maioria dos artistas e bandas  que surgiram no período, já que seguia uma linha de rock com influência direta do blues, daí seu nome artístico, Celso ganhou uma matéria no na edição de estreia da revista Roll, em 1983. A introdução da matéria diz: "Era um garoto que muito cedo amou Ray Charles e os Beatles cantando 'My Bone is over the ocean...'. O pai lhe ensinou um ou dois acordes no violão e depois, aos nove anos de idade o menino já exigia: 'uma guitarra elétrica ou a morte'. Como o pai não queria um filho morto, como é de se esperar da maioria dos pais existentes no mundo, não lhe restou outra opção a não ser atender o desejo do filho. A partir daí entre as oitavadas de Roy Buchanan, Eric Clapton e B.B. King (o Blues Boy que lhe inspirou o nome artístico), os dedos do menino Celso começaram a criar notas e até hoje não pararam."  Pelo fato de na época Blues Boy ainda ser inédito em disco, acredito ser essa uma das primeiras matérias escritas sobre ele.

"Desde a adolescência, quando a inevitável auto-afirmação o fazia ousar solos super-rápidos e violentos até hoje, mais seguro da qualidade de seu trabalho, são mais de 1.500 músicas, umas perdidas e jamais encontradas, outras em casas de amigos, muitas jogadas fora e algumas guardadas em seu poder.

Um processo de  criação que nunca foi interrompido ao longo dos dez anos de carreira como músico de bandas como a de Raul Seixas, Luiz Melodia, Sá & Guarabyra e, destacando, Renato e Seus Blue Caps, em que, segundo Celso Blues Boy, 'todo mundo adorava na época, e por isso era a maior chinfra tocar com eles'.

Aliás, Blues Boy não parou de compor nem mesmo quando, em 1981, saturado de tocar em bandas dos outros, decidiu largar tudo e desistiu de ser músico. Mas foi uma decisão que não poderia ser levada por muito tempo, a não ser que Blues Boy estivesse com vontade de morrer; 'eu passei um ano trancado em um apartamento de Santa Tereza, vivendo da renda de um livro que havia escrito e que minha irmã levara pro Ziraldo'. Mesmo assim, durante esse ano, ele compôs. Blues, é claro, baladas, rockzinhos tipo anos 50, heavy metal, tudo, tudo que sempre soube fazer.

Com o amigo Cazuza

Até que, em 1982 o Lorival, que hoje é seu empresário, disse que havia uma rádio no Rio tocando blues. Blues (é assim que os amigos o chamam) não acreditou, mas daí até levarem uma fita para a Fluminense não se passaram muitos dias.

Pronto, estava dada a a largada para a carreira-solo de Celso Blues Boy, compositor, cantor, guitarrista, baixista, baterista, arranjador... uff. Dessas pessoas que sentem muito de perto as coisas e que só precisam de uma pitada de tristeza para compor um blues maravilhoso e uma pequena dose de bom-humor para fazer um heavy-metal como a famosa 'Aumenta Que Isso Aí É Rock'n Roll'.

Blues é um cara essencialmente sentimental. Diz ele: 'eu valorizo tanto a tristeza quanto a alegria, porque ninguém nunca pôde e nunca vai poder compor um blues  se não estiver mergulhado na tristeza e nunca poderá interpretar bem um blues no palco se seu estado de espírito, pelo menos ali, na hora, não se voltar para a tristeza'.

Todos os sentimentos estão na música de Celso Blues Boy. A tristeza num blues, a alegria no rock'n roll, o romantismo numa balada. 'Em minhas letras, estou sempre a fim de falar de amor, de uma maneira sutil, porque não gosto de banalidade, mas sempre falo de amor'. Em suma, um romântico. Nas letras, nas músicas e nos solos de guitarra, quando solta suas emoções e arranca o delírio da plateia.

Para Blues, naturalmente amedrontado no início da carreira com entrevistas, fotografias (que ele continua detestando com todas as suas forças) e o próprio grilo da crítica, não houve nada pior do que fazer play-back na televisão: 'que coisa terrível, fazer a mímica de mim mesmo, com a guitarra sem plug. Pra dar um toque de bom-humor, eu dava uma nota super-grave na minha guitarra sem plug ao mesmo tempo em que a música rolava uma nota aguda. senão não dava pra aguentar'.

Bem mais acostumado a dar entrevistas, embora embora ainda fique meio nervoso, Blues Boy acha que o rock no Brasil 'agora vai'. E continua: 'Esta é, sem dúvida, a mais forte tentativa de penetração do rock no Brasil. Por enquanto estamos vivendo o boom, todo mundo tocando, contratos para grupos que não tem nem seis meses, etc e tal. Isso porque finalmente estão se tocando de que existe uma camada de público ávida por rock, e que esta faixa sempre vai existir, porque o rock nunca vai morrer'. 'Aliás', afirma, 'o rock como o samba veio da África e já está na hora de acabar com esse papo de que rock é importado. O samba é tão brasileiro quanto o rock'.

Cheio de  certeza, ele ressalva que 'daqui a pouco vai haver uma retração. O público vai escolher os melhores e quem não estiver na lista, vai dançar'. Naturalmente, ele é que não vai ser um desses pobres infelizes, e nem mesmo os invejosos vão conseguir isso.

De planos, Blues Boy está cheio. Enquanto espera o lançamento de seu primeiro compacto, ele procura mais um guitarrista para sua banda: 'quero poder me soltar mais e mostrar uma outra parte de meu trabalho que ainda não foi executada em shows, já que eu só conto com o baixista Beto e o baterista Wigberto'.

Tocando para o ídolo B.B. King
Ser um roqueiro no Brasil, para Celso Blues Boy, é fundamental ter fé. Encarar todas as pressões e amarguras de ser visto como um superstar sem o ser e sem ganhar nem um décimo do que um superstar merece. Até o dia em que as multinacionais resolverem investir de cabeça no rock. 'Nesse dia', afirma, 'a crítica finalmente vai ter que se livrar dos resquícios da 'Síndrome da Jovem Guarda', quando  houve uma revolta muito grande por parte dessas pessoas, porque diziam que a Jovem Guarda estava matando a MPB, desempregando os sambistas, tudo por  causa desses cabeludos. O Tinhorão, por exemplo,, gosta tanto de mim quanto eu gosto de dor de dente. Eu não quero que ele fale bem de mim, mas o que eles todos precisam é se livrar desse ranço de preconceito, porque não há nada mais lógico a  fazer senão respeitar o rock nacional, que nunca quis desempregar ninguém, que só é uma coisa inevitável. Mas eu acredito que, com o tempo, o rock vai ganhar o seu espaço, de igual pra igual com qualquer artista da MPB'.

É isso aí, Celso Blues Boy na cabeça. 'Eu sou um bluesman e um rocker, mais um bluesman do que qualquer outra coisa, e vou continuar fazendo isso a minha vida inteira, dê ou não dê pé no Brasil. Eu já aturei a época da disco-music fazendo a mesma coisa que faço agora, então o meu lance é esse e vai continuar sendo esse. O que vier está bem-vindo.' "
 




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