Muddy Waters é figura fundamental na história do blues. Foi o grande responsável pela eletrificação do blues, que até então era eminentemente acústico. Essa mudança aconteceu ainda nos anos 40, e a partir de então o gênero não seria mais o mesmo, ou melhor, expandiria seus horizontes, fazendo uma fusão com o nascente rock'n roll, que na verdade sofreu forte influência do blues em sua formação.
A figura de Waters exercia grande influência entre os novos músicos da segunda geração do rock, principalmente dos ingleses, que invadiram o cenário musical nos anos 60. Os Rolling Stones, por exemplo, nunca esconderam sua admiração e veneração por Waters, sempre o citando como referência no início de sua carreira.
A matéria abaixo, não assinada, foi publicada no nº 1 da revista Rock Stars, de 1983, ano de morte do grande bluesman.
" 'É o não é um homão?' - assim o integrante do conjunto The Band, fazendo as vezes de apresentador, reverenciou o mestre Muddy Waters, quando este deixava o palco após uma interpretação eletrizante de 'Manish Boy'. O concerto de despedida do grupo canadense, imortalizado no filme O Último Concerto de Rock, vivera seu momento culminante. Embora sexagenário, aquele crioulo corpulento ainda conseguia irradiar energia por todos os poros. Estava possuído pela força selvagem do rhythm' blues, o som enérgico e metálico americano.
Ao final, gotas de suor brotando na sua testa, o velho Muddy projetou seu corpo para o ar, no arrebatamento de uma música em que ecoava o protesto ancestral de sua gente. O salto meio desajeitado não teve nada de teatral, foi antes um imperativo, tal a tensão que crescia dentro dele - força a custo contida, necessitando se desencadear. Que instante mágico! Via-se ali a arte despojada, de todos os artificialismos, restituída à dimensão humana, corporal: emoção pura e transbordante de um artista que deixava aflorar os instintos, sensibilidade à flor da pele. Cena de arrepiar, guardar para sempre na lembrança como um troféu, tripudiando sobre os cultores do rock cibernético: 'Meninos, eu vi!'
Seu nome real era McKinley Morganfield, tendo nascido em abril de 1915 no Mississippi. Criança, recebeu o apelido de 'Muddy Water' (Água Lamacenta'), que o acompanhou pelo resto da vida. Perdeu a mãe aos três anos e foi criado pelos avós, numa plantação próxima a Clarksdale, delta do Missississippi - região em que o blues vicejava. Começou cedo a tocar harmônica em saloons, por cinquenta cents a noite. Aos treze anos, já estava tão popular que seu cachê aumentara para dezoito dólares, por doze horas de trabalho (das sete da noite às sete da manhã, com direito a sanduíches de peixe nos intervalos).
Aos quinze, ele já constituíra e liderava um quarteto, no qual aparecia como cantor. Dois anos mais tarde começou a tocar guitarra, tendo o lendário Son House como mentor. Segue-se um período obscuro, ao cabo do qual vamos encontrá-lo trabalhando numa plantação de algodão em 1941. Lá dois pesquisadores do folk foram procurá-lo, a fim de registrar sua versão rústica do blues rural (com óbvia influência de Robert Johnson) para a Biblioteca do Congresso.
Em 1943 foi tentar a sorte em Chicago, empregando-se numa fábrica de papel. Percebendo que sua música não era suficientemente ruidosa para se fazer ouvir em meio à algazarra dos bares locais, adquiriu no ano seguinte a sua primeira guitarra elétrica. Breve começaria a gravar na Chess Records, alcançando importante êxito no seu 78 rpm de estreia, "I Can Be Satisfied" - canção que atestou as possibilidades comerciais do blues elétrico, abrindo as portas das gravadoras (principalmente da própria Chess). Criaram-se assim as condições para o sucesso de artistas como Howlin' Wolf, Lightnin' Hopkins, John Lee Hooker, Albert King, Freddie King e B.B. King. Mas o principal expoente da chamada 'Escola de Chicago' foi mesmo Muddy Waters, que emplacou hits sucessivos: 'She Moves Me', 'Hoochie Coochie Man, 'I Just Wanna Make Love To You', 'Got My Mojo Working'.
