Palavras Domesticadas

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sábado, 25 de julho de 2020

Gonzaguinha - Revista Rock, a História e a Glória (1976)

Em 1976 Gonzaguinha já fazia parte de um grupo seleto da MPB, de compositores surgidos na década anterior, e que traziam um trabalho renovador e diferenciado. Na ocasião ele estava lançando seu quarto álbum, Começaria Tudo Outra Vez. Na ocasião, a revista Rock, a História e a Glória nº 20 trazia no tablóide Jornal de Música, que vinha encartado na revista, uma entrevista com o compositor, feita pelo jornalista Paulo Macedo, e intitulada "Luiz Gonzaga Jr. (era assim seu nome artístico) Começaria Tudo de Novo":
" Ele embarcou em um trem ao primeiro Festival Universitário de Música Brasileira*, e venceu. Nesta oportunidade, uma boa parte da plateia não entendeu a sua mensagem, até mesmo vaiaram a sua apresentação. No entanto, apesar da dúvida da maioria, uma outra parte observava aquele jovem compositor de outra maneira. Houve quem dissesse: 'É o compositor que está faltando à nossa música'.
Certamente essas pessoas estavam com razão, e quem não entendeu a mensagem, já deve ter mudado seu ponto de vista. A crítica especializada, em pouco tempo de trabalho, já o colocou entre os nomes mais importantes de MPB.
Gonzaguinha lançou recentemente o seu quarto álbum. O disco tem nove composições inéditas e uma nova versão para 'Asa Branca'. Das músicas inéditas, as que merecem uma indicação mais particular são; 'Espere por Mim, Morena'; 'Começaria Tudo Outra Vez' (música título do disco) e 'O Sabiá Cantou'. Nesse LP ele está mais aberto, mais alegre. Colocou-se pra fora, em relação de um ponto de vista crítico, e propõe-se a começar tudo de novo.

