Palavras Domesticadas

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terça-feira, 26 de maio de 2015

Rita Lee: "Eu Queria Ser uma Corista de Rock" (1976) - 1ª Parte

Em 1976 Rita Lee lançou o disco Entradas e Bandeiras, pela Som Livre. Quando ainda estava gravando o disco, a revista Rock, a História e a Glória nº 17 fez uma matéria com ela, assinada por Edmar Ferreira:
"No começo, bem no começo, a garotinha sonhava casar com os Beatles e os Rolling Stones. Como isto era difícil e suas paixões variavam também entre Elvis Presley e os Beach Boys, ela passou a querer simplesmente estar perto deles, amá-los como qualquer groupie faria. Difícil ainda. Rita Lee Jones decidiu então aproximar-se dos seus ídolos sendo como eles. Ou tentando: 'Eu queria ser pelo menos uma corista de rock'. Essa decisão, que superou dúvidas como uma primitiva vontade de ser atriz, um curso de Comunicações abandonado no terceiro ano e uma surpreendente vocação para a Veterinária, teve influências de Caetano Veloso e Gilberto Gil.
Para que o rock brasileiro ganhasse sua primeira superstar Rita batalhou dez anos. Dez anos para encher os teatros, as praças, os estádios de qualquer região do país. Dez anos para fazer de 'Ovelha Negra' um manifesto infanto-juvenil ouvido e cantado em tom de desafio de Pelotas a Natal, de Belém a Florianópolis. Miss Jones não se veste mais de noiva, tampouco se deixa manipular em direção a um mecânico estrelato de shows de moda. Muito menos repetiria como qualquer menina as brincadeiras de cabra-cega com  a realidade. Dez anos de estrada transformaram Rita Lee numa profissional: ela está gravando seu novo LP, Entradas e Bandeiras, iniciado logo após uma desbravadora excursão pelo Norte. Sete concertos para um público total de 30 mil pessoas em Salvador, Recife, Natal, São Luís, Belém. Manaus, também incluída no  roteiro, acabou apenas como um fecho turístico do roteiro: a falta de estrada para transportar as seis toneladas de equipamento e a impossibilidade de embarcar aparelhos tão grandes pela estreita porta de um Boeing, obrigaram o cancelamento do último concerto programado.
Rita mora numa rua tranquila de Vila Mariana, bairro paulista tipo classe-média-sem-maiores-pretensões-graças-a-deus. Sem grandes portões, sem guardas vigilantes no pequeno jardim, a casa não é exatamente o que se poderia esperar de uma superestrela. Nenhum barulho, a não ser o da campainha. Luzes suaves, móveis antigos, um piano, toalhas e uma cortina de crochê, plumas, flores secas, santos numa sala. Na outra, a tevê colorida, com o som baixo, sintonizada no Canal 5. Músicos e amigos chegam com calma. Rita, vestida de branco, alegre, brinca com com Marta e o intranquilo Zig, seu casal de jaguatiricas.
Ela fala da excursão, certamente um grande roteiro para um épico sobre o rock. Afinal, as cidades onde fora pela primeira vez nunca tinham visto nada semelhante. O gigantesco caminhão transportando seis toneladas de eletrônica poderia ser comparado a uma caravela do Descobrimento. Ou aos primitivos veículos das entradas e bandeiras originais. Em Salvador, a primeira escala e um imprevisto desagradável: 'A precipitação mal intencionada de um repórter me transformou em traficante de cocaína prestes a ser capturada pela polícia', conta Rita. Uma história desagradável, com um happy-end festejado no palco em cerimonial que incluiu a queima de um jornal com a constrangedora manchete, aplausos da plateia e a participação de uma lata de lixo como indispensável coadjuvante antes da palavra 'Fim'.
Mas as coisas desagradáveis, explica Mônica Lisboa, há mais de dois anos manager de Rita Lee e do Tutti Frutti, têm um enorme poder de unir o grupo, de solidificar ainda mais nosso relacionamento. Ela, com sua sócia, Judy Spencer, responsável pela parte visual dos shows, conseguiu equilibrar suas relações com a equipe misturando eficiência administrativa e cálida afetividade - combinação sem dúvida inusitada no confuso panorama do show-bizz nacional. Rita fala mais: das pessoas, das surpresas, do deslumbramento pela descoberta de um outro ritmo na vida das pessoas.
- Me sinto mais brasileira depois dessa excursão, conheço mais a terra onde moro, onde nasci. Consegui falar para os outros, e senti que lá isso fica mais fácil, as pessoas são mais tranquilas. E passaram pra nós esse tipo de vibração, enriqueceram mais a gente. Porque é reconfortante você trocar coisas com os outros. Minha tecnologia pelo modo de viver deles; cordas de guitarra por pulserinhas; ouvir folclore e informar sobre o Metrô. Tudo sem qualquer pressa ou pressão, sem desconfiança. Eles faziam perguntas, olhavam tudo, mas sempre com aquele jeito de 'que bom que vocês vieram tocar aqui pra gente'. "
(continua)

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