"A paixão de Paulinho pela escola de samba da Portela é algo que não se pode explicar. Algo tão sensorial que, como frisou o poeta Hermínio Bello de Carvalho, é um amor 'que os olhos não conseguem perceber, as mãos não ousam tocar, e os pés evitam pisar'. Só que tem um detalhe: a letra, feita para uma música de Paulinho da Viola reverenciava a maior rival da Portela, tendo o ostensivo título de Sei Lá, Mangueira. Paulinho, ao que consta, ficou agastado com o parceiro que cometeu a heresia. Quem ficou possesso, porém foi o pessoal da escola, que não queria deixar o compositor (de sua ala de compositores!) frequentar a quadra da Portela. Foi um custo. Paulinho lembra: 'O pessoal ficou enciumado com a letra. Tive que explicar, então, que a letra era de Hermínio, que pretendia montar um show, que acabou não acontecendo, sobre a Mangueira, Foi difícil para o pessoal da Portela aceitar...'
No duro mesmo, os portelenses só reabilitaram Paulinho no ano de 1970, quando ele lançou o antológico Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida. Coincidência ou não, essa música lançou-o definitivamente junto ao grande público. Era uma época ruim para o samba, época em que as grandes expressões da MPB estavam fora do Brasil. Paulinho deu força à nossa música, mostrou que o samba não estava morto, só precisava de motivação, para explodir.
'Nesse tempo - lembra - tudo o que 'cheirasse a brasileiro', usando um termo do Vianinha (Oduvaldo Viana Filho, teatrólogo falecido), fazia as pessoas torcerem o nariz. Ninguém queria tomar conhecimento. Houve, também, o equívoco das pessoas quanto ao tropicalismo, que tinha propostas de grande abertura e, ao mesmo tempo, era uma coisa terrivelmente crítica e irônica. Quando eu lancei Foi um Rio..., essa fase estava declinando, e havia uma certa repressão em cima do pessoal da tropicália.'
Bons tempos, aqueles, em que Paulinho passou a trocar impressões com gente de sua geração - embora de formações diferentes. Ele, por volta de 65, já se mostrava fiel às origens mais populares do samba, fazendo uma música balançada e simples, sem preciosismos. E os outros? Os outros eram Gil, Capinam, Chico, Caetano, gente que, a rigor, era curtidíssima pelas plateias universitárias, enquanto Paulinho permanecia na chamada cozinha, fazendo sua música sem pretensões. E vieram os festivais, autênticas feiras-livres de compositores, onde pintaram todos os grandes cartazes brasileiros, sem exceção. Paulinho esteve lá, com Sei Lá, Mangueira, em 68 (Record), com Coisas do Mundo, Minha Nega (Festival do Sambão)(*). No ano seguinte, ele comete uma façanha que surpreende meio mundo. Apresenta uma música de requintada elaboração, ritmo cinematográfico, versos em contraponto, chamada Sinal Fechado. É o diálogo angustiado entre duas pessoas que casualmente se encontram, cada um dentro do seu carro, num sinal de trânsito. Foi uma façanha e um choque, mesmo para os chamados críticos especializados. Sim, porque designativos como elaboração, requinte, concretismo, até aquela altura pelo menos, estavam reservados a compositores que tivessem formação universitária, que frequentassem saraus lítero-musicais. Naquelo ano de 1969, Paulinho da Viola obrigou os especialistas a reverem seus pontos de vista. E ele passou a ser respeitado. Já era tido como um bom músico, bom fazedor de melodias; agora, era também, um poeta de mão cheia.
Sem se preocupar com o sucesso, sem se deslumbrar com as ilusões, vivendo à base das descobertas que faz - que as coisas estão no mundo - Paulinho vem gravando um LP por ano, desde 1970. Invariavelmente, são discos bem cuidados, cuidados que começam, é óbvio, na escolha do repertório, e que se prolongam na concepção da capa, que vem sendo desenhada por Elifas Andreato. Essa regularidade iria desaguar, finalmente, na dupla obra-prima que ele realizou com o Memórias. Por que esse título? 'Acho o termo meio desgastado - responde ele. Sugere uma volta ao passado, um retrocesso, e não é esse o objetivo do meu trabalho. Prefiro resumir a discussão em torno de cultura popular, ao problema da falta de memória. O que ela carece é de preservação'. Habitualmente identificado como compositor tradicional, Paulinho não aceita o argumento: 'Apenas não sou de dar saltos. Me preocupo com o novo, mas não faço disso uma obsessão. Sou muito desconfiado com inovações, por isso, uso de muita cautela com elas em meu trabalho. Mas é uma preocupação constante.'
