Palavras Domesticadas

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terça-feira, 9 de março de 2021

Caetano e Gil: Capítulo À Parte


 Os nomes de Caetano Veloso e Gilberto Gil sempre estiveram associados um ao outro por vários motivos: por terem começado as carreiras ainda amadoristicamente na mesma época em Salvador, por terem se destacado no início da carreira profissional com trabalhos próximos nas temáticas, por terem sido criadores do Tropicalismo, por terem sido ambos vítimas do governo militar e se exilado em Londres, etc, etc. Por isso é comum os dois serem citados conjuntamente inúmeras vezes. Assim também numa revista especial que destacava a música nordestina, e publicada em 1980, que falava de vários artistas nordestinos que ganharam destaque em nossa música. E um texto especial sobre os dois baianos em relação à música produzida no Nordeste foi destacado, texto que abaixo transcrevo:

"Falar sobre a importância de Caetano Veloso e Gilberto Gil como os criadores da tropicália, seria repetir, à exaustão, uma história já bastante conhecida.

A importância da Caetano e Gil, além da indiscutível revolução que provocaram na música popular brasileira, também aflora no fato deles ligarem musicalmente, um país, que musicalmente só se ligava nos sons criados entre Rio-São Paulo e nos importados.

Até o advento da tropicália, o que o sul do Brasil conhecia de nordeste musical era através do fole de Luiz Gonzaga e das letras de Humberto Teixeira, Jackson do Pandeiro, Venâncio, Corumba e Catulo da Paixão Cearense eram pessoas que também pintavam por aqui, sem serem, no entanto, grandes sucessos.

'O primeiro fenômeno musical que deixou um lastro muito grande em mim foi o Luiz Gonzaga', afirma Gil, que criado na cidade de Ituaçu, interior baiano, passou  a infância curtindo cantadores e cegos violeiros.

'Eu agradeço ao povo brasileiro, norte, centro, sul inteiro, onde reinou o baião', canta Caetano em You Don't Know Me do elepê Transa, feito no exílio inglês.

Por volta de 1966, as criações musicais e literariamente sofisticadas da bossa-nova evoluíam para composições de protesto. Na outra ponta, o iê-iê-iê cosmopolita enchia o país de composições ingênuas. Caetano e Gil em sua elaboração musical fundiram, ou melhor, sintetizaram essas extremadas polarizações da música popular brasileira num terceiro movimento, aproveitando o que de mais criativo havia em cada uma delas.

No processo criativo dos dois compositores, os ritmos e gêneros nordestinos foram reabilitados não na sua forma mais habitual e folclórica, mas sim numa fusão de ritmos populares estrangeiros, música de vanguarda, música clássica, ritmos africanos, tudo isso revestido pela influência dos Beatles. A música Tropícália, de Caetano, é o exemplo maior dessa conjugação. Domingo no Parque, de Gil, é uma espécie de baião-fantasia, onde o arranjo chega a ser cinematográfico. Pega a Voga Cabeludo, de Gil, trouxe de volta a esquecida embolada, agora com tratamento elétrico. Em No Dia Em Que Vim Me Embora, Caetano faz uma límpida canção de retirante nordestino, que diz o contrário do habitual gênero. Atrás do Trio Elétrico foi a renovação do frevo. Em Maria Bethânia, Caetano cita Luiz Gonzaga ('eu vou mostrar pra vocês como se dança o baião'), mastigando os sons, numa fome sonora, numa postura antropofágica. Na interpretação de Asa Branca, do velho Lua, Caetano também mastiga os sons, numa evocação dos cantadores nordestinos e da fome do sertão.

Foi a regravação de Asa Branca por Caetano Veloso que fez despertar o interesse da juventude para o som de Luiz Gonzaga, completamente esquecido, a partir dos anos 50 com o nascimento do rock.

Gil, Caetano e Gonzaga fizeram nascer o gosto pelo nordeste. Muita gente sentiu vontade de sair atrás do trio elétrico e correu para a Bahia. O nordeste começou a ser consumido musical e turisticamente. Depois deles, outros intérpretes e compositores nordestinos da MPB se arriscaram pelo sul, atrás do mercado fonográfico. E as gravadoras parecem ter farejado uma mina no regionalismo - com a morte da discoteca. Estão começando a investir num pessoal novo.

É claro que entre São Paulo e Rio sempre existiu uma indústria fonográfica, de selos menores, especializados em sanfoneiros, violeiros e conjuntos típicos do nordeste. Esses gravadoras lançam, anualmente, uma humanidade de nordestinos que encontram o mercado certo, entre os moradores das periferias carioca e paulistana. Pedro Sertanejo, um sanfoneiro que se estabeleceu em São Paulo na década de 50, possui uma das mais bem sucedidas gravadoras deste gênero.
 
Mas as gravadoras internacionais, notadamente a CBS, somente agora estão abrindo as portas para o nordeste. Naturalmente elas não irão investir em todos os compositores e intérpretes da MPB, que gravaram no ano passado. Desses, selecionarão alguns, nos quais vejam maiores possibilidades de comercialização. É o caso, por exemplo, de Diana Pequeno, em quem a RCA vai investir, porque achou que a baiana preenche uma lacuna deixada por compositores da chamada música de protesto.

Da enxurrada de compositores e intérpretes e compositores que se lançaram em disco em 1979, aproximadamente 20 deles são nordestinos! Será que todos eles, a exemplo de Caetano, Gil, Gal e Bethânia, entrarão para a história da música popular brasileira? Quem irá responder será o público (selecionador natural) e os interesses das gravadoras.

A CBS, recordista de lançamentos no ano passado, já revelou sua disposição de só investir, em 1980, em Fagner, Amelinha, Ednardo, Elba e Zé Ramalho. E os outros tantos que ela lançou? 'Se eles souberem trabalhar direito, souberem se promover e o público responder, então investimos neles também. Caso contrário...', afirmou João Berlowitz, gerente de marketing da gravadora.

Em todo caso, a abertura para os nordestinos da MPB está aí, promovida quer queiram ou não (existe muita gente bradando que os velhos medalhões eles têm que deixar espaço para as novas revelações, como se não existisse, no mercado musical, espaço para todos), por Caetano e Gil, os grandes reabilitadores da mais forte expressão musical do Brasil - o nordeste."





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