Palavras Domesticadas

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quinta-feira, 16 de julho de 2020

Stevie Wonder - Songs In The Key Of Life (1976)

Em 1976 Stevie Wonder lançava um de seus mais importantes e representativos álbuns: Songs In Key Of Life, um álbum duplo que traz uma série de informações musicais que Wonder absorvia com seus ouvidos atentos e uma criatividade a todo vapor. Foi um de seus álbuns mais bem-sucedidos, sendo sucesso de vendas e de crítica. Ao ser lançado no Brasil, o Jornal de Música nº 27, de dezembro de 1976, trazia uma resenha do álbum, assinada por Dom Gabriel:
" Demorei algumas semanas para dar o meu ponto-de-vista sobre Songs In The Key Of Life, de Stevie Wonder, porque desde que recebi esse álbum, ainda não parei de ouvi-lo. A Top-Tape lançou o disco exatamente como nos Estados Unidos - com capa dupla, compacto e livreto - e a cópia nacional é até bem silenciosa, em comparação com a maioria das cópias nacionais de matrizes importadas, que têm um chiado horrível e tornam-se inaudíveis num bom sistema de som. Além disso, esse álbum foi lançado aqui quase ao mesmo tempo que nos Estados Unidos.
Songs In The Kay Of Life é o conjunto de dois LPs e um compacto que somam 104 minutos de Stevie Wonder em sua melhor forma. O livreto tem 24 páginas com letras, ficha técnica, mensagens e uma lista de agradecimentos a 172 pessoas (incluindo Jeff Beck, Frank Zappa, Doobie Brothers, Quincy Jones e Sérgio Mendes). Aliás, Stevie é um dos poucos artistas que conseguiram fazer um disco desses usando pouca ou nenhuma orquestração. Neste álbum ele toca a maior parte dos instrumentos e faz todos os vocais (com exceção de alguns backing vocals).
Stevie sempre teve a capacidade de atrair em torno de si, brancos e pretos, velhos e jovens. Seu recurso principal é a voz e, em Songs In The Key Of Life ele está cantando melhor do que em qualquer trabalho anterior. Considero sua voz melhor, porque não cai nas entonações melodramáticas que antes utilizava. Mas, Stevie ainda retém uma certa urgência ao cantar,  por causa dos seus fraseados e divisão das letras. Seu timbre está um pouco mais grave e ele explora esse registro mais baixo constantemente nesse álbum (dando continuidade ao que havia começado a fazer no álbum Innervisions). Ouçam Mr. Know It All. Stevie também explora mais sua gaita. Em Have A Talk With God, ele toca uma gaita blues parecendo com Joe Cotton ou Little Walter, e ainda toca uma gaita cromática durante a maior parte de Isn't She Lovely, obtendo um som muito pessoal com um instrumento tão limitado.
A música de Stevie, nesse álbum, pode ser definida em uma palavra: sabor. Todas as músicas são perfeitas tanto na concepção musical quanto nas letras. Prestem atenção na letra de Village.
Ghetto Land, onde ele fala das pessoas comprando ração de  cachorro para sobreviver e pergunta se nós, que estamos 'bem de vida', podemos encarar isso como apatia da classe  média. Tem até uma faixa instrumental, mas tão fora do contexto que parece algumas coisas do Hot Rats de Frank Zappa.
Stevie também incluiu um tributo a Duke Ellington, fazendo uma orquestração semelhante a de Duke, mas sem cair num flasback sarcástico. O interessante é que, apesar de ser um álbum duplo, Songs In The Key Of Life não tem músicas parecidas. Cada uma tem seus momentos de alegria em cada audição. Mas, tenho algumas prediletas que, por alguma razão (principalmente porque minha namorada canta de cor) ficaram na minha cabeça. Uma delas é a excelente Isn't She Lovely. No momento em que escrevo estou escutando o samba-disco chamado Another Star. Vai acabar virando clássico.
Nos seus outros trabalhos (Innnervisions e Fullfillingness First Finale) a mixagem era do tipo 'threedimensional digital-echo', mas, nesse disco Stevie optou por uma mixagem 'achatada'. Não me surpreenderia se tivesse usado 16 canais ao invés dos 32 normais (pra ele). O som está limpo e os instrumentos soam naturais ao invés de arranjados. Mesmo os metais (nas poucas músicas em que Stevie os utiliza) têm som de metais.
Os críticos americanos andaram dando uma esnobada nesse álbum ('nenhum progresso, etc, etc.'). Acho que esperavam um disco altamente digerível ou um jazz-funk tipo Herbie Hancock. Bem, o disco vendeu 1.700.000 cópias em 12 dias, subindo de cara para o primeiro lugar na parada da Billboard, façanha conseguida pelo Captain Fantastic and the Brown Dirt Cowboy, de Elton John, devendo-se levar em conta que o álbum de Stevie é duplo e caro.
Discutir esse disco é como discutir sexo. Poderíamos continuar falando durante horas. Mas o melhor é experimentá-lo e chegar às suas próprias conclusões. Tenho certeza que concordarão comigo. 50 milhões de estrelas."

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