A febre das discotheques envolveu o mundo da música no final dos anos 70, tornando-se uma presença constante nas paradas de sucesso de todo mundo. As gravadoras, de olho no grande filão, investiam altas cifras em artistas e grupos que seguiam essa tendência, a ponto de fazer com que vários artistas que não adotavam esse ritmo, passassem a incluir em seus álbuns a típica batida disco, que os produtores tratavam de sugerir, e às vezes, impor.
Porém, como toda moda, um dia passou, ficando pra trás, dando lugar a uma nova onda. E foi justamente com a denominação de New Wave, que no início da década de 80 o mundo da música foi invadido por uma nova tendência musical. Na ocasião, o crítico Nelson Motta em sua coluna no jornal O Globo, fez uma análise desse novo movimento, num texto denominado "New Wave: rebeldia 80":
"Está definitivamente sepultada a era das discotecas em Nova York - onde nasceu. Não que inexistam discotecas. Elas continuam, as pessoas continuam querendo dançar, mas tudo no ramo tem um perfume melancólico de
déja vu. Por um lado, essa mudança de ventos - pelo menos os noturnos e dançantes - trouxe de volta o fenômeno do convívio, do interesse entre as pessoas, em uma cidade que sempre viveu do pique das pessoas do planeta inteiro que a habitam. Nos tempos do Studio 54 tudo girava em torno desse eixo: tudo se passava antes de ir ao Studio, durante e depois da ida ao Studio: onde ninguém conversava e pouco acontecia além de corpos em movimento e música ensurdecedora. Agora está mais natural: conversa-se, leva-se papo, almoça-se, janta-se, passeia-se: não há um lugar 'obrigatório' para ser o ápice da noite. Portanto, há muito mais chance de boas coisas acontecerem, imprevistas, mantendo no ar a peteca do ritmo alucinante de NY mas concedendo maior espaço para as individualidades e o convívio: para as novidades.
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The B'52 |
Novidade é a
New Wave, que pode ser traduzida apropriadamente como Bossa Nova, Nouvelle Vague, Nova Onda. Terá mesmo ela alguma coisa de novo? Como sempre, um estilo de comportamento vem dentro de uma nova concepção musical: basicamente rock'n roll. Não mais a sofisticação e a elaboração musical que acompanhou os últimos passos do
good old rock sobrevivente do sonho dos 60 e da crise criativa dos 70. Mas é apenas rock'n roll o que fazem o B-52, os Pretenders, Clash, Cars e todos esses infinitos grupos de nomes prosaicos como The Transistors ou The Plasmatics, formados quase sempre por jovens revoltados com o que se transformou o amado rock'n roll de todos eles. O som que eles buscam é simples e forte, direto, básico, elementar, essencial: o que acreditam ser o rock como arma vital.
Eles sentem-se traídos por suas estrelas, hoje estrelas reluzentes (como ouro) no céu do
establishment. Fãs traídos, são os
new-wavers, em busca de uma linguagem visceral, contundente em seus parcos acordes, exuberante em sua forma musical e visual. A agressão sonora acompanhada pelo visual: a busca das cores e formas e modelos capazes de representar o oposto do 'bom gosto' oficial, do vigente, do que eles consideram furado não apenas como onda musical nas principalmente como estilo de vida. Com seus óculos escuríssimos, modelos antigos de casacos, modelos muito antigos de sapatos, são netos de James Dean fascinados pelo avô, são
new wavers nas noites da Rua 1, como o pai - Lou Reed - sempre 'Waiting for the man'. São
new wavers a caminho do Ritz (gigantesco ex-cinema onde se dança, há uma tela do tamanho de uma de cinema que passa videotapes demenciais, onde há sempre o show de uma grande estrela por noite) ou do Danceteria (três andares de sucesso: no de baixo dançam, o do meio apresenta show ao vivo, o de cima tem diversos sofás e múltiplos televisores em circuito fechado magnetizando com seus tapes) ou ainda e sempre do legendário Mudd Club (o clube do lodo)
spot favorito de David Bowie e Lou Reed, local sórdido, preto e imundo - e de charme irresistível porém. Cabeleiras de várias cores trafegam pela pista e o palco ao invés de cortina tem uma porta, de ferro. Palco esse onde pode pintar até - como espanto dos espantos - uma escola de samba ('Pé de Boi') formada por percussionistas brasileiros, porto-riquenhos e pra baixo do Equador.
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The Cars |
Na noite em que testemunhei, mesmo para
new wavers pirados , friques e loucaços, houve espanto diante do quadro: percussão de escola de samba, um flautista black americano e... duas bailarinas em trajes orientais, executando uma espécie de lentíssimo balé tailandês. O contraste era tal que de uma forma ou outra ofuscava. No Danceteria, uma ex-porno star é super star do som
new wave: Joy Rider (por perto de 'Cavaleira do Prazer'). Ela canta excepcionalmente bem, na linha das grande joplinianas, já é meio madura e gostosérrima no entanto: cebelos brancos-platinados eriçados e uma enorme boca vermelha. Sua saia é mini, de couro, com um fecho-eclair no meio que vai abrindo conforme ela vai se movimentando até, na altura da terceira música, abrir-se sozinho, até em cima, enquanto a cantora cavalga o fio do microfone num rock'n roll elementat, natural, incendiário: nova onda.
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Blondie |
Ambientes com luz negra, paredes rosa shoking e mobiliário pé-de-palito
dos anos 50. Exatamente o que qualquer moderninho chamaria de 'mau
gosto' é o que de mais sofisticado há em termos de rebeldia. As rebeldias sempre estão na moda - mudam e encaretam os rebeldes, mas o charme da rebeldia segue sempre como irresistível fonte das novas tendências de comportamento. Uma nova estética se articula no espaço que une o luxo ao lixo: o lixo cultural de décadas passadas, na era do vídeo, a música visceral: o luxo ocidental, a alta tecnologia, o tédio e a melancolia: New Wave ganha as luzes do dia, vinda dos subterrâneos escuros e das ruas barra pesada, rumo aos discos de ouro, aos shows de TV e aos ginásios lotados. De certo ângulo dá a impressão da retomada mais feroz do exato ponto em que o primitivo rock'n roll rebelde foi parado (por sua assimilação e industrialização pelo sistema que combatia). Por outro, faz lembrar um velho rock do Zé Rodrix que diz qualquer coisa sobre gerações como 'sua filha vai ser tão louquinha quanto a sua mãe e seu netinho vai ser tão caretinha como você', lembrando que de 40 em 40 anos as coisas se repetem. A velha new wave em cena."
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