No momento, Paulinho da Viola não tem maiores planos. Muito satisfeito com a repercussão de seu trabalho musical, inclusive em termos de vendagem e programação de rádio, ele encontra tempo para cultivar outra face (oculta e amadora) do seu talento: a do artesão que se dedica à construção de móveis, com a mesma paciência e empenho que caracterizam seu ofício de compositor. Humilde sempre, ele também diz que está aprendendo a mexer com as ferramentas que estão no mundo..."
(*) O nome correto desse festival é Bienal do Samba
Bons tempos, aqueles, em que Paulinho passou a trocar impressões com gente de sua geração - embora de formações diferentes. Ele, por volta de 65, já se mostrava fiel às origens mais populares do samba, fazendo uma música balançada e simples, sem preciosismos. E os outros? Os outros eram Gil, Capinam, Chico, Caetano, gente que, a rigor, era curtidíssima pelas plateias universitárias, enquanto Paulinho permanecia na chamada cozinha, fazendo sua música sem pretensões. E vieram os festivais, autênticas feiras-livres de compositores, onde pintaram todos os grandes cartazes brasileiros, sem exceção. Paulinho esteve lá, com Sei Lá, Mangueira, em 68 (Record), com Coisas do Mundo, Minha Nega (Festival do Sambão)(*). No ano seguinte, ele comete uma façanha que surpreende meio mundo. Apresenta uma música de requintada elaboração, ritmo cinematográfico, versos em contraponto, chamada Sinal Fechado. É o diálogo angustiado entre duas pessoas que casualmente se encontram, cada um dentro do seu carro, num sinal de trânsito. Foi uma façanha e um choque, mesmo para os chamados críticos especializados. Sim, porque designativos como elaboração, requinte, concretismo, até aquela altura pelo menos, estavam reservados a compositores que tivessem formação universitária, que frequentassem saraus lítero-musicais. Naquelo ano de 1969, Paulinho da Viola obrigou os especialistas a reverem seus pontos de vista. E ele passou a ser respeitado. Já era tido como um bom músico, bom fazedor de melodias; agora, era também, um poeta de mão cheia.
Sem se preocupar com o sucesso, sem se deslumbrar com as ilusões, vivendo à base das descobertas que faz - que as coisas estão no mundo - Paulinho vem gravando um LP por ano, desde 1970. Invariavelmente, são discos bem cuidados, cuidados que começam, é óbvio, na escolha do repertório, e que se prolongam na concepção da capa, que vem sendo desenhada por Elifas Andreato. Essa regularidade iria desaguar, finalmente, na dupla obra-prima que ele realizou com o Memórias. Por que esse título? 'Acho o termo meio desgastado - responde ele. Sugere uma volta ao passado, um retrocesso, e não é esse o objetivo do meu trabalho. Prefiro resumir a discussão em torno de cultura popular, ao problema da falta de memória. O que ela carece é de preservação'. Habitualmente identificado como compositor tradicional, Paulinho não aceita o argumento: 'Apenas não sou de dar saltos. Me preocupo com o novo, mas não faço disso uma obsessão. Sou muito desconfiado com inovações, por isso, uso de muita cautela com elas em meu trabalho. Mas é uma preocupação constante.'
No momento, Paulinho da Viola não tem maiores planos. Muito satisfeito com a repercussão de seu trabalho musical, inclusive em termos de vendagem e programação de rádio, ele encontra tempo para cultivar outra face (oculta e amadora) do seu talento: a do artesão que se dedica à construção de móveis, com a mesma paciência e empenho que caracterizam seu ofício de compositor. Humilde sempre, ele também diz que está aprendendo a mexer com as ferramentas que estão no mundo..."
(*) O nome correto desse festival é Bienal do Samba
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