John McLaughlin é um dos melhores guitarristas do estilo fusion. Não é à toa que Miles Davis, um músico sempre muito exigente na escolha de músicos que formavam sua banda, escolheu McLaughlin quando resolveu eletrificar seu som a partir do disco Bitches Brew, e até batizou uma das músicas do disco com o nome do guitarrista. O jornal Rolling Stone, edição brasileira, que circulou no início dos anos 70, publicou em seu nº 7 (maio de 72) a tradução de uma matéria sobre John McLaughlin, escrita pelo jornalista americano Stephen Davis, que fala sobre a vida do guitarrista e o seu envolvimento com um guru indiano chamado Sri Chanmoy Kumar Ghose, que foi inclusive, quem lhe batizou como Mahavishnu John Mclaughlin. Abaixo, a matéria:
"Um dos melhores guitarristas do mundo prefere ser conhecido como discípulo do guru indiano Sri Chinmoy Kumar Ghose. 'É por causa dele que sou quem sou e toco minha música dessa maneira. Ele é um ser divino'.
Jonh McLaughlin é um guitarrista elétrico, talvez um dos melhores da praça, e o líder da Mahavishnu Orchestra. Cada nota que ele e seus quatro músicos tocam, parecem se relacionar diretamente com a alma do ouvinte, e com as suas aspirações anteriores. Sua música é tão barulhenta quanto a do Modern Jazz Quartet, e contém uma mensagem de devoção que é claramente compreendida por qualquer um que veja as expressões de êxtase que passam pelo rosto de John quando ele se inclina para trás e manda uma oração endereçada ao coração de Deus.
John McLaughlin - Mahavishnu, como ele prefere ser chamado - diz que tudo aconteceu depois que descobriu seu mestre e guru, Sri Chanmoy Kumar Ghose. McLaughlin nasceu em 1942 numa pequena cidade de Yorkshire, na Inglaterra. Sua mãe era violinista e quando ele tinha oito anos já tocava piano e violino. Começou com a guitarra aos onze e se tornou profissional aos dezesseis. Logo depois foi para Londres, onde tocou com vários conjuntos até 1968, quando sua grande chance aconteceu. Ele já tinha tocado em várias jams com amigos, todos músicos de rock que queriam tocar jazz - Jack Bruce no baixo, Kick Keckstall-Smith na flauta, e John Hiseman na bateria. Algumas dessas sessões foram gravadas e editadas num LP de Jack Bruce chamado Things We Like. Mas em fevereiro de 69 essas fitas e mais um disco que McLaughlin tinha gravado, Extrapolation, chamaram a atenção do baterista Tony Williams, que estava saindo do conjunto de Miles Davis para formar o seu.
'Tony me chamou na Inglaterra', conta Mahavishnu, 'e perguntou se eu queria ir aos Estados Unidos tocar. Cheguei no dia seguinte, e começamos a ensaiar. Miles Davis me ouviu tocando, e gostou.'
A opinião de Miles sobre Mahavishnu é mais precisa: 'Ele é incrível, esse cara. Tem um conhecimento interior. Ele toca a partir do meio-ambiente, e a seguir parte para a música interior, vinda do seu próprio conhecimento e sabedoria.'
Assim, dois dias depois de chegar aos Estados Unidos, John tomou parte num dos mais bonitos e importantes discos de Miles Davis: A Silent Way. Depois disso ingressou no novo conjunto de Tony Williams, Tony Williams Lifetime, além de participar de mais três álbuns posteriores de Miles. Isso tudo numa época em que guitarristas de heavy rock eram associados com anfetaminas e desordem, e Mahavishnu fazia um som que vinha do cérebro e do espírito quanto dos intestinos e do fígado. Mais importante é que sua música tem algo a dizer além da satisfação dos ouvidos.
Sri Chinmoy Kumar Ghose é um guru hindu que veio para o ocidente há sete anos atrás, para 'servir aos que buscam a auto-realização'. Fundou centros de meditação nos Estados Unidos, Europa, Caribe e no próprio Oriente, tendo agora entre 400 e 500 seguidores no mundo inteiro. Atualmente vive em Queens, um subúrbio nova-iorquino de classe média. John e sua esposa conheceram-no há dois anos atrás, e depois de um período de teste e dúvida, tornaram-se discípulos e membros da comunidade espiritual liderada por Sri. Este rebatizou-os com nomes de deuses hindus: Mahavishnu e Mahalakshmi, que têm as qualidades de divina compaixão e justiça.
Ao mesmo tempo, Mahavishnu evolui junto com sua música. Depois que saiu do grupo de Tony Williams fez um álbum cuja capa era uma fotografia de Sri, e que contava com a participação de alguns dos melhores músicos de jazz do país. Esse disco confirmou definitivamente o talento e o domínio de Mahavishnu sobre sua música, e ao mesmo tempo deixou claro para quem quer que o ouvisse que a técnica é apenas um degrau na escala. Afinal, o título do álbum é My Goal's Beyond.
Ao mesmo tempo, ele e sua esposa cantavam nas igrejas e nos vários centros de meditação de Sri. Em outubro do ano passado deram um concerto grátis na velha Memorial Church de Harvard. Vestidos com longas túnicas e descalços, eles se sentaram em posição de lótus sobre o tapete vermelho que fica em frente ao altar, e cantaram para uma audiência receptiva e pasmada, que de repente se encontrou envolvida pela música e pelo clima, mal tinha começado o espetáculo.
'Sabe, eu sou discípulo e ele é meu mestre', diz Mahavishnu se referindo a Sri. 'É por causa dele que sou quem sou e toco a minha música dessa maneira e não de outra. Estou imerso nele, e ele é um ser divino'.
Fiquei muito satisfeito em saber que havia um Deus vivo morando em Queens - tão perto. Para os desavisados, aqui fica a notícia; John McLaughlin tem certeza de que Deus mora em Queens. Ou um deus, pelo menos.
'Oh, sim, moramos perto dele, em Queens. Nós entendemos que não podemos abandonar as cidades: o campo já está perfeito sem nós, são as cidades que precisam de luz, desesperadamente.'
'Depois que deixei Tony Williams, ficou um buraco em minha vida. Eu ia entrar para o conjunto de Miles Davis, mas tinha sempre alguma coisa atrapalhando, e Miles me disse que eu devia formar meu próprio grupo. Sri também disse a mesma coisa, portanto concordei. Convidei Billy Cobhan, baterista, Jerry Goodman, violinista, Rick Laird, baixo, e Jam Hammer, pianista. Uma unidade musical completa: estava formada a Mahavishnu Orchestra'.
Nessa noite o conjunto se apresentou, e eu os ouvi pela primeira vez. São maravilhosos. A plateia novamente respondeu à torrente de música psíquica e religiosa com uma ovação de cinco minutos. E enquanto aplaudiam, Mahavishnu John McLaughlin, instrumento de Deus, agradeceu várias vezes a audiência, com os olhos fechados, absorvendo o fluxo de energia que a plateia enviava, para substituir aquela que a plateia enviava, para substituir aquela que ele tão generosamente tinha acabado de despender."
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