De todos os cantores e compositores surgidos nas últimas décadas, um dos que mais admiro e chamam minha atenção é Arnaldo Antunes. Artista multimídia, atuando não só na música, mas na poesia e nas artes visuais, Arnaldo desde a época dos Titãs já trazia um diferencial, seja em suas letras ou na sua performance no palco, e essa boa impressão se confirmou em sua carreira solo.
Em sua edição de 11 de fevereiro de 2007, a Revista O Globo, que vinha (e ainda vem) encartada nas edições dominicais do jornal, trazia uma matéria de capa com Arnaldo, que reproduzo abaixo:
"Que Chico Buarque é ídolo de muitos ídolos de várias gerações, isso é sabido há décadas. Mas, agora, há outro gênio cuja luminosidade de suas múltiplas faces está enchendo os olhos de artistas de todas as áreas. Todos querem Arnaldo Antunes, um artista da palavra, da música, da dança, das artes gráficas. Paulinho da Viola diz que teria 'muito prazer' se o ex-titã botasse letra em mais um de seus sambas. Eles já são parceiros em 'Talismã'. Bia Lessa diz que pensa sempre em Arnaldo antes de começar qualquer trabalho, de desfiles e instalações. Lenine o convidou para botar fogo, dia 18, no carnaval do Recife. Carlinhos Brown garantiu sua participação, dia 20, para levantar o carnaval da Bahia. Depois da folia, Arnaldo retoma a turnê intimista para multidões, do CD 'Qualquer', na qual, sem percussão, recria um clima João Gilberto (com timbre de violoncelo), em apresentações previstas no Circo Voador e no Espaço Tom Jobim, no Jardim Botânico. Jeitinho tímido, ele fica quase mudo ao perceber tantos fãs famosos.
- Acho bacana, mas nem saberia o que dizer sobre a opinião dessas pessoas a meu respeito...
Parece um homem comum. Mas há algo extremamente complexo em Arnaldo Antunes. Se é caseiro e gosta de comer pizza aos domingos em São Paulo com os quatro filhos, também vive na estrada, compondo compulsivamente em hotéis e camarins com os músicos dos mais diversos gêneros. Se denunciava, aos berros de rock'nroll, os 'bichos escrotos' do Brasil, agora dispensa o peso da percussão para valorizar a suavidade das canções. A proposta intimista de 'Qualquer', ótima para uma casa noturna, levou ao delírio 15 mil pessoas num estádio no Uruguai. Ele diz que continua a tocar na essência da condição humana, nas emoções mais primitivas, mas, agora, de maneira mais suave.
- Quando penso em fazer uma canção, tenho sempre este desejo de alterar a consciência das pessoas, dando luz sobre algumas situações emocionais. O que vale é a surpresa de uma informação sobre algo simples, como o fato de que Bush e Saddam Hussein já foram nenéns e sentiram medo - diz, referindo-se à letra de 'Saiba', título do penúltimo CD.
Esta busca do primitivo emocional e social, 'daí os tribalistas, o espírito da tribo', revela o romantismo do homem que ama, muitas vezes, 'como um Roberto Carlos', e até colecionava álbuns de figurinhas da Jovem Guarda.
- Minhas músicas 'Se tudo pode acontecer' e 'Socorro', com letra de Alice Ruiz, são influenciadas pelas baladas de Roberto Carlos, que são uma tradução do que a gente sente. Isso não tem nada de brega, é sofisticadíssimo.
Ele é também simples ao considerar o Brasil um gigante deitado. Mas, antes de se referir ao crescimento econômico, remonta à antropofagia dos modernos.
- O Brasil tem uma originalidade grande a dar ao mundo, que passa pela miscigenação racial, cultural, culinária e religiosa. Isso vaza de uma forma muito rarefeita.
O otimismo com o Brasil e com a vida em geral - 'O Brasil tem que dar certo', diz - vem da certeza de que o apreço pela cultura pode salvar vidas e ajudar o país a resolver a longa lista de suas deficiências internas.
