" 'Cinco meses depois, encontrei novamente com essa figura aloprada que tinha invadido o estúdio. 'Tá lembrado de mim?' Pensei: 'meu Deus, vai me dar um murro, alguma coisa assim.' Mas ele disse: 'Agora quero mostrar minhas músicas pra você.' 'PQP! Que inferno! Quer mesmo?' Aí tocou várias músicas. Mucuripe me chamou a atenção pra burro, uma coisa campesina, simples, pensamentos puros, com muita força.'
'Fagner tem a coisa de cantador, canta aos berros, não tem compromisso com com a estética estabelecida. O que faz hoje no Maracanãzinho, já fazia, naquela época, no banheiro. Fagner pode ser romântico, mas aos berros. É um deputado cearense sem o menor pudor. Tem total domínio. Mas Mucuripe é mais Belchior que Fagner, na formação da ideia da letra tem o romantismo e o lirismo das coisas do Belchior.'
'Falei com o Sérgio: 'O outro lado do Caetano tá pronto', Mas ele vetou. Botei a música quase que a tapas, provando que era excelente. E tocou muito. Depois seria gravada por Roberto Carlos e Elis Regina. E Fagner era um cara que até então não tinha tido nenhuma chance.'
Quando se comenta o sucesso do Disco de Bolso, Sérgio Ricardo frisa mais o seu valor histórico, do que sucesso comercial, pois, segundo ele, os lançamentos não venderam tanto quanto se supõe pela sua fama. 'Houve muito sucesso, sim, tanto que até hoje é cobrado a volta do Disco de Bolso. Mas a distribuição foi uma coisa muito maluca - o que é típico do Pasquim - e poderia ter vendido mais.' Parece que não se acreditava muito nas vendas, o forte da distribuição foi só pro Rio. Depois que estourou, tentaram mandar pra São Paulo, mas aí era tarde. 'O show de lançamento em SP, ao invés de ser num teatro, foi numa loja de discos, negócio incrível. Não houve divulgação, não foi um produto lançado no mercado', a propaganda era mais de boca. Saiu uma coisa no Pasquim, mas tudo precário.'
Sérgio, satisfeito: 'Teve uma grande aceitação entre os próprios colegas, que sentiram uma imensa possibilidade. Eles mesmos não teriam condições de fazer isso, nem teriam outras pessoas em quem pudessem confiar esteticamente. Meu prestígio com os compositores deu uma certa força ao evento, além do caráter da revista ser do Pasquim. O Pasquim era um ótimo ponto de venda.'
Mas triste: 'era uma ideia que não era pra morrer. Tinha que dar certo. Aí veio uma grande crise no Pasquim, que não teve condições de bancar um terceiro número. A sociedade resolveu dar um tempo. Eu não tinha condições de fazer isso inteiramente independente, coisa de que me arrependo até hoje. Sozinho, naquela época, era duro, ainda mais que não tenho capacidade comercial pra organizar uma empresa. Houve época em que o Pasquim quis ressuscitar a ideia, mas nunca conseguiu.'
Já imaginaram se tivesse dado certo? Bem, vou dar uma ideia. O terceiro disco seria - e já estava até gravado - Geraldo Vandré com Das Terras do Benvirá, e do outro lado, Elomar. Sim, o próprio. Além da volta do Vandré, na sua primeira gravação após o desterro, a descoberta do incrível cantador Elomar, que somente há uns dois ou três anos, após muita luta, está sendo mostrado pro grande público.
Depois do terceiro, viria Egberto Gismonti com uma música inédita belíssima, e do outro lado, Alceu Valença, também totalmente desconhecido. O próximo seria Gilberto Gil com o lançamento do Expresso 2222, tendo no verso Geraldo Azevedo. E aí viriam os lançamentos de Cirino, Piri Reis... Sérgio lamenta: 'Daí a pouco, ia entrar Cartola! Que pena não ter gravado Cartola!'
