" Pop- Essas mudanças do pessoal da Jovem Guarda não te deram vontade de partir também pra outra?
Roberto - Bicho, eu sempre procurei ser coerente comigo mesmo. Estou em paz há 34 anos, cara! Não houve nenhuma mudança em Erasmo e Wanderléa. O que eles fizeram foi botar pra fora um porção de coisas que tinha reprimidas. Isto é uma libertação interior. Eu não sinto necessidade disso. Tudo que fiz e faço não tem censura prévia, e não guardei nenhuma carta na manga para mostrar num dado momento. O que quero é tentar inovar tudo que venho fazendo de forma coerente há pelo menos dez anos, o que não implica em mudanças radicais. Gosto de dizer as coisas de uma maneira direta e objetiva. Eu sou assim. E me sinto muito feliz, mas muito feliz mesmo, quando ouço as coisas que fiz e disse, porque é assim que penso e é desta forma que sei me expressar.
Pop - Você, que foi um líder da juventude, ditando, inclusive normas de comportamento, como vê a música jovem atual? E que público você quer atingir agora?
Roberto - Sem dúvida, o rock tem um público ávido e bastante definido, mas eu não faço mais música dirigida para a juventude, basicamente. No tempo da Jovem Guarda, sim, eu fazia. E é bom lembrar que eu também era um jovem. Por outro lado, minha música é romântica e o amor não tem limites de idade. Ou você acha que os jovens não curtem o amor? Mudou a linguagem, mas 'eu te amo, querida', não vai morrer nunca! Veja o fenômeno da nostalgia(*), sem deter-se em análises mais profundas de mercado etc... Ocorre que 90% do que voltou a pintar por aí foi tudo na base do romântico. Mas no meu trabalho, mesmo dentro do romantismo, procuro abordar tudo sem pieguice, e falo de problemas reais, como em Detalhes, Quando as Cranças Saírem de Férias e tantas outras. Eventualmente, posso cantar rocks nos meus shows, mas só para dar um colorido e não como posição assumida, em absoluto. Também não pretendo gravar rock. Foi uma fase, cara!
Pop - E agora, depois de dez anos de vendagens extraordinárias , parece que o samba de Martinho da Vila, Clara Nunes, Benito di Paula, já está ameaçando seus recordes. Qual é?
Roberto - Acho ótimo, pois toda concorrência tem aspectos superpositivos. Em primeiro lugar, obriga o artista a não descuidar de seu trabalho e procurar sempre melhorar. E isto é o que eu estou fazendo há dez anos. Em segundo lugar, proporciona maiores aberturas para o mercado de disco no Brasil e, é evidente, chances para novos músicos e compositores. O único grilo é o aspecto competitivo, que muitos querem fomentar e que acho bastante provinciano. Realmente não me preocupo em ser recordista e sim em vender muito, pois este é o prêmio a um trabalho coerente e bem feito. Nos Estados Unidos, por exemplo, há mil caras que vendem adoidado, como Elton John, Elvis Presley, Paul McCartney, Lennon e tantos outros, que não estão numa de 'eu sou o recordista', sacou? No Brasil, não. Quando um artista começa a vender bem, pinta um tremendo oba-oba na base do 'vai vender mais que Roberto Carlos'. Isto é uma grande bobagem e típico de subdesenvolvimento. Em vez de se pensar em recordes todo mundo deveria procurar expandir o mercado.
Pop- E como anda a nossa juventude?
Roberto - Muito bonita, sadia, livre, sem preconceitos e corajosa para assumir sua posição dentro da sociedade. Se posso dar um conselho, sem querer ser paternalista, é que o jovem não perca sua autenticidade, em hipótese nenhuma.
Pop- Aproveitando a maré: o conselho ao iniciante na carreira?
Roberto - Equilíbrio, malandro; coerência olhar as coisas com serenidade, cuca fria e muita humildade, principalmente se tiver a sorte de estourar.
Pop - E seus planos para 76?
Roberto - No carnaval faço shows na Itália, e a partir de junho, Espanha, México e Argentina. No fim do ano vou aos Estados Unidos. Aliás, em primeira mão, te informo que vou gravar um LP em inglês com versões de Hal David, parceiro de muitos sucessos de Burt Bacharach, como Alfie, Do You Know The Way To San José, Raindrops Keep Fallin' On My Head, Close To You etc... É um velho sonho, e nós dois estamos entusiasmados. A produção será do próprio Hal que também se encarregará de escolher as músicas.
Pop - Até agora seu compromisso com a latinidade, caminho básico para Milton Nascimento, Ney Matogrosso, Sá e Guarabyra, por exemplo, resumiu-se à escolha criteriosa de músicas em espanhol de muita beleza, mas sem mensagens sociais. Por que você escolheu América, América?
Roberto - Quando eu era garotinho, era bom paca em geografia e desenho. Riscar as Américas de cor era um dos meus brinquedos, e ali minha imaginação criava batalhas de chumbo e plástico. Cordilheira, aprendi que era uma porção de montanhas altas e juntas, e que os Andes eram gelados. Em minhas batalhas de soldadinhos de chumbo, na base de bola de gude, eu defendia o Brasil com unhas e dentes. Hoje em dia, com uma visão de homem, as cicatrizes de meus irmãos das Américas me entristecem muito. Antes eu não tinha medo, pois resolvia com um gesto de braço todas as crises. Mas agora, que nada posso, tenho medo. O problema chileno, a zorra equatoriana, a Argentina triste... O Brasil cada vez mais verde e maduro. Está certo. Mas o que foi feito de seus tristes irmãos das Américas? Do Chile que eu coloria de roxo, da Argentina, cor de laranja, do México como um sol esplendoroso, da Colômbia vermelha? Era menino e imaginava tantas coisas! Não haverá mais a festa latina? Que longo silêncio é esse? Você pode me responder? "
* O "fenômeno da nostalgia" a que se refere Roberto, era uma tendência da época. Naquele período, meados dos anos 70, voltou-se a tocar muita coisa dos anos 50, alguns artistas e grupos da época voltaram a fazer shows, músicas antigas voltaram a tocar nas rádios e entrar em trilhas de novela, etc. Não é à toa que no ano dessa entrevista Raul Seixas compôs e gravou a música "Verdade Sobre A Nostalgia", no disco Novo Aeon, que explica mais ou menos esse fenômeno.
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