Palavras Domesticadas

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terça-feira, 10 de novembro de 2015

A Suprema Percussão de Naná Vasconcelos - Revista Qualis (1995) - 2ª Parte

" Voltou em 77 para Nova York, de onde não mais saiu, a não ser para fazer eventuais trabalhos - não poucos - na Europa, Japão e Brasil. Entre os quais se destaca a colaboração com Don Cherry no grupo CoDoNa (Colin-Waycott+Don Cherry+Naná Vasconcelos). E com Egberto Gismonti, quando participou do antológico disco Dança das Cabeças. Sem esquecer, é claro, os próprios álbuns solo de sua extensa discografia, valendo citar o notório primeiro disco Amazonas (72) e o terceiro Saudades (80) onde foi acompanhado por uma orquestra sinfônica.
Em março, Naná está como diretor do II PercPan - Panorama Percussivo Mundial - nos dias 27 a 30, em Salvador. Em 94, ele participou como ilustre convidado no festival que reuniu ritmos de vários pontos do planeta, em shows e workshops. Sob sua batuta, este ano a intenção foi maior ainda, abrangendo músicos dos EUA, América Central, Senegal, Índia, Indonésia e Uruguai etc., além dos nacionais Milton Nascimento, Gilberto Gil, Carlinhos Brown e Marcos Suzano, reunidos com Naná na banda  Brasil de abertura do evento. Nada mais justo para um artista que sempre se preocupou com a amplitude das linguagens sonoras. Ser presidente do II PercPan é mais que uma função executiva para Naná, é um tributo e reconhecimento a um dos maiores da percussão internacional.

O PENSAMENTO DE NANÁ

Qualis - O que te despertou para a música? Como foi o contato com a percussão?
Naná Vasconcelos - Eu fui criado num ambiente musical por causa de meu pai que era músico. Depois comecei a tocar bateria na banda dele e posteriormente aprendi a usar todos os instrumentos de percussão, principalmente o berimbau.
Qualis - Dos músicos que você já tocou junto, qual foi a melhor experiência?
Naná - São muitos nomes, mas é evidente que Milton Nascimento me abriu várias portas no início de carreira. Egberto Gismonti foi muito frutífero também. Lá fora, a colaboração mais importante foi com Don Cherry, que era um dos meus ídolos, no grupo Codona.
Naná tocando com Egberto Gismonti
Qualis - Com um ecletismo tão grande, quais são suas principais influências?
Naná - Eu gosto de muita coisa, do pioneirismo de Villa-Lobos à energia do rock dos Paralamas do Sucesso. O que me influencia é com quem estou trabalhando no momento. Na casa do Pat Metheny, por exemplo, ele me fez despertar para a tecnologia, para  a eletrônica, e apesar de preferir a sonoridade acústica, hoje em dia eu uso até percussão eletrônica quando preciso.
Qualis -  Você sabe explicar a razão da tradição de tantos percussionistas brasileiros?
Naná - Por causa da variedade de regiões e raças existentes aqui que possibilitam uma riqueza musical muito grande. Enquanto lá fora você tem a bateria, as maracas, aqui temos a cuíca que vem de um lugar, o berimbau que vem de outro, o pandeiro que é cigano, o agogô, o ganzá e muitas outra opções. Ritmos como o samba só poderiam ter surgido no Brasil mesmo.
Qualis - E o que você acha dessa nova geração de músicos que estão utilizando a percussão e misturando ritmos brasileiros com outros estilos como Carlinhos Brown e a Timbalada na Bahia, e os seus conterrâneos Chico Science e Mundo Livre S/A em Pernambuco?
Naná - Eu acho bom, inclusive já toquei com o Mundo Livre. É um começo para músicos que estão procurando uma identidade nacional, pois não temos a necessidade de parecer estrangeiros, já que vivemos outra realidade. A gente não precisa procurar lá fora o que temos de sobra aqui. Não dá também para disputar com  a tecnologia do exterior, então temos que usar nossas coisas mesmo. Na verdade esta tendência ainda não está sintetizada, o estilo está cru, veja a Timbalada que apresenta um só timbre em todas as suas músicas porque não exploram totalmente a poliritmia daqui. Mas ao menos é um ponto de partida.
Qualis - O músico brasileiro que foge de padrões comerciais, normalmente só é respeitado no exterior, onde a aceitação para a música instrumental, jazz e outros gêneros é maior. E no Brasil, você acha que seu valor é devidamente reconhecido?
Naná - Ainda não, tanto que só tenho três discos lançados aqui, então por isso eu estou vindo mais ao país ultimamente. Eu tenho um estilo pessoal que não tem aceitação popular, mas algumas pessoas mais interessadas, principalmente os mais jovens, estão descobrindo minha música através do rock e de outros artistas. O trabalho educacional com as crianças e o reconhecimento do público jovem estão sendo muito gratificantes.
Qualis -  Existe algum projeto futuro?
Naná - Sim. Continuar com o projeto ABC Musical em outras cidades, e organizar o Festival Internacional de Percussão (PercPan), na Bahia.

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