Se tivesse continuado, teria antecipado uma série de coisas que mais tarde vieram a ser na MPB. Só de ter revelado Bosco & Blanc, Fagner & Belchior, valeu a pena. Mas quantos mais poderiam estar hoje nos empolgando? Quem sabe até aglutinasse um movimento novo, ou precipitasse já então as produções independentes?
Athayde diz que era realmente um movimento que começava. 'A gente recebia fitas de todo o Brasil, com músicas ótimas. Tínhamos o apoio integral dos artistas estabelecidos, e o tesão dos artistas novos.'
E Sérgio: 'Sim, já estava se tornando uma vanguarda sem panfleto, sem ninguém levantando uma bandeira de sangue. Era algo independente, que não nasceu cheio de mídias.'
'Mesmo não tendo seguido em frente, vale como uma busca de memória, de coisas que deveriam ter dado certo, e que foram escondidas, como as obras de Sidney Miller. Agora, não serviu apenas ao estigma do passado. Continua vivo como evento. Pode surgir hoje e ser o porta-voz de uma vanguarda da música popular, e uma plataforma de informações. Hoje também tem uma série de coisas por aí que não tem saída.'
É isso aí, o sonho do Disco de Bolso não acabou. Quem sabe não estamos abrindo agora mais uma saída?"
Sérgio, satisfeito: 'Teve uma grande aceitação entre os próprios colegas, que sentiram uma imensa possibilidade. Eles mesmos não teriam condições de fazer isso, nem teriam outras pessoas em quem pudessem confiar esteticamente. Meu prestígio com os compositores deu uma certa força ao evento, além do caráter da revista ser do Pasquim. O Pasquim era um ótimo ponto de venda.'
Mas triste: 'era uma ideia que não era pra morrer. Tinha que dar certo. Aí veio uma grande crise no Pasquim, que não teve condições de bancar um terceiro número. A sociedade resolveu dar um tempo. Eu não tinha condições de fazer isso inteiramente independente, coisa de que me arrependo até hoje. Sozinho, naquela época, era duro, ainda mais que não tenho capacidade comercial pra organizar uma empresa. Houve época em que o Pasquim quis ressuscitar a ideia, mas nunca conseguiu.'
Já imaginaram se tivesse dado certo? Bem, vou dar uma ideia. O terceiro disco seria - e já estava até gravado - Geraldo Vandré com Das Terras do Benvirá, e do outro lado, Elomar. Sim, o próprio. Além da volta do Vandré, na sua primeira gravação após o desterro, a descoberta do incrível cantador Elomar, que somente há uns dois ou três anos, após muita luta, está sendo mostrado pro grande público.
Fagner, em foto publicada no Disco de Bolso nº 2 |
Se tivesse continuado, teria antecipado uma série de coisas que mais tarde vieram a ser na MPB. Só de ter revelado Bosco & Blanc, Fagner & Belchior, valeu a pena. Mas quantos mais poderiam estar hoje nos empolgando? Quem sabe até aglutinasse um movimento novo, ou precipitasse já então as produções independentes?
Athayde diz que era realmente um movimento que começava. 'A gente recebia fitas de todo o Brasil, com músicas ótimas. Tínhamos o apoio integral dos artistas estabelecidos, e o tesão dos artistas novos.'
E Sérgio: 'Sim, já estava se tornando uma vanguarda sem panfleto, sem ninguém levantando uma bandeira de sangue. Era algo independente, que não nasceu cheio de mídias.'
'Mesmo não tendo seguido em frente, vale como uma busca de memória, de coisas que deveriam ter dado certo, e que foram escondidas, como as obras de Sidney Miller. Agora, não serviu apenas ao estigma do passado. Continua vivo como evento. Pode surgir hoje e ser o porta-voz de uma vanguarda da música popular, e uma plataforma de informações. Hoje também tem uma série de coisas por aí que não tem saída.'
É isso aí, o sonho do Disco de Bolso não acabou. Quem sabe não estamos abrindo agora mais uma saída?"
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