- Quando você pintou nos festivais universitários, algumas pessoas apontaram você como uma das promessas principais da nossa música. Você acha que correspondeu à expectativa?
- Eu simplesmente continuei o meu trabalho. No entanto, existem muitas pessoas que acham que não, e isso é muito importante, é como eu digo em Mundo Novo Vida Nova - deixar de ser somente aquilo que se espera, em forma, luz e cor. Eu não sou somente aquilo que se espera, eu sou muito mais coisa, porque acima de tudo eu sou uma pessoa, eu tenho desejos e anseios diferentes daquilo que as pessoas projetam para mim. Eu posso dizer que estou tranquilo, acho que correspondi, pois minha consciência diz isso.
- Você já teve problemas com as entidades que arrecadam o Direito Autoral?
- Sim, já tive muitos problemas. Mas isto é um problema muito sério, porque o Direito Autoral no Brasil é uma brincadeira, é uma piada. Quem melhor paga atualmente, é a Sicam, com quem o pessoal teve briga. Eu sou da Sbacem, uma outra arrecadadora. Agora se eu fosse viver de Direito Autoral eu não viveria, porque é realmente ridículo o que se ganha em Direito Autoral no Brasil. O Brasil arrecada tanto quanto Buenos Aires arrecada, daí dá pra notar a situação, é uma diferença muito grande. Em outros países, quando um compositor faz sucesso, ele vive praticamente em razão daquele sucesso. Aqui no Brasil a coisa é diferente: o cara faz sucesso e daqui a três meses já acabou, já foi embora, não existe um controle rigoroso da coisa, e não existe uma distribuição certa, uma distribuição bem feita.
- Você está satisfeito com o representante de sua classe no Conselho Nacional do Direito Autoral? 
- O problema não é estar satisfeito ou não, o meu negócio é ver o que vai acontecer, eu não posso pré-julgar o representante da classe. Eu acho um erro pré-julgar o representante da classe. eu acho um erro pré-julgar qualquer pessoa. Eu apenas fico esperando que ele corresponda aos anseios da classe que ele pertence. E acredito que ele vá fazer força para isso, se ele não corresponder, não vai ser só eu a recriminá-lo, mas toda uma classe, porque existe atrás dele uma classe  que exige uma atuação dele. Quando ele entra no Conselho, ele não é o Roberto Carlos famoso, quando ele entra no Conselho, ele é uma pessoa, o Roberto Carlos que faz parte de uma classe, portanto, ele tem deveres e obrigações para com a classe. É bem verdade, ele foi nomeado, ou seja, colocado de cima pra baixo, e não de baixo pra cima.
- Como você sente a música popular brasileira atualmente? 
- Atualmente a música popular do Brasil, está vindo muito bem, no sentido de que tem muita gente nova aparecendo por aí, procurando sua chance, batalhando e organizando-se. Tem por exemplo o surgimento de uma entidade muito importante,a SOMBRAS - Sociedade Musical Brasileira - uma entidade que visa defender, estudar e divulgar a música popular brasileira, e tudo que é gerado por ela. A SOMBRAS tem procurado ajudar estes compositores através de uma série de shows que são organizados pelo grupo O2, que tem como diretor o Aldir Blanc. E tem procurado estudar Direito Autoral, através do grupo 01, que tem como diretores eu e o Vitor Martins. A SOMBRAS está agindo com muita calma, ela tem procurado agir coisas que são da necessidade dos autores, compositores, dos músicos e dos intérpretes, já que a SOMBRAS não é uma sociedade apenas de músicos, é uma sociedade de todo mundo que lida com música. Esta parte está bastante desprotegida, sabe-se que existe cerca de 150.000 músicos no Brasil, e 60% deste montante está desempregado, e isto é um problema muito sério, e que nós temos que enfrentar. Para isso existe a SOMBRAS, uma entidade que visa melhorar esse problema, visa colocar o músico como peça mais importante, mais consciente, mais consequente no seu meio, um pouco mais sabedor dos seus direitos e deveres.
- E você está satisfeito?
- Eu estou satisfeito, porque tem aparecido muita gente boa depois de mim, como por exemplo: Fagner, João Bosco, Sueli Costa, Beto Guedes, Lô Borges, e tem uma série deles que precisam somente de um pouco mais de apoio, e tem outros compositores que não tiveram uma chance, como o Nelson Angelo. Há uma série deles, eu devo estar esquecendo uma outra grande série. Existe uma série de grupos aparecendo, mas isto é muito lento, porque o processo atual é muito difícil. Com o término dos festivais e com o término dos musicais na televisão, o movimento musical diminuiu muito. Por isso a coisa tornou-se mais fechada. E tem outra coisa, as gravadoras querem uma resposta a curto prazo, uma resposta em termos de lucro.
- O que você acha do samba?
- Muita gente acha que eu sou contra o samba, que eu tenho preconceito e até maltratado o samba. Eu fui criado no Morro de São Carlos no Estácio de Sá e gosto de samba. Mas tem um porém, eu gosto de samba e não da moda do samba. Porque samba atualmente para a nossa infelicidade é uma moda, eu acho uma palhaçada, eu digo até que já ultrapassou. Ao invés de fortalecer o samba, deixaram que ele caísse do outro lado. Ouvir samba já está enchendo o saco. Tá legal eu aceito o argumento mas não me altere o samba tanto assim. Um outro problema, esse é mais sério ainda, é o das escolas de samba. O desfile das escolas virou um tremendo espetáculo circense, é um negócio que deve ser analisado de outro ângulo, eu acho uma frustração total.
- O quer você acha da crítica  especializada?
- Eu acho que um dos principais pecados da crítica, é não fazer uma visão global do trabalho de uma pessoa. Eu acho que o trabalho de uma pessoa deve ser julgado não apenas por um trabalho que saia anualmente, mas sim pela coerência em relação aos outros trabalhos, a não ser que a própria pessoa destaque aquele trabalho, como uma coisa que está dirigindo a um determinado ponto. Eu acho que falta um aprofundamento maior, a crítica de um modo geral fica no não gostei, ou eu gostei, do que qualquer outra coisa. Ou então ela segue o que os outros falam, e às vezes discorda por discordar.
- O seu novo disco se chama 'Começaria Tudo Outra Vez'. Por quê?
- Porque sim. Porque eu gosto do caminho que fiz, seja ele de altos e baixos, fraquezas e franquezas, verdades e inverdades, brigas, lutas, colocação para fora de um ponto de vista crítico, o ponto de vista consequente. Eu concordo, e começaria tudo outra vez. Não que eu esteja arrependido, pelo contrário eu começaria fazendo exatamente a mesma coisa. "

* Na verdade ele venceu o segundo festival, e não o primeiro

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