Belchior é uma das personalidades musicais brasileiras mais reverenciadas e respeitadas nos dias de hoje. Suas letras, carregadas de mensagens, simbolismos e uma poesia direta e cortante, ajudaram a torná-lo um mito após sua morte. Seus últimos anos de vida foram de reclusão, como uma opção pessoal, e que só fizeram aumentar um certo culto à sua imagem.
Em sua edição de 07/05/17, o jornal O Globo trazia uma matéria com o grande compositor cearense. Nessa matéria há um tópico que fala dessa fase reclusa, em que ele buscou o anonimato, embora isso fosse quase impossível para um artista que durante tantos anos viveu nos holofotes e na mídia. Esse tópico, assinado pelo jornalista Nelson Gobbi, destaca que "Amigos e profissionais que trabalharam com Belchior negam que o cantor tenha desaparecido por conta de dificuldades financeiras'. Segue abaixo o texto:
"Ao interromper a carreira e partir para um autoexílio que durou até sua morte, Belchior deixou para trás uma série de bens, objetos pessoais e obras, que hoje têm destino incerto. Também acumulou dívidas no percurso, por pensões alimentícias dos filhos - dois com Ângela Margareth, sua ex-mulher, e uma fora do casamento - ou por despesas não quitadas em hotéis onde se hospedou com a última mulher, a produtora cultural Edna Prometeu, em cidades como Fortaleza, São Paulo e Niterói.
O cantor também abandonou dois carros, um deles um Hyundai Sonata, no estacionamento do Aeroporto de Congonhas, onde permanece até hoje, junto a outros quatro veículos na mesma situação. Outro débito foi contraído com um de seus últimos colaboradores, o produtor e ex-secretário Célio Silva, que ganhou em 2010 uma causa trabalhista contra o ex-patrão, embora não tenha recebido até hoje. Sem confirmar o valor da causa, o ex-funcionário diz ter sido impactado pela morte de Belchior, com quem trabalhou por mais de dez anos, e afirma não saber o que fará em relação à dívida.
Quando o desaparecimento do cantor se tornou público, em 2008, e a imprensa passou a seguir seus passos no Brasil e no Uruguai (onde foi encontrado pela equipe do 'Fantástico', em 2009), especulou-se que o retiro de Belchior se deu por dificuldades econômicas. Amigos e profissionais que trabalharam com ele até o encerramento da carreira contudo, afirmam que o cantor e compositor possuía bens e fontes financeiras com os quais poderia quitar as dívidas e se manter no período em que vagou por Uruguai, Porto Alegre e cidades do interior do Rio Grande do Sul, até encerrar seus dias em Santa Cruz do Sul, a 150 quilômetros da capital.
- Belchior não tinha problemas econômicos, tinha dificuldades financeiras circunstanciais. Como parou de fazer shows, ele perdeu liquidez, mas ainda tinha um patrimônio considerável, incluindo imóveis - argumenta o empresário Jackson Martins, que trabalhou por 14 anos com o cantor, até seu último show profissional, realizado em Colatina (ES), em 2006. - Fizemos mais de 200 shows do disco 'Um Concerto a Palo Seco', gravado com o violonista Gilvan de Oliveira. Nos apresentávamos um dia no Vale do Jequitinhonha e, no outro, em Curitiba. Conheço o Brasil inteiro graças ao Belchior.
Produtor de shows de nomes como Zé Ramalho e Almir Sater, Martins diz imaginar que Belchior também poderia recorrer a outra fonte financeira, a arrecadação de direitos autorais.
- Um autor do seu porte deve receber de R$ 15 mil a R$ 20 mil mensais de direitos - calcula o ex-empresário de Belchior, que diz nunca ter parado de receber pedidos de shows. - Fui muito procurado para apresentações, ainda mais depois de o caso aparecer na TV. Certamente ele continuaria com média de 20 shows mensais que tinha antes de parar.
Desejo Por Uma Vida Nova
A pessoas próximas, Edna, e Belchior teriam dito que os repasses feitos pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) estavam bloqueados, até ao menos 2016. O Ecad, responsável pelo pagamento de direitos de músicas aos seus autores, não revela os valores dos depósitos, mas informa, por meio de sua assessoria de imprensa, que Belchior recebia regularmente seus rendimentos. Segundo a entidade, em 2016, os segmentos de rádio, TV aberta e música ao vivo foram responsáveis por 78% de rendimentos relativos aos direitos da execução pública de suas músicas. Contudo, não se sabe se Belchior e Edna tinham acesso à conta em que esse montante era depositado
Parceiro de Belchior em cerca de 40 canções, o ex-sócio Jorge Mello mantém em sua casa, em São Paulo, um acervo de milhares de documentos sobre o amigo. Guarda itens como borderôs de shows, por meio dos quais calcula que entre 1984 e 1995 Belchior tenha feito mais de 1.400 apresentações. No último registro, de 1995, o show foi vendido a R$ 45 mil. Afirmando que o cantor possuía imóveis em Fortaleza, Campinas e São Paulo, Mello não cogita que seu desaparecimento tenha se dado por questões financeiras, mas sim pelo desejo de levar uma nova vida, longe dos palcos.
- Ele tinha umas 600 músicas, muitas delas sucessos até hoje, um verdadeiro patrimônio. Não foi por problemas financeiros que ele sumiu, era uma questão filosófica. Ele queria se dedicar a projetos como a tradução de 'A Divina Comédia', de Dante Alighieri, em versão popular - afirma Mello, que também é cantor e se prepara para gravar algumas de suas parcerias com o amigo, como 'Arte-Final' e 'O Negócio É o Seguinte'.
Primo de Belchior e seu ex-sócio, Ednardo Nunes guarda em Campinas algumas telas pintadas pelo cantor que estavam abandonadas na casa usada por ele como escritório, em São Paulo. Também músico, Nunes acredita que uma experiência semelhante vivida por Wilson, um dos irmãos de Belchior, possa ter influenciado a sua decisão de deixar tudo para trás.
- Wilson tinha uma grande construtora em Fortaleza, a Consibel, e um dia abandonou seus negócios e foi viver no México, ficou mais de 20 anos longe do Brasil. Isso pode ter ficado na cabeça do Belchior durante todos esses anos, até que um dia, ele decidiu fazer o mesmo - opina.
Preparando a biografia 'Apenas um rapaz latino-americano' a ser lançada em setembro, o jornalista Jotabê Medeiros também diz acreditar na hipótese de o exílio de Belchior ter sido uma decisão espontânea:
- Belchior faz parte dessa linhagem de Tolstói, Rimbaud, de pensadores que romperam com seu passado e sua obra. Certamente teria ótimas ofertas para retomar a carreira, mas quis encerrar esse capítulo. Ele tinha referências intelectuais intricadíssimas, era uma ave rara da música. Acabou optando pelo silêncio e pelo distanciamento. "
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