O cineasta Rogério Sganzerla (1946/2004), um dos nomes mais importantes do cinema marginal brasileiro, diretor de filmes marcantes, como O Bandido da Luz Vermelha, Sem Essa Aranha e Copacabana Mon Amour, escreveu na Folha de São Paulo, em 1981, um texto sobre Jimi Hendrix. Rogério chegou a filmar uma apresentação de Hendrix na Inglaterra, e sua vocação para a arte contestatória e transgressora o levou a ser um fã do incendiário guitarrista americano. Segue abaixo o texto, intitulado"Música das estrelas":
"Músicas das estrelas. Sim, se é que assim posso me exprimir diante desses acordes suaves mas ao mesmo tempo brutais - brutais mas suaves - de uma construção absolutamente original na sua fase mais evoluída no estágio mais avançado de arte, diferente de tudo que se ouviu nessa ou noutra geração; sim, porque Jimi sabia de tudo e, por dentro de altas esferas astrais, dá um show de notas que me fazem lembrar certos instrumentos de corda da alta antiguidade, de sons e cores (interligados), valorizado pelos antigos astecas, egípcios, incas, (isto é, os primitivos povos da mente livre e primitiva, sem medo, esforço, razão; da imaginação e de culto aos mortos; do princípio único e da reencarnação).
Jimi é gênio e ele sabia-o.
Sabendo de altas esferas astrais, ele predisse exatamente tudo que um imbecil de classe não tem coragem de constatar ou tolerar: ele diz só uma coisa, uma coisa somente, ou melhor, ele não diz nada, prediz tudo:
'I dont live today
Maybe tomorrow'
- Wait until tomorrow
(... So cool and a tonely is terrible...)
Como Noel de Medeiros Rosa, ele não se cansa de dizer 'até amanhã se Deus quiser', admitindo-se claramente que 'amanhã' significa - em toda literatura oriental e(s)xotérica - próxima encarnação da roda gira tal caminho da luz e verdade nos vasos comunicantes do inconsciente coletivo e astral.
Música das estrelas, se é que assim posso me referir ao que alguns tão estupidamente não tiveram coragem para ver, entender ou reconhecer: Jimi é um gênio e ele o sabia. Sabia-o sabendo de (tudo) altas estruturas astrais que o amanhã aí está e prova (rá) aos desinteressados porque é que um gênio como Hendrix nasce de cem em cem anos, e não é pra menos.
Muyrakitan - Mudra: mudança, murmúrio, música. MU. Aum Ôm...Um.
Música de papel. Nessa e em todas outras. O som da palavra na página branca. Insonora presença do não-ser. Com Hendrix temos todas as rimas possíveis, impossíveis, o som e o infrasom também como no samba pré-atlante.
O guitarrista explode em sua suave rebeldia. O rebelde conceito que dentro de determinadas esferas astrais consiste na essência mesma da divindade e prova - indireta e vulgar - de um alto valor de delicadeza, firmeza e sensibilidade. (no fundo, respeito).
Entrando soberbamente nesse 'rainy day stil dreaming' a elegância do criador se revela como o próprio tema dessa música flutuante, vazia, sem conteúdo - mas em velocidade incomum - das frases musicais que instantaneamente se transformam (em opostos, que dão voltas, como o samba - grito, uivo, esganiçado blues); faz de si mesmo seu próprio tema. Em seus opostos descadenciados tendendo ao outro som - conceito fundamental dessa obra de arte que procura - e acha - o outro lado da história e do homem/humanidade. Som do silêncio. Atonal/tomista/atômico... Exemplar é a desburocratização da mente na guitarra do guitarrista. Som que mata a morte.
E se transforma em novo tema, totalmente imprevisível, dele oriundo e, no entanto, diferente; e as notas obedecem ao conflito interno do gênio antes de saltarem, novas e afinadas na guitarra do guitarrista. Segundos antes de surgirem, como por milagre elas lutaram entre si - onde? - na mente de Hendrix.
Como um ideograma, elementos justapõem-se, anulam-se, multiplicam-se, somam-se e participam da construção ideogramática que é a base necessária ao ideograma: é preciso que nesse nível a obra de arte seja o resultado de usa própria experiência no mundo do esquecimento e do não ser - antes de mergulhar na mente de Hendrix - e que seja a expressão de revolta - da mente à caminho da revolução total - e não somente de alguns aspectos secundários, estatísticos, demográficos.
Na 'virada da melodia' é que se vê o valor do sambista.
Fundamental: ideograma como a samba é o que se faz por si próprio. Por si mesmo tem raízes em si. E não fica por aí; alimenta-se a si mesmo - desenvolve-se, transforma-se.
É comum nos discos de Hendrix, no primeiro-terço (1/3) de uma faixa ela já estar completamente desenvolvida e, como o samba, se transformar, geralmente em seu oposto tema musical, numa 'virada' melódica, que a faz voar mais alto, e transformar-se e madura fica 'Laughing Stars that play Sam's Dice').
