Em sua edição de 26 de novembro de 1980, a revista Veja trazia uma matéria com Fagner, que lançava um novo disco. Assinada pelo jornalista Joaquim Ferreira dos Santos, a matéria destacava uma nova fase em sua imagem, já sem a boina, que era uma de suas marcas, além de um novo direcionamento na carreira. Abaixo a matéria, intitulada "Coração alegre" (uma alusão ao verso 'coração alado', da música Noturno, sucesso de seu disco anterior). Abaixo a matéria:
"Raimundo Fagner deixou de lado a boina que por todos esses anos o identificou como guerrilheiro de amores desesperados. Na capa de seu novo disco (CBS), está com cabelo curto, penteado, a barba bem feita e já esboça até um ligeiro sorriso, algo nunca imaginado nas atormentadas capas de LPs anteriores. É a imagem exata para um disco de som limpo e calmo como as águas contidas da represa do rio Quixadá, no Ceará, onde aparece, numa foto inteira, banhando-se, crucifixo no peito nu, retrato final de purificação.
A mudança de imagem é reflexo da mudança de substância - pois Fagner, definitivamente, deixou de ser um 'artista alternativo', para entrar na linha de frente dos grandes astros profissionais. Seu novo disco foi uma produção caríssima, de 5 milhões de cruzeiros. E a intenção de sua gravadora é colocá-lo na faixa de Roberto Carlos e Maria Bethânia, únicos cantores de sua mesma faixa de público que conseguem vender 1 milhão de discos. Não parece uma tarefa impossível para quem só está fazendo shows para mais de 10.000 pessoas - como há quinze dias quando deixou o público do Mineirinho, em Belo Horizonte (desta vez 20.000 pessoas) em frenesi - e cobrando um cachê de 1 milhão de cruzeiros.
Tudo vai bem e Raimundo Fagner Cândido Lopes, aos 30 anos, não sofre mais nas canções. Realizou seu disco mais 'pra cima', onde é impossível ouvi-lo gritar um 'aaai', como em 'Coração Alado' ('Noturno'). E confirmou-se como um cantor exuberante e de poucas consessões. Algo mais ou menos visualizado já no início dos anos 70 quando, em uma festa, o imortal Austragésilo de Athayde estranhou que sua cabeça fosse muito redonda pra um cearense. 'É que eu não deixo carioca ficar passando a mão', respondeu Fagner.
Ele está acompanhado neste disco de muitos amigos cearenses, nordestinos em geral, todos com discos gravados sob sua proteção no selo Epic, da CBS. A música mais bonita do disco, porém, é a do cabofriense Abel Silva e da mineira Sueli Costa, 'Canção Brasileira', uma espécie de síntese do atual momento de Fagner. Está adornada pelo luxo de uma orquestra de cordas, o piano de Egberto Gismonti, percussão de Naná Vasconcelos, arranjos de Sivuca.
Fagner poucas vezes sentiu, como nessa música, a necessidade de se libertar da melodia e discursar os versos, sua marca registrada tirada dos repentistas nordestinos. Uma confissão de felicidade: Mas eu nunca fui triste/Os corredores da vida eu já sei de cor/Já não sinto temor de sentir/Já não sei mais chorar. E, para que não reste a menor dúvida sobre o sorriso da capa, a água clara de Quixadá, os amigos em volta e o balanço divertido da música 'Quixeramobim', de Nonato Luís e Fausto Nilo, Fagner inclui no LP um velho sucesso de John Lennon, 'Oh My Love', em que canta: Eu vejo a nuvem, eu vejo o céu/Tudo está tão claro em nosso mundo.
Fagner quer mesmo ficar em paz com todo mundo e conseguiu um jeito de incluir nesta melodia citações de dois sucessos de Paul McCartney ('My Love') e Geroge Harrison ('Something'). Num esforço de promoção poucas vezes visto, a gravadora CBS tem colocado anúncios diários nos jornais e também nas revistas semanais. 'Acho que vou descansar numa praia do Ceará, esse disco está muito fácil de vender', garantia Fagner, otimista, na semana passada. Ele mora num bom apartamento no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro, com fotos de Orós, sua cidade natal, e o escudo do Fortaleza Futebol Clube, seu time, decorando as paredes. Ouve discos do flautista Carlos Poyares e joga bola no campo de Chico Buarque. Recebe milhares de de cartas de jovens que escrevem em meio a aulas e confessam não estar entendendo nada de geometria, muito menos da vida.
Mas sua principal preocupação no momento é produzir um disco para Nara Leão, a eterna musa que celebra em discos inteiros as mais importantes fases da história recente da música brasileira, pois já gravou especial com o samba do morro, a bossa nova, o tropicalismo, a jovem guarda. Agora, ela senta fascinada diante de Raimundo Fagner e pede músicas e orientação para um disco que traga algo do som cearense. Definitivamente feliz e superastro, Fagner recebeu convite para estrelar em setembro próximo um show no Canecão. Aceitou. Mas quer ser acompanhado por outro astro da mesma gravadora - ninguém menos que Bob Dylan."
Cantando para 20 mil pessoas em BH |
Fagner poucas vezes sentiu, como nessa música, a necessidade de se libertar da melodia e discursar os versos, sua marca registrada tirada dos repentistas nordestinos. Uma confissão de felicidade: Mas eu nunca fui triste/Os corredores da vida eu já sei de cor/Já não sinto temor de sentir/Já não sei mais chorar. E, para que não reste a menor dúvida sobre o sorriso da capa, a água clara de Quixadá, os amigos em volta e o balanço divertido da música 'Quixeramobim', de Nonato Luís e Fausto Nilo, Fagner inclui no LP um velho sucesso de John Lennon, 'Oh My Love', em que canta: Eu vejo a nuvem, eu vejo o céu/Tudo está tão claro em nosso mundo.
Fagner quer mesmo ficar em paz com todo mundo e conseguiu um jeito de incluir nesta melodia citações de dois sucessos de Paul McCartney ('My Love') e Geroge Harrison ('Something'). Num esforço de promoção poucas vezes visto, a gravadora CBS tem colocado anúncios diários nos jornais e também nas revistas semanais. 'Acho que vou descansar numa praia do Ceará, esse disco está muito fácil de vender', garantia Fagner, otimista, na semana passada. Ele mora num bom apartamento no Leblon, zona sul do Rio de Janeiro, com fotos de Orós, sua cidade natal, e o escudo do Fortaleza Futebol Clube, seu time, decorando as paredes. Ouve discos do flautista Carlos Poyares e joga bola no campo de Chico Buarque. Recebe milhares de de cartas de jovens que escrevem em meio a aulas e confessam não estar entendendo nada de geometria, muito menos da vida.
Mas sua principal preocupação no momento é produzir um disco para Nara Leão, a eterna musa que celebra em discos inteiros as mais importantes fases da história recente da música brasileira, pois já gravou especial com o samba do morro, a bossa nova, o tropicalismo, a jovem guarda. Agora, ela senta fascinada diante de Raimundo Fagner e pede músicas e orientação para um disco que traga algo do som cearense. Definitivamente feliz e superastro, Fagner recebeu convite para estrelar em setembro próximo um show no Canecão. Aceitou. Mas quer ser acompanhado por outro astro da mesma gravadora - ninguém menos que Bob Dylan."
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