Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

quarta-feira, 10 de março de 2021

Ivan Lins: "Eu, Repetitivo? Nunca!" (Revista MPB - 1981)


 Ivan Lins é de uma geração de compositores que surgiu nos antigos festivais de música da TV ainda na década de 60, no caso de Ivan, os festivais universitários da TV Tupi. Em pouco tempo Ivan ganharia uma projeção enorme, principalmente ao ser contratado mais tarde pela Globo para apresentar um ótimo programa musical que fez história na TV: Som Livre Exportação. Mas a super-exposição trouxe malefícios para sua carreira, e ele teve que se reinventar e buscar sua verdadeira personalidade musical. Em 1981 em entrevista à revista MPB em edição especial sobre ele, Ivan fala um pouco de sua carreira:

" Como você vê sua proposta de trabalho, atualmente?

- Minha proposta de trabalho é a que a gente sempre adotou, que a gente vem adotando principalmente a partir do Somos Todos Iguais Nesta Noite: fazer música e letra da melhor forma possível, dentro de nossos parâmetros, nossas limitações, das informações que a gente veio recebendo desde que resolveu mexer com música. Procurar fazer uma coisa simples, bonita e nova, mantendo sempre nossa personalidade. Não se rotular. Fazer um trabalho baseado em todo tipo de manifestação musical, buscar fontes de criação no folclore brasileiro, na música latino-americana, na norte-americana também, na portuguesa... A nossa proposta, enfim, é fazer música bem feita, direta, honesta, pessoal, com a nossa cara. E literalmente o trabalho do Vitor é isso, é expressar o sentimento em relação à realidade, ao nosso dia a dia, mantendo um nível literário alto, de bom gosto, criativo. É isso. Não tem mistério nenhum.

Muitos consideram 'Novo Tempo' um espetáculo repetitivo, disseram que a fórmula já está gasta. Você concorda?

Eu não vi nada de repetitivo. O que estão chamando de repetitivo é o cara manter sua personalidade viva e forte através dos seus trabalhos. É a gente subir num palco e todo mundo saber que é o Ivan Lins que tá lá. E não um trabalho qualquer, daqueles que todos ficam comentando que 'tá meio parecido com fulano', ou 'isso aí tá meio sicrano', ou 'olha aí, esse cara agora tá indo na onda do beltrano'. Pra não acontecer isso, é preferível ser chamado de repetitivo.

Eu não sei o que certas pessoas querem. Se elas querem perfumaria, modismo, é outro papo. Minha proposta é fazer música: Harmonia, melodia, ritmo, essas coisas todas. Além disso, no espetáculo 'A Noite', eu tinha um determinado tipo de músicos. No outro show eu entrei com percussionista, banda, então já estava diferente. Saí do microfone, cantei fora do microfone, tudo isso.

É claro que 'Novo Tempo', no dia da estreia em São Paulo, não ficou na ponta da agulha, por causa do próprio teatro, da imaturidade de alguns músicos. Três dias depois, já era outra coisa. E no Rio de Janeiro, então, foi uma goleada. Foi até chato, pegou até mal. A gente enjoou de tão bom que estava. O comentário foi unânime, elogios de ponta a ponta.

Então, quando pintam críticas desse tipo, a gente sabe que sempre têm pessoas que não vão com a minha cara, não vão com a cara do Vitor. E por azar elas escrevem em jornal. O que  é que a gente vai fazer?

A saída da Odeon tem algo a ver como fato de Novo Tempo não ter correspondido às expectativas de vendagem? O disco foi mal trabalhado?

Não, não tem nada a ver. Pelo contrário. Novo Tempo foi feito como se fosse o primeiro disco. A gente não pode se dar ao luxo de deixar que mudança de gravadora ou qualquer fator externo, ligado à parte burocrática da carreira, venha afetar a coisa mais importante, que é o nosso produto, a nossa arte, a nossa música. Não tem sentido. Então a aceitação do disco eu acho que foi muito boa. Os espetáculos no Brasil inteiro lotaram, foi aquela loucura toda. Não tive problema a respeito desse disco.

Evidentemente, quando eu gravei o Novo Tempo eu já estava saindo da gravadora. Eles sabiam que eu não ia mais renovar o contrato com eles, que eu ia para outra gravadora. Então eles não tiveram empenho no trabalho desse disco.

