Em 1976 o jornal Hit Pop, que vinha encartado na revista Pop, trazia uma matéria de capa com Paulinho da Viola, que estava lançando dois discos simultaneamente: Memórias Cantando e Memórias Chorando, sendo o segundo um disco instrumental de chorinho. Um texto de apresentação da edição do jornal dizia:
"Com o lançamento dos LPs Chorando e Cantando - na verdade, um álbum duplo desmembrado - Paulinho da Viola inicia de maneira brilhante a terceira fase de sua carreira. Até a gravação da antológica Sinal Fechado, Paulinho praticamente se perdia na multidão de bons sambistas que, no panorama então pouco comercial do gênero, brigava por um lugar. Através da letra quase concretista de Sinal Fechado, o público descobria a força e a importância da poesia de Paulinho, e ele logo passou ao primeiro time entre os nossos sambistas urbanos. Agora, com Chorando e Cantando, Paulinho faz uma renovação histórica de duas das mais importantes manifestações populares brasileiras: o samba e o choro. Nasce, portanto, o Paulinho/síntese, bom de briga tanto no violão como no cavaquinho."
Abaixo transcrevo a matéria, assinada por Ruy Fabiano:
"Como um pescador afeito a mares tempestuosos, e por isso mesmo humilde diante da vida e dos elementos, ele sabe quie é preciso aprender, sempre. E, embora reconhecido como um paradigma da autêntica música popular brasileira, não se deslumbra nem sai por aí anunciando o novo: as coisas, afinal, estão no mundo.
Paulo Cesar Baptista de Faria é um carioca de 34 anos, síntese bem formulada de duas de nossas típicas manifestações musicais, o samba e o choro. Filho do violonista Cesar Faria, que tocava no conjunto Época de Ouro, acompanhando o lendário Jacob do Bandolim, Paulinho foi criado na intinidade das sessões de choro. Carioca, ele desde cedo ligou-se ao carnaval e ao samba, amarrando-se nas cores azuis da Portela, 'um rio que passou em minha vida'. Assim, entre o choro e o samba, ele consegue produzir dois discos que, certamente, já estão incorporados à história da música brasileira: Memórias. Num deles, Paulinho da Viola dá vazão a seu talento de compositor e sambista: é o LP que levou o subtítulo Cantando. No outro, ele se revela para o público como um exuberante solista de cavaquinho e, acima disso, como um compositor de chorinhos na melhor estirpe de Pixinguinha: é o LP que levou o subtítulo Chorando. Por essas duas obras, que resumem uma carreira de doze ou treze anos, Paulinho já forma no primeiro time da nossa música. O próprio Cartola, inclusive, nomeou Paulinho como legítimo herdeiro musical de sua obra, uma indicação que não deixa de ter sua importância.
Habituado desde garoto a frequentar rodas de choro e de samba, Paulinho nunca teve dúvidas quanto a seu futuro: seria mesmo a música. Nem mesmo seu pai, conhecedor das agruras da profissão de músico, pôde alterar seus rumos, e talvez nunca tenha tentado ir além de alguns poucos conselhos. 'Sambista não tem valor, nesta terra de doutor', disse o velho Cesar a seu filho, quando este completou 14 anos. Boa memória, a frase seria inserida num samba de anos mais tarde, musicado pelo próprio Paulinho. Ele, aliás, é um dado a mais para confirmar a tese do filho de peixe, peixe é: seus ouvidos se acostumaram aos acordes elaborados do choro clássico, da mesma forma que o rock nunca fez parte de seu repertório auditivo. A mesma história de sempre: todo homem tem seu lugar e seu tempo, Paulinho da Viola, sendo resultado de uma infância frutífera (pois desenvolveu sua musicalidade latente) e bem vivida (pois ele nunca precisou recusar o velho nem perseguir o novo).
Os primeiros toques de violão - que a viola não é seu forte, é apenas um aposto dado por Sérgio Cabral - ele aprendeu com Zé Maria, um dos parceiros do pai. Nessa época, já desfilava pelo bloco 'Foliões da Rua Anália Franco', em Vila Valqueire (subúrbio carioca), onde teve sua primeira experiência como compositor. No ano seguinte, 1961, saiu numa escola de samba, a União de Jacarepaguá.
'Em 1963 - prossegue - através do meu primo Oscar Bigode, que era diretor de bateria, fui levado à Portela. Fiquei conhecendo compositores como Casquinha, Zé Keti, João da Gente, e muitos outros que me influenciaram bastante. Logo depois, fazia parte da ala dos compositores da escola'. No meio de velhos sambistas de tradição, que traziam na bagagem muitos anos de disputas, enredos e partidos-altos, lá estava o jovem Paulo Cesar de Faria, tão novo que ainda não era da Viola. De qualquer maneira, já fazia seus sambinhas discretamente, participando de noitadas musicais regadas a cerveja, e sobrevivendo num modesto emprego de escriturário de banco..."
(continua)
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