Sem dúvida alguma, os Mutantes são grandes representantes da música brasileira no exterior. A banda é cultuada por vários músicos nos Estados Unidos e Europa, e lá formou um grande público, que ao descobrir o rock irreverente e criativo dos Mutantes, se criou uma comunidade de fãs da banda brasileira. Músicos como Kurt Kolbain, Beck, Sean Lennon e outros, sempre exaltaram a música, a postura e a técnica musical do trio encabeçado pelos irmãos Arnaldo Batista e Sérgio Dias, além de Rita Lee.
Em sua edição de 20/12/98 o Jornal do Brasil trazia uma matéria sobre o lançamento nos Estados Unidos, do disco Technicolor, na época ainda inédito por lá. A matéria é assinada por Jomari França:
"Finalmente os gringos descobriram que na área off-samba, o Brasil não tem apenas a Bossa Nova e felizmente não embarcaram no sambanejo e nem nas baianices, mas no Tropicalismo e, principalmente nos Mutantes. Rita, Sérgio e Arnaldo sempre relutaram em admitir a genialidade de sua ex-banda. Até o ano passado Rita nem gostava de falar do assunto, mas finalmente ela se rendeu ao próprio passado e passou a colaborar com o staff da Luaka Bop para o lançamento da coletânea em CD duplo que sai em março trazendo a bordo o único LP ainda inédito dos Muta/Mutantes, como ela diz, o Technicollor, gravado em Paris em 1970.
Dois grupos de rock fizeram contato com o nascente Tropicalismo. Os argentinos dos Beat Boys, que Caetano Veloso escolheu para acompanhá-lo em Alegria Alegria e os Mutantes, apresentados pelo maestro Rogério Duprat a Gilberto Gil, que os convidou para apresentar com ele Domingo no Parque num festival da Record. Os próceres tropicalistas pagariam caro pela ousadia, sendo bombardeados por terem a ousadia de colocar guitarras na música brasileira.
Os Mutantes, até então restritos a fazer covers, tiveram suas mentes abertas pelo contato com os tropicalistas, como contou Rita ao JB em 1997, num depoimento a respeito do livro Verdade Tropical, de Caetano. 'Pela primeira vez na vida me percebi brasileira e adorando estar perto de gente inteligente, generosa e estimuladora. Os Baptista Bros, realmente eram bastante neoinglesados, e eu, já com um pé na ascendência gringa, buscava exatamente o oposto. Caetano e Gil me ensinaram direitinho o mapa da mina, tanto que ele conta no livro que quando os Mutantes partiram para o deslumbre progressivo a la Yes e Emerson, Lake and Palmer eu tirei meu time de campo e continuei no rock brasilês radical debochado e me dei bem.'
O voo inicial dos Mutas foi Panis et Circensis, que entrou no disco-manifesto Tropicália e depois foi a faixa de abertura de Os Mutantes (68), disco inaugural da banda, que esboçava a fórmula original que eles passariam a usar: arranjos ousados, psicodélicos, letras bem humoradas, interpretações teatrais e uma musicalidade muito avançada para a época, com timbres inusitados e experimentações eletrônicas e vanguardistas por conta do maestro Rogério Duprat e de Cláudio César, o irmão mais velho de Arnaldo e Sérgio que criava instrumentos e efeitos. Tão vanguarda que até hoje, 30 anos depois, ninguém conseguiu colocar o carimbo de datado em nenhum dos seis discos que eles gravaram com a formação original: dois com o nome da banda em 68 e 69, A Divina Comédia ou Ando Meio Desligado (70), Jardim Elétrico (71), Mutantes e seus Cometas no País do Bauretz (72) e Hoje É o Primeiro Dia do Resto de Sua Vida (72), este último um LP solo de Rita Lee, mas gravado por todo o grupo dentro dos parâmetros sonoros originais.
Nenhum destes discos está à disposição no mercado brasileiro, o que impede que as novas gerações também descubram os Mutantes. O repertório deles é um notável mix de vanguarda com músicas comerciais, rock e MPB. Eles criavam um jantar psicodélico em Panis et Circensis com direito a conversas de salão, barulho de louças e talheres, diversas mudanças de andamento e um fim brusco, como se o disco perdesse rotação. E começavam uma música como Minha Menina, com um grito: 'Tosse, todo mundo tossindo'.
A saga de D. Quixote é recriada como se tivesse imagens, com cavalos marchando ao som de fanfarra e uma interpretação cômica de Rita, num ágil jogo de palavras. O lirismo tem lugar na doce interpretação de Rita ao som de harpas em Fuga nº 2 e Dia 36 tem um experimentalismo digno do que a vanguarda do rock fazia na Inglaterra e nos EUA. Assim eram, ou melhor, são os Mutantes. Disponíveis a partir de março em CD importado. "
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