Palavras Domesticadas

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quarta-feira, 1 de junho de 2016

Joyce, de Volta - Revista Música (1978)

Em sua edição nº 24, de 1978, a revista Música trazia uma matéria com a cantora e compositora Joyce, que havia se afastado da carreira, e naquele ano havia retornado aos palcos, e com planos de lançar o disco Natureza, gravado nos Estados Unidos, e que só viria a ser lançado muitos anos depois. Na época, por questões contratuais, Joyce se encontrava impedida de gravar no Brasil.  A matéria é assinada por Luiz A. S. Chagas:
"Olhos de cor de mel, cabelos muito lisos e compridos, voz dulcíssima e uma presença segura, Joyce aparenta dezoito anos. Na verdade, tem trinta, canta há 16, sempre agradou, faz sucesso há... mas isso é conversa que não pode ser entendida. O show apresentado pela cantora e Toninho Horta no espetáculo 'Seis e Meia', do Projeto Pixinguinha (Rio, São Paulo, Curitiba, Porto Alegre e Belo Horizonte), atuou como excelente demonstração de um trabalho de ambos, de ótimo nível. Isto é, vendável e de qualidade.
Joyce possui uma série de discos encontráveis somente em sebos (exceto o elepê ao lado de Nelson Ângelo, relançado no ano passado pela Odeon) e um álbum gravado nos Estados Unidos, preso por um contrato com Claus Oggerman ('Amoroso', de João Gilberto), enquanto que Toninho Horta até o início da excursão, ainda não havia vendido a fita de seu disco 'Terra dos Pássaros', pronto desde o segundo semestre de 1977.
Aqui, Joyce fala sobre sua carreira, suas influências e seu aprendizado. E mais: analisa os percalços de uma 'cantora bonita' que não queria ficar só nisso.
Carioca de Copacabana, onde morou até sair de casa, Joyce vem de uma família musical. Um de seus irmãos tocava em conjuntos de rock e promovia reuniões de bossa-nova, muito populares naquela época em que esse tipo de som abandonou os apartamentos da zona sul chegando ao rádio e à televisão. Roberto Menescal e Carlos Imperial costumavam frequentar essas reuniões em que Joyce 'cantava só de brincadeira'. Observando o irmão e seus amigos, aprendeu a tocar violão e começou a compor aos 14 anos, embora escondido. Tocava tecnicamente errado e mais tarde estudou teoria e violão clássico. Aos 18 anos, estudante de jornalismo, estagiária do Jornal do Brasil, cobria todas as áreas da geral à tradução, de polícia a variedades, sem estar efetivada. A salvação veio quando 'Me Disseram', uma das músicas que enviou para o FIC/67 (Festival Internacional da Canção, idealizado pela Rede Globo, no Maracanãzinho, do Rio) foi classificada.
Hoje confessa que em meio àquela euforia toda, 'pensei que tivesse arrumado um emprego'. Apesar de classificada somente nas eliminatórias, teve oportunidade de conhecer Paulinho da Viola, Caetano Veloso, Milton Nascimento e Toninho Horta. A partir daí, começou a fazer shows com Macalé e, em 68, lançou seu primeiro disco, 'Joyce', com músicas desses mesmos compositores, 'fui a primeira pessoa a gravar uma música de Toninho Horta, Litoral', que hoje, uma década depois, eles estão apresentando juntos.
Em 69, lançou o elepê 'Encontro Marcado', cuja música-título, recentemente regravada por Simone, marca a sua ruptura com o sistema artístico. Na época, pretendiam transformá-la em mais 'um rosto bonito que por coincidência também canta', uma questão de 'imagem acima da música'.
No FIC de 70, Joyce apresentou-se ao lado dos guitarristas Toninho Horta e Nelson Ângelo, do baixista Novelli e do percussionista Naná (mais tarde substituído por Nenê, atualmente tocando com Elis e Hermeto). Juntos formavam o grupo 'A Tribo', que defendeu a música 'Posições', título do elepê lançado em seguida. Era um trabalho eminentemente instrumental, e como ela afirma 'uma barra não muito aceita na época'. Consequentemente, os resultados não foram bons e Joyce parou.
Casada, a cantora afastou-se da careira até 75 (exceto pelo disco que fez com Nelson, em 72). Novamente motivada pela música, pois não havia parado de compor, Joyce aceitou um convite para excursionar com Toquinho e Vinícius pelo Uruguai e Argentina, e no ano seguinte Itália e França, 'sabe como é, eles tinham aquele esquema dos dois mais uma cantora qualquer e como estavam precisando de um violão também, eu preenchia perfeitamente a vaga'. Na Itália, teve a oportunidade de gravar o seu 'Passarinho Urbano', só  voz e violão, e na França reencontrou Naná e Maurício Maestro (amigos de 67 quando participou do FIC com o conjunto 'Momento Quatro'). O trabalho desenvolvido pelos três é o embrião do que iria acontecer em Nova Iorque.
Convidados para inaugurar a boate 'Cachaça', nessa cidade, cumpriram a temporada e passaram a criar um material, ao lado do baterista Tuti Moreno; Jeremy Steig e Ion Muniz (flautas); Buster Willians (baixo acústico); João Palma e Naná (bateria e percussão), que chamou a atenção do produtor Claus Oggerman, com quem firmaram contrato e gravaram o disco 'Natureza', cujas fitas ainda estão sendo negociadas pelo produtor em Nova Iorque. Em contrapartida, Joyce, por força contratual, não pode gravar aqui, embora tenha tentado a liberação do acordo.
Ao desembarcar no Rio, Joyce apresentou-se no Teatro Ipanema e no MAM (ambos no Rio), fez o show 'Revendo Amigos', do qual participam Toninho Horta, Sá e Guarabyra, Sueli Costa e Danilo Caymmi, em dias diferentes e formou um conjunto cujas figuras principais são Tuti, Fernando Leporace e Mauro Senise.
Joyce com Vinícius de Moraes
O trabalho de composição de Joyce é semelhante ao de João Gilberto: voz e violão. Sua afinação e extensão de voz são os principais responsáveis pela beleza com que as melodias são apresentadas. Os arranjos são feitos coletivamente, numa estrutura que permita o aproveitamento de ideias de todos os músicos. A cantora acha fácil esse caminho desde que 'se conte com músicos criativos'. 'Clareana' (com Maurício), 'Banana', 'Me Disseram', 'Não Muda Não' e 'Revendo Amigos' são perfeitos exemplos do trabalho de Joyce.
Além de estar cuidando da liberação de seu disco 'Natureza', ela tem planos ainda não definidos de um trabalho ao lado de Norma Benguel (que já gravou sua composição 'Boa Pergunta', em 'Norma Canta Mulheres'), e considera suas músicas feministas.
Para definir Joyce basta citar o poema de Mário Quintana que ela musicou: 'Todos esse que aí estão/ atravancando o meu caminho/ Eles passarão/ eu passarinho'.

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