" - Antes de viajar para os Estados Unidos, você andou compondo bastante. Fez 'Entre a Sola e o Salto', para Alcione, 'Fé, Menino', para Gal Costa, 'Todo Dia de Manhã', para o Gerson Combo, e exclusivas para as Frenéticas, Marcelo, Leci Brandão e outros. Esse processo de trabalho contou com a participação de algum parceiro?
- Não. Parceria não tenho feito. Tenho feito música para esse pessoal todo, mas tudo sozinho. Fiz até uma pra mim, chamada 'Unidet States of My Life', que é uma brincadeira com os Estados Unidos. É uma música sobre a união de todos os estados de espírito.
- Voltando a seu trabalho americano, ele tem o mesmo acompanhamento do 'Refavela'?
- Ele é a partir daquilo, porque é o aspecto que o Sérgio Mendes mais curte no meu trabalho, sem levar em consideração que ele pode curtir muitos outros aspectos. Esse lado funky é o que caracterizaria, uma coisa no mesmo grau de especialidade, de impressionabilidade que o trabalho de Jorge Ben tem sobre as plateias europeias e americanas. O Sérgio acha, e não é só ele, é a maioria das pessoas ligadas à música do lado de dentro. Pessoas que acham que eu e Jorge Ben temos alguma coisa que caracterizaria essa emergência black internacional. Seria um ecumenismo do samba com o soul e com o reggae. Nessa
medida, a tentativa, o alvo, alcançável ou não, seria todas as Áfricas
reunidas e contidas na minha música. Então por aí, 'Refavela' é um ponto
de partida, uma referência. Música na verdade pode se desmembrar,
aliás, como é uma palavra muito usada no Brasil atualmente, pode ser
desdobramento em várias direções. Posso de repente fazer coisas no
gênero manso, na área do blues, samba-canção, folclóricos ligeiros,
baiões leves. Depende muito. Nesses meus dez discos tem muita abertura
pro regional nordestino, regional baiano, regional urbano carioca, pro
internacional rock, pro internacional black. O meu trabalho americano
vai ter um pouco de tudo isso, explorando o lado afro, no sentido de
todas as Áfricas.
- Nos discos brasileiros você tinha que atender a algum tipo de exigência?
-
Não, assim de um modo geral. Mesmo nesse caso do disco americano, como
já andei explicando, a partir da postura do Sérgio, é uma coisa muito
procurada por mim. Não é uma concessão no sentindo que estão me exigindo
fazer isso, me ater a uma postura que eu não gostaria. Não é, de uma
certa forma é uma consideração que estou dando a um entendimento geral
que as pessoas têm sobre mim. É uma adequação minha a uma visão que se
tem já, e que vem se generalizando cada vez mais sobre o meu trabalho.
Não é uma concessão. É uma parada para um aprofundamento no aspecto das
coisas que tem aí. Até o dia em que eu puder, na medida em que os discos
que eu venha a fazer sejam bem sucedidos - ter total liberdade de ir
para um estúdio na América e fazer o que me der na cabeça na hora, que
pode ser que venha a acontecer e pode ser que eu nem tenha vontade de
chegar a tanto caos.
- Saindo um pouco do lado musical, o Waly Saillormoon andou dizendo que você estaria traduzindo um livro sobre filosofia oriental. Quando ele vai ser editado?
- É um livro de um mestre hindu de Bombaim, um livro sobre auto-realização, sobre o homem, a vida e a morte. É um livro muito importante pra mim, e acho que poderia ser muito importante pra muita gente. Foi a primeira vez que tive vontade de traduzir alguma coisa, e a ideia de traduzir nascia da intenção de fazer com que outras pessoas tivessem acesso a uma coisa interessante. Traduzir tinha apenas esse valor, não tinha nada com meus anseios particulares de fazer incursões na área literária ou mesmo na área da importância intelectual. Minha intenção era evitar que um pedaço de bolo gostoso fosse partido.
-Era? Não é mais?
