"Antigamente, todo final de ano significava que iria sair um novo disco de inéditas de Roberto Carlos. Em dezembro as lojas de discos se preparavam para receber mais um disco que seria um campeão de vendas. Essa rotina já há algum tempo não tem se repetido. Ao contrário de seu parceiro Erasmo Carlos, que tem lançado discos, não só de inéditas, como de releituras de seus 'lado B", como fez recentemente, Roberto tem concentrado sua carreira ultimamente em shows, e os especiais de fim de ano para a Globo, que para manter os níveis de audiência da emissora, costuma receber convidados bem abaixo de seu nível de história na música, além de não trazer muitas novidades em seu repertório. Mas, voltando ao passado, em dezembro de 1975, enquanto era aguardado o seu lançamento de final de ano, Roberto concedeu a entrevista abaixo ao jornalista Eduardo Athayde, para a revista Pop:
"Todo fim de ano é a mesma coisa: Roberto Carlos lança um LP que fatalmente vai para as paradas de sucesso, onde fica até o fim do ano seguinte. É uma posição cômoda, que ele aceita sem grandes preocupações. Aos críticos, responde com a inabalável popularidade. E aos que cobram aquela liderança que já teve, diante de todos os jovens do Brasil na época da Jovem Guarda, Roberto Carlos explica que sempre se manteve fiel ao romantismo, que é a maior característica de seu trabalho. E completa: 'O amor não tem limites de idade.' A única diferença, diz, é que ele não é mais um jovem ingênuo, e trata os temas de amor de forma mais direta, sem pieguice. Este ano, porém, a expectativa foi maior do que sempre. Diziam que Roberto Carlos estava mudando radicalmente seu trabalho, selecionando com mais rigor suas músicas e dando nova direção aos arranjos. Ao receber Pop para esta entrevista, confessou com humildade: 'Não sei porque toda essa zoeira. Sou sempre o mesmo, só que estou mostrando coisas novas.' E nessas 'coisas novas' teve lugar até um velho sucesso, Quero que Vá Tudo pro Inferno, com roupagem diferente. No papo, deixou claro que não faz questão de ser o 'maior vendedor de discos do Brasil', falou sobre seus amigos Erasmo e Wanderléa, e deixou a pergunta amarga no ar; 'Que longo silêncio é esse?'
Não é nada, não é nada, mas há dez anos Roberto Carlos lidera as paradas de sucesso do Brasil (e de alguns países da América Latina) e é recordista de vendas. Agora, mais uma vez de volta ao Canecão (Rio), num show com produção impecável de Miéli e Boscoli, cenografia arrojada de Mário Monteiro, orquestra sob a regência de Leonardo Bruno e a base coesa do RC-8, Roberto Carlos escolheu um repertório de primeiríssima qualidade para, aos poucos, dar uma mexida nas coisas - embora não pretenda se afastar da linha romântica. Assim lança Mucuripe, de Fagner, Mac Arthur Park, obra-prima de Jimmy Web, Rubby, um dos clássicos de Ray Charles e América, América, de César e Roldão Vieira, onde a letra e a melodia se fundem num clima tenso.
Avesso a entrevistas, Roberto Carlos recebeu Pop com um papo manso. Cachimbando, rindo muito, de longe observa o trabalho de Erasmo e Wanderléa, com os quais formou a Jovem Guarda. Não se assusta com as ameaças de perder o recorde de vendas: 'Isto é muito provinciano.' Idolatrado nos países latino-americanos, Roberto agora se prepara para a conquista do mercado americano. Junto com Hal David, o bem-sucedido parceiro de Burt Bacharach, está fazendo as versões de um LP que gravará em inglês para os EUA. Tranquilo, sem pressa, coerente, humilde, como sempre.
Pop - Todo ano, quando você lança seu LP, um enorme segredo encobre tudo, inclusive o repertório. Neste fim de ano, no entanto, fala-se de mudanças, busca de novos compositores, arranjos mais incrementados. Vai pintar um novo Roberto Carlos?
Roberto - Eu tento melhorar meu trabalho cada vez mais, todo ano faço modificações, e isto está cada vez mais acentuado em meu novo LP. Mas não há mudanças radicais ou um novo Roberto Carlos e sim o mesmo Roberto Carlos com várias coisas novas. Quanto aos arranjos, botei mais molho, peso, swing em algumas músicas como Desenhos na Parede, de Beto Rushel. Realmente ficou um clima bastante diferente do que sempre fiz.
Pop - Além dos novos lançamentos, você regravou quantas músicas?
Roberto - Ao todo quatro: Quero que Vá Tudo pro Inferno, num embalo brabo mesmo; Mucuripe, do Fagner, mas numa bem romântica, como a própria música pede; um bolero, lindo, chamado Inolvidable, com uma harmonia da pesada, melodia de primeira e uma letra sensacional; e por fim um carnavalito argentino, bem folclórico, El Magacueño. Esta última, inclusive, foi gravada na Argentina com instrumentistas de folclore mesmo. Também tentei compor com Tom Jobim e Milton Nascimento, mas os desencontros tornaram impossível realizar este velho sonho. E desta vez só gravei quatro músicas que fiz de parceira com Erasmo Carlos. Para tanto, passamos um tempão escondidos no mato para trabalhar em paz. Gosto muito das novas músicas: Além do Horizonte, Seu Corpo, O Quintal do Vizinho e Olha.
Pop - E como reagiu às guinadas de Erasmo Carlos e Wanderléa, que fizeram tanto sucesso com um novo trabalho, principalmente o Erasmo, que entrou numa de rockão mesmo e se deu muito bem?
Roberto - Bicho, pra ser sincero, tomei o maior susto da minha vida quando vi o show do Erasmo! Que coragem, cara! O Erasmo é o rei da timidez e de repente estava no palco de uma maneira sensacional... O mais bacana é que eu sabia que ele estava fazendo um negócio que já curtia há muito tempo. O rock corre nas veias dele muito mais que nas minhas. O que faltava era o bicho se soltar. Seu trabalho foi muito bem cuidado, a banda de primeiríssima qualidade e até a expressão corporal estava irretocável. Eu e Narinha sempre demos muita força para que ele entrasse nessa, mas eu não acreditava que ele fosse tão corajoso. De Wanderléa, só ouvi falar até agora. Infelizmente ainda não pude ver seu show, mas pelo que dizem, parece que ela também endoidou de vez, né? "
(continua)
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