"Conseguida a aprovação, ainda demorou alguns meses o processo de gravação. 'Tom mexeu pra cima e pra baixo até a letra ficar concisa' - diz Athayde - 'mas até hoje não ficou satisfeito. Aí começou-se a mexer na harmonia da música. Tom é o cara mais detalhista do mundo. Depois dela ter sido reformulada durante oito mil chopes no antigo Zepelim, sentiu que poderia ser gravada. Escreveu um arranjo prum sexteto de flautas, peguei o violão, e fomos pro estúdio. A gravação ficou com um andamento apressado porque havia um compromisso com a execução de rádio. E como tocou! Fiz um programa inteiro do Aldezon Alves na Rádio Globo à tarde, só com este Disco de Bolso.'
'Essa gravação marcou duas coisas importantíssimas: o show que fizemos no Rio de lançamento do disco trouxe o Tom de volta a palco de teatro depois de vários anos. E com Águas de Março, ele esboçava a trilogia Matita Perê-Urubu-Terra Brasilis, com músicas que tratavam do Brasil. Agora, todo mundo fala dessa terra, mas foi Tom que deflagrou essa brasilidade.'
Do outro lado de Tom Jobim, o famoso compositor da bossa-nova, conhecido mundialmente, um moço do interior de Minas, totalmente desconhecido: João Bosco. Como é que ele entrou nessa história? Sérgio conta que 'no momento em que se espalhou a notícia do disco de bolso, a quantidade de pessoas que nos procurou... Eu tinha na minha casa um estúdio aberto pra músicos, que vinham, me visitavam, a gente trocava umas ideias. E eu estava juntando umas pessoas pra trabalhar como compositor no meu filme A Noite do Espantalho: aí apareceu Alceu Valença, João Bosco, Belchior...
Athayde: 'Sérgio me telefonou, 'temos várias opções pro outro lado, mas tem um cara que você tem que ouvir', Fui pra lá. João Bosco tímido pra cacete, absolutamente apavorado, tomando uma cana. Mas, quando começou a tocar o violão, deflagrou um processo, que vinha do nada e ia num crescendo... Tocou a noite inteira, e concluímos que era o sujeito ideal pra ficar do outro lado do Tom. Gravamos Agnus Sei e foi um sucesso. Tocou pra burro no rádio. Foi isso que lançou João Bosco e Aldir Blanc. Na época, não existia nada deles.'
João Bosco |
O disco era suplemento de uma revista feita pelo pessoal do Pasquim, cartuns do Jaguar, artigo do Sérgio Cabral, muita bolação, e estourou nas bancas. Um mês depois saiu o segundo número. Do qual Athayde conta a história:
'Achamos que o segundo nome só podia ser Caetano Veloso, que tinha voltado dos seus exílios. Caetano tava muito pra baixo, muito triste. Depois de sua prisão, do exílio, houve um boicote desgraçado. André Midani fez questão de gravar discos com eles em Londres, discos bonitos, mas afastados do seu país e de sua língua. O espaço deles tava pequeno quando voltaram... Além disso, a rapaziada esperava que Caetano voltasse quebrando tudo, e, mais uma vez, pegou apenas seu violão e cantou coisas simplíssimas.'
'Fui conversar com ele, e, de primeira, ele e Gil apoiaram o projeto. Além de acharem a ideia boa, era uma forma deles participarem de alguma coisa. Sentiam a necessidade de participar de um movimento musical, mesmo que não do político.'
'Caetano preferiu não gravar uma música sua. Inclusive falou: 'Vou voltar ao Brasil por intermédio de Luiz Gonzaga'. Ele já tinha essa gravação ao vivo de A Volta da Asa Branca, e nos deu a fita. Havia uma falha na gravação, mas o Disco de Bolso não era um negócio pra 16 canais, era um registro fiel da maneira mais simples. Peguei a fita dele e só demos um pouco de concisão. E Caetano voltou mesmo. Essa faixa fez um sucesso que não acabava mais.'
O desconhecido dessa vez entrou por acaso. Ou, talvez, por essa garra alucinada que Raimundo Fagner sempre teve. 'Na gravação de Águas de Março, eu (Athayde) tava deixando o Tom fazer um improviso vocal. Ele tinha levado uma garrafa de Old Smuggler, era uma tarde ótima, e fez o improviso que está no disco e que se perpetuou pelos tempos afora como parte da música. Eu tava no aquário, fone no ouvido, quando entrou uma figura magra, muito parecida comigo. Nunca tinha visto esse cara. Ele ficou assim do lado, e falei: 'Tom, vamos repetir'. Fingi que ia repetir, mas, na verdade ia gravar, porque com o Tom não dá pra ficar mexendo muito que acaba ficando mecânico. No que falei isso, o cara teve um ataque histérico: 'Porra! Deixa o cara fazer isso, é tão bonito, deixa ele fazer!' Começou a gritar no estúdio! Eu nem o conhecia! Ficou fora de si pela beleza do improviso do Tom. Pedi gentilmente que ele se retirasse, 'me espera lá fora', e falei com os outros: 'Quem é esse louco? Bota esse cara pra fora!' Mas depois fomos beber, tomamos milhões de chopes. Ele disse: 'Olha eu sou o Fagner'. Tudo bem.' "
(continua)
'Fui conversar com ele, e, de primeira, ele e Gil apoiaram o projeto. Além de acharem a ideia boa, era uma forma deles participarem de alguma coisa. Sentiam a necessidade de participar de um movimento musical, mesmo que não do político.'
'Caetano preferiu não gravar uma música sua. Inclusive falou: 'Vou voltar ao Brasil por intermédio de Luiz Gonzaga'. Ele já tinha essa gravação ao vivo de A Volta da Asa Branca, e nos deu a fita. Havia uma falha na gravação, mas o Disco de Bolso não era um negócio pra 16 canais, era um registro fiel da maneira mais simples. Peguei a fita dele e só demos um pouco de concisão. E Caetano voltou mesmo. Essa faixa fez um sucesso que não acabava mais.'
O desconhecido dessa vez entrou por acaso. Ou, talvez, por essa garra alucinada que Raimundo Fagner sempre teve. 'Na gravação de Águas de Março, eu (Athayde) tava deixando o Tom fazer um improviso vocal. Ele tinha levado uma garrafa de Old Smuggler, era uma tarde ótima, e fez o improviso que está no disco e que se perpetuou pelos tempos afora como parte da música. Eu tava no aquário, fone no ouvido, quando entrou uma figura magra, muito parecida comigo. Nunca tinha visto esse cara. Ele ficou assim do lado, e falei: 'Tom, vamos repetir'. Fingi que ia repetir, mas, na verdade ia gravar, porque com o Tom não dá pra ficar mexendo muito que acaba ficando mecânico. No que falei isso, o cara teve um ataque histérico: 'Porra! Deixa o cara fazer isso, é tão bonito, deixa ele fazer!' Começou a gritar no estúdio! Eu nem o conhecia! Ficou fora de si pela beleza do improviso do Tom. Pedi gentilmente que ele se retirasse, 'me espera lá fora', e falei com os outros: 'Quem é esse louco? Bota esse cara pra fora!' Mas depois fomos beber, tomamos milhões de chopes. Ele disse: 'Olha eu sou o Fagner'. Tudo bem.' "
(continua)
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