A revista Música nº 41 - 1980, trazia uma matéria com Walter Franco, compositor que desde a década anterior ficaria marcado pela fama de "maldito", por causa de seu trabalho experimental. A matéria é assinada pelo jornalista André Mauro:
"Em quinze anos de estrada, Walter Franco foi apresentador tranquilo de um programa radiofônico de MPB, o compositor estreante que reverenciava 'Che' Guevara, o profeta maldito e marginal de uma geração explosiva e, afinal, o cativante propagador de uma mística da natureza, da simplicidade e da harmonia. Agora tenta conciliar todas essas facetas num trabalho 'Vela Aberta' que verte a complexidade das relações exterior-interior, causa-efeito, yin-yang, masculino-feminino, numa linguagem simples e próxima ao cotidiano.
Walter Franco já nem se lembra das datas de início e encerramento de seu programa Marcando Bossa, na Rádio Marconi. 'Só sei que foram uns dois ou três anos seguidos, na segunda metade da década de 60'. Diariamente, com voz pausada, ele ia introduzindo as canções de Geraldo Vandré, Edu Lobo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Sidney Miller, Sérgio Ricardo e tantos outros valores que ainda não entravam com assiduidade na programação da maioria das emissoras. E, se o repertório ajudava, o próprio estilo de Walter contribuiu para a surpreendente audiência conquistada pelo Marcando Bossa (chegou a ser o terceiro no horário!). Era, segundo suas palavras, 'uma conversa em frequência mais íntima', com recursos inovadores para a época, como a utilização de colagens de trechos de músicas e versos por ele destacados, para se chegar ao título da faixa a ser apresentada. Tudo isso sob uma orientação básica, 'pouca fala e muita música nossa'.
'Eu era um adolescente, com todos aqueles anseios de busca. Os canais de informação que utilizava para extrapolar tais anseios eram as coisas que aconteciam no mundo todo. Além disso, a especialização da MPB tinha então muito a ver com a poesia, a língua portuguesa, que sempre considerei muito rica e passível de aperfeiçoamento.'
Walter mostra-se reticente quando aludimos ao passado político de seu pai, Cid Franco, que certa vez se candidatou a governador pelo Partido Comunista Brasileiro. Prefere destacar a última etapa de sua evolução política, 'quando atravessou uma transformação cíclica, da juventude para a maturidade. Então trocou o materialismo pelo espiritualismo, modificando sua postura político-ideológica. Foi o primeiro vereador socialista-democrático em nosso país, acumulou sucessivos mandatos de vereador e deputado estadual pelo Partido Socialista Brasileiro, durante treze anos.
O velho Cid é até hoje homenageado pelo filho, que tem musicado várias de suas poesias. E Walter explica que a relação entre ambos sempre foi 'fraternal e harmônica, sem nenhum choque de gerações'. Fala com muito carinho da educação familiar, que lhe possibilitou 'essa ligação com a música, literatura, coisas das tintas, das cores'. E conclui: 'Guardo do meu pai a imagem de um apóstolo da não-violência, estudioso de Ghandi, que não colocava quaisquer restrições de cunho ideológico às relações entre as pessoas. Talvez seja este o maior legado que deixou, meu principal aprendizado'.
Da mesma forma que seu pai, Walter viveu uma fase próxima à esquerda ortodoxa, inclusive estreando como compositor com um necrológio grandiloquente a 'Che' Guevara, Não Se Queima um Sonho. Defendida por Geraldo Vandré num festival universitário pela TV Tupi, tratava-se de uma canção bem ao feitio da época ('Vem, meu companheiro 'Che', começava ela, e os aplausos e algazarra imediatamente eclodiam, encobrindo o resto). Hoje Walter dificilmente endossaria ideias e versos tão óbvios e talvez daí advenha um certo constrangimento ao tocar no assunto. Mas, em pleno 1968, que mais se poderia esperar de quem sente pulsar sob sua arte 'um ideal exacerbado de justiça'?
'Paralelamente ao Marcando Bossa eu me exercitava na coisa da música, estudava bastante. E também me senti atraído pelo teatro, seguia o curso da EAD (Escola de Arte Dramática), tive até oportunidade de musicar algumas algumas peças. Minhas composições obtinham boa repercussão nos festivais universitários da Tupi, quer dizer, dividiam as opiniões, era sempre gostar ou não gostar, sem meio termo. E, em 1972, eu estava pronto para apresentar uma linguagem individual, própria, no meu trabalho.'