Depois de influenciar poderosamente os primeiros roqueiros americanos, Muddy visitou a Inglaterra em 1958. O saldo de suas apresentações foi a constituição do conjunto Blues Incorporated, com que esse ritmo começou a fazer a cabeça dos novos músicos americanos - os Stones e os Yardbirds, por exemplo, beberam dessa fonte. Em reconhecimento, o pessoal do rock sempre prestigiou Muddy e gravou com ele - vide as extraordinárias London Sessions, em 1972, com Rory Gallagher, Rick Grech e Stevie Winwood, e mais recentemente, o empenho de Johnny Winter em tornar conhecida a obra e as performances desse gigante da música negra norte-americana, falecido este ano."
Ao final, gotas de suor brotando na sua testa, o velho Muddy projetou seu corpo para o ar, no arrebatamento de uma música em que ecoava o protesto ancestral de sua gente. O salto meio desajeitado não teve nada de teatral, foi antes um imperativo, tal a tensão que crescia dentro dele - força a custo contida, necessitando se desencadear. Que instante mágico! Via-se ali a arte despojada, de todos os artificialismos, restituída à dimensão humana, corporal: emoção pura e transbordante de um artista que deixava aflorar os instintos, sensibilidade à flor da pele. Cena de arrepiar, guardar para sempre na lembrança como um troféu, tripudiando sobre os cultores do rock cibernético: 'Meninos, eu vi!'
Aos quinze, ele já constituíra e liderava um quarteto, no qual aparecia como cantor. Dois anos mais tarde começou a tocar guitarra, tendo o lendário Son House como mentor. Segue-se um período obscuro, ao cabo do qual vamos encontrá-lo trabalhando numa plantação de algodão em 1941. Lá dois pesquisadores do folk foram procurá-lo, a fim de registrar sua versão rústica do blues rural (com óbvia influência de Robert Johnson) para a Biblioteca do Congresso.
Em 1943 foi tentar a sorte em Chicago, empregando-se numa fábrica de papel. Percebendo que sua música não era suficientemente ruidosa para se fazer ouvir em meio à algazarra dos bares locais, adquiriu no ano seguinte a sua primeira guitarra elétrica. Breve começaria a gravar na Chess Records, alcançando importante êxito no seu 78 rpm de estreia, "I Can Be Satisfied" - canção que atestou as possibilidades comerciais do blues elétrico, abrindo as portas das gravadoras (principalmente da própria Chess). Criaram-se assim as condições para o sucesso de artistas como Howlin' Wolf, Lightnin' Hopkins, John Lee Hooker, Albert King, Freddie King e B.B. King. Mas o principal expoente da chamada 'Escola de Chicago' foi mesmo Muddy Waters, que emplacou hits sucessivos: 'She Moves Me', 'Hoochie Coochie Man, 'I Just Wanna Make Love To You', 'Got My Mojo Working'.
Depois de influenciar poderosamente os primeiros roqueiros americanos, Muddy visitou a Inglaterra em 1958. O saldo de suas apresentações foi a constituição do conjunto Blues Incorporated, com que esse ritmo começou a fazer a cabeça dos novos músicos americanos - os Stones e os Yardbirds, por exemplo, beberam dessa fonte. Em reconhecimento, o pessoal do rock sempre prestigiou Muddy e gravou com ele - vide as extraordinárias London Sessions, em 1972, com Rory Gallagher, Rick Grech e Stevie Winwood, e mais recentemente, o empenho de Johnny Winter em tornar conhecida a obra e as performances desse gigante da música negra norte-americana, falecido este ano."
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