Palavras Domesticadas

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sábado, 25 de junho de 2016

Zé Rodrix Fala do Trio Sá, Rodrix & Guarabyra - Jornal O Bondinho (1972)

Após sair do grupo Som Imaginário, Zé Rodrix se juntou a Luis Carlos Sá e Gutemberg Guarabyra, para formar um trio, que se tornaria referência no rock brasileiro dos anos 70: Sá, Rodrix & Guarabyra. Em 1972, Rodrix escreveria um texto para o jornal O Bondinho, um importante órgão da imprensa underground. Na entrevista o músico fala de seu novo projeto ao lado dos novos parceiros, talvez sem imaginar a grande importância que o trio ainda em formação teria na música brasileira, criando, inclusive, um novo estilo, batizado de rock rural. Nele Rodrix fala do primeiro disco a ser lançado pelo trio. Segue abaixo a matéria:
"Os sons mágicos, misteriosos e tropicais do Som Imaginário acompanharam Gal e Milton Nascimento, em discos e shows, no ano passado. Agora, Zé Rodrix, um dos líderes do Som, está trabalhando música caipira, com Guarabyra e Sá. O que ele explica para  O Bondinho.
Pegamos, nós três, uma mania terrível. Resolvemos não esconder mais nossa verdadeira concepção enquanto seres humanos, enquanto gente. Eu e Gut nascemos lá no interior da Verdadeira Bahia, o Sá viaja pelo interior do Verdadeiro Brasil desde tenra idade. Foi aí que nós nascemos, no meio da mataria, entre cobra coral e galinhola do brejo, entre boi ladrão e caboclo sonso. A picada do mato é o caminho em que a gente anda melhor. Um dia, mais taludinhos, vínhamos vindo nesta picada quando o mato se abriu; lá na frente apareceu uma cidade, apareceu uma cidade à beira-mar, e a gente ficou meio besta, olhando naquele negócio enorme de cimento, no meio do qual as pessoas andam e vivem e ganham dinheiro. Até hoje a gente se boquiabre por dentro quando sai no meio da rua, e se assusta um pouco. O que não quer dizer nada. Na nossa veia corre muito pouco samba. Por mais desesperado e eletrotécnico que a gente pudesse querer ser, ou mais popular, ou folclórico, as fases primordiais no nosso conhecimento do mundo através da música se dividia em duas partes: o baião e o rock, que no fim vinham dar na mesma. E agente bateu cabeça na cidade grande, querendo sucesso e a combinação de dinheiro, boêmia e mulheres, que no fundo é o sonho de todo tabaréu. Já tivemos tudo isso, já fizemos parte das igrejinhas mais fechadas: e descobrimos a tempo que, se a voz do povo é a voz de Deus, não é a voz das  freirinhas. 
Sá, Rodrix & Guarabyra
Hoje, depois de 7 anos de luta inglória,descobrimos que sempre nos faltou um requisito especial: a honestidade. O que continua não querendo dizer nada. Se a gente se descobriu caipira um dia, não quer dizer que a gente vai ser o caipira, que as pessoas se acostumaram em ver em festa de São João; que aquilo é caipira de televisão paulista. Se a gente se descobriu rock, não quer dizer que a gente use lambreta, casaco de couro e cante Long Tall Sally o dia inteiro.  Se eu e Gut somos baianos, não quer dizer que sejamos de Salvador; Salvador não está com nada e não faz parte da Verdadeira Bahia. Se o Sá disser que é carioca, não quer dizer que ande de camisa listrada e chapéu de banda: o Rio só é útil porque nossa gravadora fica na Avenida Rio Branco, quase mar. O Brasil não conhece o seu habitante do interior. E, por isso mesmo, quando vê um conjunto baiano fazendo um som incrível, de flautas e bumbos e oficlidis, chama de folclore, e se distancia, observando com certa repugnância, porque assim  se convencionou, segundo as leis do maldito progresso. O que ainda não quer dizer nada. Resolvemos fazer uma parede, já que três cabeças pensam melhor que nenhuma. E fizemos o disco praticamente sozinhos, trabalhando apenas com as pessoas que poderiam nos compreender de imediato e sem prejuízo da saúde de ninguém.
A Odeon nos deu a maior cobertura. É que nenhum músico tradicional, por mais aberto e melhor que fosse, iria saber tão bem como nós mesmos o que fazer. O disco é artesanal como um Vitalino, e, por isso mesmo, terrivelmente profissional como um Picasso. O que quer dizer alguma coisa é o nosso trabalho. O disco tem uma estrutura muito coesa e coerente, no entanto impossível de sentir em cada faixa individual. As faixas são: Zepelin (desbunde interiorano com uma banda querendo, em vão); A Luz do Céu (hino batista de enorme valor); Ama Teu Vizinho (congada bíblica); Me Faça um Favor (caipirada pelo menos alegre);e várias outras. Isso quer dizer alguma coisa. Gostaríamos de ser ouvidos."



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