E veio o Festival Internacional da Canção, a ousadia de mostrar uma proposta da vanguarda a um público que desde o fim do tropicalismo consumia apenas o dé ja vu. 'Pertenço àquela geração que de repente, descobriu uma informação imensa explodindo lá fora: Beatles, a eletrônica, a possibilidade completa de uma linguagem nova. Então, com 'Cabeça' aceitei o desafio de tocar a coisa adiante, ao invés de guardar só para mim e os amigos aquelas descobertas'.
Walter em silêncio no palco, o gravador levando ao ar uma parafernália de palavras e frases, o público vaiando. O que significa tudo isso? 'Olha, em primeiro lugar, 'Cabeça' era um exercício de vários personagens, em diferentes canais, uma transa de mixagem, tudo isso. Mas era também uma tomada de atitude, refletia uma postura de insatisfação, minha e de minha geração, em relação a toda aquela realidade. Então resolvi levar o despojamento até o meu instrumento, a voz.'
'Cabeça praticamente revitalizou a MPB, foi como que uma pedra de toque em relação aos criadores da época, aos que lidavam com a comunicação de massa. O próprio Caetano Veloso tentou produzir algo semelhante em 'Araçá Azul', mas o manifesto da nova corrente seria mesmo o LP de estreia de Walter Franco, com a mosca no centro de uma capa toda branca (1973). Gritos primais à John Lennon - quem, então, não tinha dor e sufocamento para extravasar? - o clima lisérgico apropriado para quantos começavam a explorar a mente, a linguagem poética do concretismo, as metáforas poderosas que encucavam os censores (em Mixturação, o 'feto' de 'eu quero que esse feto saia' só passou transformado em 'afeto').
(Continua)
Da mesma forma que seu pai, Walter viveu uma fase próxima à esquerda ortodoxa, inclusive estreando como compositor com um necrológio grandiloquente a 'Che' Guevara, Não Se Queima um Sonho. Defendida por Geraldo Vandré num festival universitário pela TV Tupi, tratava-se de uma canção bem ao feitio da época ('Vem, meu companheiro 'Che', começava ela, e os aplausos e algazarra imediatamente eclodiam, encobrindo o resto). Hoje Walter dificilmente endossaria ideias e versos tão óbvios e talvez daí advenha um certo constrangimento ao tocar no assunto. Mas, em pleno 1968, que mais se poderia esperar de quem sente pulsar sob sua arte 'um ideal exacerbado de justiça'?
'Paralelamente ao Marcando Bossa eu me exercitava na coisa da música, estudava bastante. E também me senti atraído pelo teatro, seguia o curso da EAD (Escola de Arte Dramática), tive até oportunidade de musicar algumas algumas peças. Minhas composições obtinham boa repercussão nos festivais universitários da Tupi, quer dizer, dividiam as opiniões, era sempre gostar ou não gostar, sem meio termo. E, em 1972, eu estava pronto para apresentar uma linguagem individual, própria, no meu trabalho.'
E veio o Festival Internacional da Canção, a ousadia de mostrar uma proposta da vanguarda a um público que desde o fim do tropicalismo consumia apenas o dé ja vu. 'Pertenço àquela geração que de repente, descobriu uma informação imensa explodindo lá fora: Beatles, a eletrônica, a possibilidade completa de uma linguagem nova. Então, com 'Cabeça' aceitei o desafio de tocar a coisa adiante, ao invés de guardar só para mim e os amigos aquelas descobertas'.
Walter em silêncio no palco, o gravador levando ao ar uma parafernália de palavras e frases, o público vaiando. O que significa tudo isso? 'Olha, em primeiro lugar, 'Cabeça' era um exercício de vários personagens, em diferentes canais, uma transa de mixagem, tudo isso. Mas era também uma tomada de atitude, refletia uma postura de insatisfação, minha e de minha geração, em relação a toda aquela realidade. Então resolvi levar o despojamento até o meu instrumento, a voz.'
'Cabeça praticamente revitalizou a MPB, foi como que uma pedra de toque em relação aos criadores da época, aos que lidavam com a comunicação de massa. O próprio Caetano Veloso tentou produzir algo semelhante em 'Araçá Azul', mas o manifesto da nova corrente seria mesmo o LP de estreia de Walter Franco, com a mosca no centro de uma capa toda branca (1973). Gritos primais à John Lennon - quem, então, não tinha dor e sufocamento para extravasar? - o clima lisérgico apropriado para quantos começavam a explorar a mente, a linguagem poética do concretismo, as metáforas poderosas que encucavam os censores (em Mixturação, o 'feto' de 'eu quero que esse feto saia' só passou transformado em 'afeto').
(Continua)
Nenhum comentário:
Postar um comentário