Ou melhor - já nas notas iniciais Hendrix disse tudo sobre aquela música - partindo de avançado ponto de partida; dando o show habitual, porque pode; avançado ponto de partida onde as duas ou três primeiras notas já abrem a espiral que nos minutos seguintes desenvolverá magistralmente, até destruí-la numa virada; e partindo do exato oposto, voltar ao ponto de partida, confirmando a consciência e a lucidez de sua arte que esse artista de primeira grandeza não cansa de demonstrar. Por vaidade, orgulho?
É importante esclarecer a verdadeira natureza de um gênio. Partindo de então inteira lucidez, podendo desequilibrar à vontade, exatamente por deter o equilíbrio mágico - o estar por perto de altas medidas astrais, ou o 'côvado sagrado' como os egípcios chamavam; ele, Hendrix, não precisava 'voltar' à vaidade, à ostentação e orgulho depois de já ter passado por isso e exatamente por assim parecer (aos que não sabem ver e julgam de acordo com preconceito de sua mente deformada: os americanos porque poderia se dar ao luxo de parecer vaidoso exatamente porque não o era. Ele - como todo gênio - não poderia disfarçar sua genialidade. Estava na cara - demais - e por isto nada mais cômodo do que mascarar essa verdade como uma cômoda (aparentemente, consequentemente incômodo) falsa imagem de presunçoso, egoísta para se defender. A máscara acabaria se confundindo com quem a usava?
Acredito que Hendrix era um ser paranormal, extremamente evoluído nos planos mental, pessoal e cósmico, de destino privilegiado. No plano de determinismo e do fatalismo, seu 'duplo' deveria conter um ser grande demais para esse (i) mundo - como Noel e outros que não poderia lembrar.
Hendrix sabia de tudo. Essa é a característica fundamental do homem, que se sabe por dentro - e da mente que, não tendo medo, dirige-se ao extremo limite sem faltar-lhe três coisas fundamentais: coragem, firmeza, inteligência. Aí está a fórmula mágica do artista da Casa Vermelha, ou da Causa: daqueles que modificam a face da Terra.
Realmente, não erra quem diz que um artista desses só nasce de cem em cem anos. E não é para menos..."
Como um ideograma, elementos justapõem-se, anulam-se, multiplicam-se, somam-se e participam da construção ideogramática que é a base necessária ao ideograma: é preciso que nesse nível a obra de arte seja o resultado de usa própria experiência no mundo do esquecimento e do não ser - antes de mergulhar na mente de Hendrix - e que seja a expressão de revolta - da mente à caminho da revolução total - e não somente de alguns aspectos secundários, estatísticos, demográficos.
Na 'virada da melodia' é que se vê o valor do sambista.
Fundamental: ideograma como a samba é o que se faz por si próprio. Por si mesmo tem raízes em si. E não fica por aí; alimenta-se a si mesmo - desenvolve-se, transforma-se.
É comum nos discos de Hendrix, no primeiro-terço (1/3) de uma faixa ela já estar completamente desenvolvida e, como o samba, se transformar, geralmente em seu oposto tema musical, numa 'virada' melódica, que a faz voar mais alto, e transformar-se e madura fica 'Laughing Stars that play Sam's Dice').
Ou melhor - já nas notas iniciais Hendrix disse tudo sobre aquela música - partindo de avançado ponto de partida; dando o show habitual, porque pode; avançado ponto de partida onde as duas ou três primeiras notas já abrem a espiral que nos minutos seguintes desenvolverá magistralmente, até destruí-la numa virada; e partindo do exato oposto, voltar ao ponto de partida, confirmando a consciência e a lucidez de sua arte que esse artista de primeira grandeza não cansa de demonstrar. Por vaidade, orgulho?
É importante esclarecer a verdadeira natureza de um gênio. Partindo de então inteira lucidez, podendo desequilibrar à vontade, exatamente por deter o equilíbrio mágico - o estar por perto de altas medidas astrais, ou o 'côvado sagrado' como os egípcios chamavam; ele, Hendrix, não precisava 'voltar' à vaidade, à ostentação e orgulho depois de já ter passado por isso e exatamente por assim parecer (aos que não sabem ver e julgam de acordo com preconceito de sua mente deformada: os americanos porque poderia se dar ao luxo de parecer vaidoso exatamente porque não o era. Ele - como todo gênio - não poderia disfarçar sua genialidade. Estava na cara - demais - e por isto nada mais cômodo do que mascarar essa verdade como uma cômoda (aparentemente, consequentemente incômodo) falsa imagem de presunçoso, egoísta para se defender. A máscara acabaria se confundindo com quem a usava?
Acredito que Hendrix era um ser paranormal, extremamente evoluído nos planos mental, pessoal e cósmico, de destino privilegiado. No plano de determinismo e do fatalismo, seu 'duplo' deveria conter um ser grande demais para esse (i) mundo - como Noel e outros que não poderia lembrar.
Hendrix sabia de tudo. Essa é a característica fundamental do homem, que se sabe por dentro - e da mente que, não tendo medo, dirige-se ao extremo limite sem faltar-lhe três coisas fundamentais: coragem, firmeza, inteligência. Aí está a fórmula mágica do artista da Casa Vermelha, ou da Causa: daqueles que modificam a face da Terra.
Realmente, não erra quem diz que um artista desses só nasce de cem em cem anos. E não é para menos..."
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