- Sou otimista em relação ao Brasil, apesar dos problemas profundos de miséria, de violência, de corrupção e de educação. A gente tem muito trabalho pela frente, muita conscientização a ser feita. Investir nesse lado bom é basicamente priorizar a questão da educação. Se existe uma solução para a violência, que é crescente nas periferias das grandes cidades de todo o Brasil, isso passa pela educação. A gente precisa pensar num futuro mais largo. Não é só pôr mais polícia nas ruas. A violência não é só isso - comenta.
Para enfrentar a violência, Arnaldo Antunes diz que é preciso dar alternativas aos jovens:
- Não é só comida. Se estes jovens tiverem alternativas de cultura, de esporte, de arte e de emprego, de condições mínimas, de cidadania, onde vivem, isso será mais sedutor que a marginalidade. Mas é um trabalho a longo prazo, você tem que investir.
E, por falar em violência, o ex-doidão de drogas ilícitas, hoje só fuma cigarro e bebe vinho ('Embora esteja cada vez mais ilícito fumar cigarro'), mas defende a descriminalização:
- Acho que toda substância entorpecente, que eu nem chamaria de droga, deveria ser descriminalizada. Cada pessoa deveria ter a liberdade de optar sobre o que deseja fazer com seu corpo, sua mente e seu espírito. Há tradições culturais de uso de substâncias entorpecentes inclusive para fins religiosos. Não é caso de polícia. É uma discussão complexa, porque há envolvimento de organizações criminosas, que são verdadeiros poderes econômicos. Mas a descriminalização do uso deveria ser uma medida mais civilizada.
(continua)
Esta busca do primitivo emocional e social, 'daí os tribalistas, o espírito da tribo', revela o romantismo do homem que ama, muitas vezes, 'como um Roberto Carlos', e até colecionava álbuns de figurinhas da Jovem Guarda.
- Minhas músicas 'Se tudo pode acontecer' e 'Socorro', com letra de Alice Ruiz, são influenciadas pelas baladas de Roberto Carlos, que são uma tradução do que a gente sente. Isso não tem nada de brega, é sofisticadíssimo.
Ele é também simples ao considerar o Brasil um gigante deitado. Mas, antes de se referir ao crescimento econômico, remonta à antropofagia dos modernos.
- O Brasil tem uma originalidade grande a dar ao mundo, que passa pela miscigenação racial, cultural, culinária e religiosa. Isso vaza de uma forma muito rarefeita.
O otimismo com o Brasil e com a vida em geral - 'O Brasil tem que dar certo', diz - vem da certeza de que o apreço pela cultura pode salvar vidas e ajudar o país a resolver a longa lista de suas deficiências internas.
- Sou otimista em relação ao Brasil, apesar dos problemas profundos de miséria, de violência, de corrupção e de educação. A gente tem muito trabalho pela frente, muita conscientização a ser feita. Investir nesse lado bom é basicamente priorizar a questão da educação. Se existe uma solução para a violência, que é crescente nas periferias das grandes cidades de todo o Brasil, isso passa pela educação. A gente precisa pensar num futuro mais largo. Não é só pôr mais polícia nas ruas. A violência não é só isso - comenta.
Para enfrentar a violência, Arnaldo Antunes diz que é preciso dar alternativas aos jovens:
- Não é só comida. Se estes jovens tiverem alternativas de cultura, de esporte, de arte e de emprego, de condições mínimas, de cidadania, onde vivem, isso será mais sedutor que a marginalidade. Mas é um trabalho a longo prazo, você tem que investir.
E, por falar em violência, o ex-doidão de drogas ilícitas, hoje só fuma cigarro e bebe vinho ('Embora esteja cada vez mais ilícito fumar cigarro'), mas defende a descriminalização:
- Acho que toda substância entorpecente, que eu nem chamaria de droga, deveria ser descriminalizada. Cada pessoa deveria ter a liberdade de optar sobre o que deseja fazer com seu corpo, sua mente e seu espírito. Há tradições culturais de uso de substâncias entorpecentes inclusive para fins religiosos. Não é caso de polícia. É uma discussão complexa, porque há envolvimento de organizações criminosas, que são verdadeiros poderes econômicos. Mas a descriminalização do uso deveria ser uma medida mais civilizada.
(continua)
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