Em sua edição nº 40 (fevereiro de 1976) a revista Pop trazia uma matéria com Jorge Mautner. Artista inquieto e multifacetado, Mautner é um misto de filósofo, escritor e músico, e desenvolveu ao longo dos anos um trabalho diferenciado e um tanto não compreendido, mas angariou um público próprio e interessado em seu trabalho e sua filosofia. Nos anos 70 realizou um trabalho muito próximo ao rock, e por isso constantemente era citado em revistas do gênero, como a Pop. Na época da matéria, Mautner estava envolvido com a gravação de seu terceiro disco, Mil e Uma Noites de Bagdá. Segue abaixo a matéria:
"Até prova em contrário, Mautner joga no time dos malditos, artistas de reconhecido talento que, por várias razões, não fazem sucesso de público. Desafiado, ele começa a gravar um LP 'para tocar no rádio' e para esgotar nas lojas. As músicas já foram escolhidas, bem como o título do disco: 'Mil e Uma Noites de Bagdá'. A cabeça de Mautner gira como se fosse um caleidoscópio. Como se tivesse mil e uma facetas, seu universo tenta refletir tudo no mesmo tempo. Compositor, escritor, violinista, cineasta e cantor, ele sempre evitou se definir. Prefere permanecer como promessa, posição que não o compromete com qualquer futuro.
'Minha carreira é isto: dois LPs que não deram, em nada, e o sucesso de Maracatu Atômico, gravado pelo Gil. De qualquer maneira, a porta está aberta e não vou deixar cair a peteca. Estou tranquilo: ano passado, fiz um show bem recebido pela crítica e pelo público. Consegui formar uma mini-banda, com o Cantuária (ex-Terço) na bateria, Arnaldo no baixo, Jacobina na guitarra. Com eles gravo agora meu terceiro LP, que vai mostrar as mil-e-uma facetas que compõem o meu universo.
Estou na estrada há muito tempo. Conscientemente, faço da minha vida, do meu trabalho e da minha música, um jogo - para muitos perigoso - que me entusiasma e me estimula a cada minuto. Sou cigano, fada, o cocheiro trágico dos filmes de terror, rindo dos que acham o mundo um vale de lágrimas. Que me interessa uma definição, se pra mim o futuro já era? Eu sou promessa de escritor, compositor, cineasta, cantor, mas o que ninguém sacou é que esta é uma posição consciente, e não um sinal de mediocridade, Ser promessa é renascer a cada segundo. Vejo as coisas como um caleidoscópio: basta um leve toque, e tudo se altera. E são tantas e tão lindas as facetas, que fico inteiramente fascinado. Prefiro morrer na estrada, a ser enquadrado num estilo, num rótulo qualquer.
Sabe, eu adoraria pegar meu violino e sair tocando, até chegar às estrelas. E que os ratos me seguissem, bailando, guinchando, num incrível concerto cósmico. Que me interessa o pregão da bolsa de valores, se há pássaros cantando, dentro de mim?
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