Quanto à saída em si, foi por questões de incompatibilidade de gênios, de filosofia. Não teve briga, nada.

Como você encara essa volta à Polygram?

Eu encaro de uma forma muito realista. Mudei para trabalhar com novos  profissionais. É uma companhia que me ofereceu oportunidade de trabalho a nível bem honesto, bem interessante. E bola pra frente.

Os acontecimentos recentes - bomba do Riocentro, proibição a Joan Baez, recrudescimento da censura - levam-no a alguma conclusão diferente sobre o 'novo tempo'?

Quando eu e o Vitor colocamos a proposta do disco, a gente mostrava que o novo tempo na verdade era igual ao velho tempo, só que com algumas mudanças casuísticas, que a própria abertura provocou. Mas que  os problemas principais da sociedade brasileira continuavam intensos, fortes e sem solução. Então, não é novidade nenhuma o recrudescimento da censura, proibições, bomba, terrorismo, tentativa de endurecimento do regime ou qualquer coisa dentro desse gênero. A gente sempre achou que o novo tempo é o velho tempo travestido, com apenas um dado diferente, o povo realmente está mais esperto, criando movimentos sindicais, vários setores da sociedade se agrupando para não deixar a peteca cair de novo.

Que contribuição um artista pode trazer às lutas da sociedade civil hoje?

A contribuição do artista é fazer um trabalho digamos assim solidário, compatível com a própria realidade da sociedade. E nós precisamos seguir o exemplo dessa sociedade, principalmente dos operários, esse pessoal que já tem sindicatos, e eles funcionam, reivindicam. Nós, artistas, temos sindicatos, mas eles não funcionam, não cumprem seu papel. Então, devemos nos reunir e construirmos sindicatos fortes, para podermos pleitear o que nos é justo, o que nos é direito, para que possamos exercer nossa profissão condignamente.

Como você vê a juventude hoje?

Primeiramente, é preciso frisar que eu e demais ídolos da MPB só atingimos uma pequena parcela da juventude, um segmento informado e esclarecido que aparece mais e acaba sendo confundido com toda a juventude. Então, a julgar por esse segmento com o qual estou em contato, a juventude está querendo participar mais. Muitas vezes não sabe onde, como, por que. Mas ela quer influir, quer determinar melhor seu papel na sociedade. É uma juventude mais exigente, de personalidade mais forte e um pouco menos alienada que a de 10 anos atrás.

E o que você está fazendo por essa juventude?

Eu e o Vitor transmitimos toda a fé que nós temos na gente, na juventude, no povo, como geradores das transformações políticas e sociais. Se houver tempos mais felizes, a gente é que vai fazer. Eles não vão dar nada de graça.

Você está engajado ou pretende se engajar em algum partido?

Não, porque eu acho que pro artista isso é um negócio muito perigoso, na medida em que ele coloca um rótulo na própria cabeça. Eu acho que o importante no artista é que ele seja universal em relação ao público dele. Não deve nunca macular aquela coisa de o artista ser uma pessoa amada por todas as pessoas. E na medida em que ele atue como verdadeiro artista, direta ou indiretamente está conscientizando seu público.  Então eu acho que por princípio o artista não tem que se filiar a partido nenhum. É mais importante ele estar solidário com ideologias, com filosofias de trabalho, com propostas etc, mas sem se envolver com política partidária. Eu tenho simpatia pelo PT e pelo PMDB, mas jamais me filiaria a eles. E sei que posso ser muito útil sem precisar estar filiado.

Por que você e demais astros da MPB não conquistam um espaço fixo na TV, como existia no tempo do 'Fino da Bossa'?

É porque a MPB, pelo menos quanto a compositores e intérpretes, está atravessando a fase mais desunida de sua história. Talvez  um programa assim não convenha a certos interesses, mas se brigássemos por ele, acabaríamos conseguindo. Só que cada um toma uma posição individual, defende a sua e o mundo que se dane. E assim se cria uma mentalidade clubística, os artistas se transando apenas quando isso bate com os interesses comerciais. Todo mundo acaba compactuando com a política de divisão de mercado entre as gravadoras, e no fim, quem pode mais, chora menos."

 


Nenhum comentário:

Postar um comentário