-Não, ele basicamente ainda nem começou. O livro está agora nas mãos do Sérgio Mendes, que me pediu. Quem escreveu o livro foi um mestre que tem um nome muito complicado. Nem me lembro. Tenho lido em inglês, mas ele foi escrito numa daquelas línguas do sul da India. Ele é um iogue afastado dos afazeres do mundo, dedicado à auto-realização, a Deus, ao ser. É um livro sobre ser ou não ser. Acho que não tem a ver com o ser ocidental, quer dizer, no fundo tem, mas a formulação é diferente; enquanto o 'ser e não ser' nosso, ocidental, se atém a uma busca de esclarecimento entre o homem, digamos, no mundo, entre as pressões e as tensões criadas por essa relação, a visão oriental coloca o homem e o eterno, uma visão para além do mundo, uma tentativa de inserir o homem neste contexto da totalidade universal, uma coisa mais ampla. Não conheço muito a relação do ser e do não ser ocidentais. Li muito pouco os filósofos. Sei muito pouco sobre Comte, Kant, Heidegger, Spinoza e todos eles. E também sei pouco sobre os hindus. Só que eles têm essa amplitude, essa abordagem ampla, essa abordagem múltipla dos ocidentais, quer dizer, eles são todos um só. Eles têm praticamente o quê? Eles têm o Vedanta, Advaita, a algumas sendas básicas. Todos os grandes mestres, grandes santos, grandes iogues, grandes filósofos, estão reduzidos de uma forma ou de outra, àquelas duas ou três concorrentes. Então, estão falando quase sempre a mesma coisa, ou pelo menos falando da mesma forma sobre todas as coisas. Aqui todos falam da mesma coisa através de códigos diferentes.
- E a forma do candomblé, seria uma terceira?
- É, o problema do candomblé é que se conhece muito pouco da verdade sobre a mitologia e as relações da mitologia com a religião e a sociedade na África. A gente sabe muito pouco, mas mesmo assim, cultua. Tem um livro interessante sobre o assunto, escrito por Juanita dos Santos, chamado 'O nagô e a morte', que tenta ser uma visão mais escolarizada, mais nos moldes do estudo rigoroso, etnológico e antropológico. Mas a gente sabe muito pouco, por exemplo, das identificações entre as religiões africanas e as religiões primitivas da Europa ou do Oriente; das relações entre a visão olímpica africana e a visão olímpica dos gregos; quer dizer, todas essas coisas só agora começam a ter uma visão mais rigorosa.
- Qual é a importância dessa sua preocupação?
- Acho que é na medida natural do conhecimento mesmo, na medida em que restam certos focos interiores de ansiedade com relação ao saber, ao saber-se.
- Você está ficando uma pessoa cada vez mais tranquila; não vai acabar virando um iogue?
- É isso que eu quero. É a minha grande busca na vida, acho que toda minha ambição seria exatamente um encontro com esta plenitude de ordem maior, a minha busca é Deus no sentido mais profundo da palavra. "
- E a forma do candomblé, seria uma terceira?
- É, o problema do candomblé é que se conhece muito pouco da verdade sobre a mitologia e as relações da mitologia com a religião e a sociedade na África. A gente sabe muito pouco, mas mesmo assim, cultua. Tem um livro interessante sobre o assunto, escrito por Juanita dos Santos, chamado 'O nagô e a morte', que tenta ser uma visão mais escolarizada, mais nos moldes do estudo rigoroso, etnológico e antropológico. Mas a gente sabe muito pouco, por exemplo, das identificações entre as religiões africanas e as religiões primitivas da Europa ou do Oriente; das relações entre a visão olímpica africana e a visão olímpica dos gregos; quer dizer, todas essas coisas só agora começam a ter uma visão mais rigorosa.
- Qual é a importância dessa sua preocupação?
- Acho que é na medida natural do conhecimento mesmo, na medida em que restam certos focos interiores de ansiedade com relação ao saber, ao saber-se.
- Você está ficando uma pessoa cada vez mais tranquila; não vai acabar virando um iogue?
- É isso que eu quero. É a minha grande busca na vida, acho que toda minha ambição seria exatamente um encontro com esta plenitude de ordem maior, a minha busca é Deus no sentido mais profundo da palavra. "
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