Palavras Domesticadas

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domingo, 3 de maio de 2015

Patti Smith - O Sereno Retorno da Musa Incendiária - Revista Bizz (1988) - 2ª Parte

"Patti Smith foi uma poetisa andrógina revolucionária que se tornou a mais autêntica sacerdotisa do rock dos anos 70. Ela ousou onde outros vacilaram. Seu primeiro LP, Horses, ainda não foi igualado em verve, sacadas, melancolia e uma exuberância irrequieta. É melhor que o primeiro LP do Velvet Underground. É melhor que qualquer coisa. 'Land' é a faixa mais excitante que já foi gravada. 'Gloria' e 'Free Money', as mais edificantemente românticas;'Breack It Up', a mais torturada.
E há ainda 'Let's Get It On', de Marvin Gaye, e 'Horses', de Patti Smith, e o que ela escreveu é o estado da arte até hoje. Sem Patti Smith, a mulher no rock seria ainda uma dançarina go-go e haveria um imenso abismo entre o agressivo e o afetado. O punk não teria sido desarticulado. As guitarras ainda serviriam para aprender acordes. Cantar seria emitir as notas 'corretas'.
Uma Mona Lisa, uma Joana D'Arc, ela foi a mais alucinatória e inspiradora performer ('Nós sabemos como dar nossas vidas todos os dias', Rimbaud). Seus discos subsequentes, Radio Ethiopia, Easter (antes do qual ela quebrou o pescoço caindo do palco e escreveu o livro Babel) e Wave ficaram mais fortes e mais amplos, mais intensos e mais apropriadamente à esquerda com o passar dos anos. Depois de Wave ela desapareceu, com Frederick dançando descalço. Depois de nove anos ela ressurge com Dream of Life, um lindo LP que substitui a velha e irrepreensível metralhadora por uma serenidade transcendente.
Serenidade?
'Eu não sei o que esta palavra quer dizer...'
Dream of Life é um novo rio no mapa, um lago, um redemoinho latente. Temos muita sorte. O profano se tornou sagrado.
Na Hit Factory, estúdio onde foi gravada a maior parte do LP, Patti concordou em filmar uma entrevista para sua gravadora, a Arista. A gravação circulará pelo país, e assim ela poderá ficar em casa com a família. Se der tudo certo, conseguiremos nossa entrevista antes que ela saia. Não é muito garantido. Especialmente quando ficamos sabendo que seu velho amigo, o conhecido fotógrafo Robert Mapplethorpe, está morrendo de Aids em um hospital. Ela acabou de chegar de uma visita e está, portanto, compreensivelmente preocupada.
Patti Smith, uma rara lenda, é uma das poucas pessoas no mundo com quem nunca conversaria o bastante. Ela irradia uma beleza única, uma beleza da mente e da vontade. E ela uma vez escreveu: 'As trombetas. O som incansável. Olhar pra você. Eu quero cortar todo o meu cabelo e tomar uma droga e  outra droga. Amor. Monocaína. Descasque todas as minhas camadas, pele após pele, de película transluzente'.
Patti grava sua entrevista para a televisão. TV, Patti, é uma coisa curiosa...
'Eu nunca assistia. Agora assisto. Não continuamente. É a história do ovo e da galinha. Ela está mudando o mundo e está constantemente sendo mudada por causa do mundo. Às vezes tudo se parece com um gigantesco music vídeo. Eu gosto de ver as notícias e gosto quando passam velhos filmes de artes marciais rituais. Kung Fu. Não gosto de coisas da Máfia. E amo os filmes de Sherlock Holmes. Qualquer um deles. Por isso tem valor como entretenimento. Eu sei que ela tem milhões de coisas terríveis...'
A TV avisa que estão rodando. O que você fez nestes últimos nove anos?
'Nove anos em 90 segundos?'
Claro. Dez segundos para cada um.
'Bom, para ser bem rápida, foram nove anos muito prolíficos. Fred e eu nos casamos, fizemos muitas viagens e tivemos aventuras interessantes, fomos para a Guiana Francesa, tivemos nosso filho Jackson. Ambos perseguimos nossos estudos pessoais. Escrevemos  música juntos; é uma coisa que ele sempre faz. E eu escrevi bastante, quatro ou cinco livros, sobre a Guiana Francesa, o mar, toda espécie de coisas. Foram bons nove anos, cheios de construção e reflexão.' "
(continua)

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