Palavras Domesticadas

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sábado, 6 de fevereiro de 2021

O Exílio de Chico Buarque na Itália


 Embora seja menos lembrado e comentado que o exílio de Caetano e Gil em Londres, Chico Buarque também viveu na mesma época, um período de exílio, só que em Roma. No caso de Chico, não houve prisão e confinamento, como no caso dos baianos, e seu exílio foi voluntário, porém não deixou de ser também uma consequência das perseguições que alguns artistas estavam sofrendo pelo governo militar. Chico preferiu se antecipar e deixar o país, antes que algo pudesse acontecer com ele. Uma revista especial sobre sua vida, publicada em 1979, conta sobre aquele período:

"Em agosto de 68, Chico Buarque vai a Nova Iorque, Londres e Roma, onde grava um compacto duplo e um especial para a televisão italiana. Na volta, trabalha num curta metragem de Flávio da Costa, que mostra algumas cenas de Roda Viva e quatro novas composições suas: 'Carolina', 'Januária', 'Até Pensei' e 'Até Segunda-Feira'.

Em dezembro, apresentando 'Sabiá', em parceria com Tom Jobim, ele venceria o III Festival Internacional da Canção, promovido pela Globo. A música foi defendida por Cynara e Cybele.

Apesar de ter ido à famosa 'passeata dos 100 mil', mais por pressão do que por convicção, sabia que o clima não estava mesmo muito para ele. Por isso aceitou o convite para apresentar-se em Cannes no Midem, antevendo a possibilidade de dar uma esticada à Itália, onde pretendia permanecer por uns três meses, até passar o efeito dos acontecimentos - como ter sido chamado para depor no Exército -, além de ser uma ótima oportunidade de repensar sua carreira, rever tudo.

As coisas, no entanto, foram tomando dimensões maiores que as esperadas, e sua permanência na Itália foi se prolongando. embora já tivesse estado por lá quando criança, não faltaram alguns problemas de adaptação, principalmente para quem, como ele, estava acostumado a um bom papo com os amigos, às peladas na praia, a um chopinho no fim de tarde, coisas fundamentais para um compositor de música brasileira.

Por isso mesmo, este foi um dos períodos mais críticos em termos de criação. Longe de suas fontes de inspiração, e principalmente do contato com o povo, suas emoções e problemas, ele passou a compor bem menos e mesmo as músicas dessa época ele confessa 'meio perdidas, sem representar muita coisa em meu trabalho'.

Essa situação toda pode ser melhor avaliada ouvindo-se o disco gravado metade lá, metade cá, um disco não muito espontâneo. Ele havia saído da RGE, e assinado com a Phillips, que agora lhe cobrava o disco. Então foi meio naquela do tem que fazer, e fez. As partes instrumentais foram gravadas aqui, enquanto em Roma ele só tinha o trabalho de colocar os vocais por cima. Assim, estava pronto o Chico Buarque nº 4 onde apareciam algumas parcerias: uma com Tom Jobim chamada 'Pois É', outra com Garoto e Vinícius de Morais - 'Gente Humilde', além de ter musicado um texto extraído do Romanceiro da Inconfidência, de Cecília Meireles.

No entanto, a música mais importante do disco pode ser considerada 'Agora, Falando Sério', onde ele faz uma quebra com o seu passado recente e revela uma certa  amargura:

'Agora falando sério/ Eu queria não cantar/ A cantiga bonita/ Que se acredita/ Que o mal espanta/ Dou um chute no lirismo/ Um pega no cachorro/ E um tiro no sabiá/ Dou um fora no violino/ Faço a mala e corro/ Pra não ver a banda passar/ Eu quero fazer silêncio/ Um silêncio tão doente/Do vizinho reclamar/ E chamar polícia e médico/ E o síndico do meu prédio/ Pedindo para eu cantar'.

Chico e o MPB-4

Uma das principais companhias de Chico, durante sua estada na Itália, foi a do violonista Toquinho, que andava meio perdido por lá. Juntos, fizeram vários shows abrindo espetáculos para Josephine Baker. Os jornais aqui falavam em sucesso estrondoso, mas segundo Chico as coisas não eram bem assim:

'Não existe essa história de chegar e vencer. Minha última turnê com Josephine Baker, por exemplo, começou com um show às duas da manhã, em Turim. Saímos de lá correndo, com vários ônibus levando a companhia, e viajamos até o sul da Itália, onde fizemos um novo show às oito horas da noite, do dia seguinte. No início, eu cantava com músicos italianos e ficava muito nervoso. Tinha medo de errar e também não gosto mesmo de me apresentar em shows. Se fosse possível ficava só com os discos. Quando o Toquinho chegou à Itália e começou a me acompanhar, fiquei muito mais tranquilo, e olhe que os músicos italianos são muito bons. O problema é que faltava bossa.

Eu não sou sucesso na Itália. É claro que existe quem me conheça. Eu fiz uns cinco programas - todos nos sábados à noite. Dei alguns autógrafos na rua. Mas isto é comum, acontece com todo mundo. E mais: no outro dia somos logo esquecidos'.

Segundo Marieta, eles já estavam mesmo pensando em voltar para o Brasil, quando surgiu o convite do Ricardo Amaral para que Chico fizesse algumas apresentações na Boate Sucata, o que foi a gota d'água. A família, agora com uma filha, Sílvia, nascida na Itália, retorna ao Brasil no dia 20 de março de 70, e sua chegada foi como ele, no fundo, gostaria que fosse, com as pessoas e os amigos se lembrando dele. No final de um dia exaustivo, pois todo mundo resolveu revê-lo no mesmo dia, ele confessa:

'Bem que eu estava precisando de tudo isto'."



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