"Em São Paulo, a Bandeirantes, por exemplo, é um canal que não atinge grandes piques de audiência, lá também impera a Globo. E o que eu tenho sentido é o seguinte: como o músico passou a ter menos importância para a televisão, este veículo também teve sua importância diminuída para o músico. O resto é ninharia - se colocam uma música que fiz em novela, representa pouco em termos de afirmação musical como artista. O meu disco que mais vendeu - Meus Caros Amigos - não deveu nada à TV. Mesmo quando saiu o programa, em março em São Paulo, o alto da curva nas vendas já tinha sido atingido.
Pessoas de certo nome, privilegiadas no meio - e me considero uma delas - podem passar sem a televisão. O problema é a dificuldade de gente nova aparecer, diferente do padrão de qualidade, que mostra cantor como se fosse anúncio de cigarro. Mas quem está surgindo não tem possibilidade de impor nada, tem que se satisfazer com o quadrado que lhe permitem, pelo menos está lá mostrando que lhe permitem, pelo menos está lá mostrando a sua música. Não sou artista de palco - nunca fui - queria mostrar o meu trabalho, que começou a aparecer vestido de smoking, mas se mandasse me vestir um pijama, vestiria.
Tem muita gente que recusa o esquema atual, ou que só se apresenta muito raramente. Há artistas que ficam chocados, como aconteceu com o Gilberto Gil, diante da maneira como queriam colocá-lo, da forma que o diretor tratava o subalterno, que cria um clima de trabalho irrespirável. A TV é um veículo importante, quase imprescindível do ponto de vista de contato com o público. Por mais que alguém faça um show por dia, seria impossível manter a audiência que teria num dia de televisão. E o grave problema é que o artista aparece sempre no tempo da televisão e não no tempo que é dele, pessoal. E como opção, entra ou não entra nos buracos deixados para ele.
Recentemente foi para a Globo um diretor que considero fantástico - fantástico não, pelo amor de Deus tira essa palavra. Bem, em todo caso, esse diretor, Fernando Faro, fez um programa de música que achei bom, com o Wilson Batista, que teve o seu tempo - quero ver se isso se repete. O artista não pode forçar uma mudança, porque é facilmente substituível e não há mercado de trabalho - a Tupi é considerada castigo. Quando voltei da Itália, fiz programa de graça para a Continental e para a Rio - só podia ser de graça, o cachê era uísque nacional durante o programa.
Mas do ponto de vista de música, já que a TV não a valoriza, os artistas tiveram que achar um substituto, e a saída foi a apresentação em teatros, coisa que quase não existia quando comecei por exemplo. A Maria Bethânia lota o teatro que quiser durante o tempo que quiser, os espetáculos das Seis e Meia da Concha Verde vivem cheios. E aí vem uma queixa dos atores de teatro, porque de repente a música tomou conta das salas de espetáculos, e os donos preferem alugá-las para músicos porque a possibilidade de lucro é maior. Sem falar na dificuldade de montar uma peça porque os artistas são da Globo, não têm tempo para ensaiar, por isso o diretor não quer ator de novela e o produtor quer porque chama bilheteria.
Quando voltei da Itália fiz vários shows, circuito universitário. Mas odeio show, prefiro o trabalho de criação, o teatro, procuro outras saídas. Sou muito mais autor do que artista e meu ideal é viver de direito autoral - é assim que me sinto mais à vontade e mais útil, e para isso tenho que trabalhar muito. Outros artistas partem para fazer shows sem parar, e as apresentações muito esporádicas de muitos deles em TV não chega a contribuir muito, porque vários têm casa lotada justamente porque não são vistos na TV. Mas isso acontece com o sujeito que já tem um certo nome, feito através do disco ou da própria TV. O desconhecido nunca vai lotar teatro.
Essas apresentações ao vivo foram uma espécie de resposta - no tempo da Record quase ninguém fazia show fixo, a TV supria essa necessidade de contato. Mas é uma resposta parcial. O ideal seria que o Brasil inteiro visse Maria Bethânia, e por mais que ela viaje, nunca vai atingir o que um canal atingiria. Pode-se dizer que a Bethânia é de palco e não de vídeo. A verdade é que não se descobriu ainda uma fórmula de apresentar músicos na televisão.
O Especial da Record é um programa despojado, à vontade, mas que não pode servir de fórmula - parece que custou uma fortuna, só sei que me pagaram CR$ 100 mil. Embora ache que a Globo pagaria mais, acho que mesmo esses CR$ 100 mil só são para uma dúzia. O meu problema pessoal pôde ser atendido - estava em Petrópolis, deslocaram uma câmera externa para lá, foi tudo muito tranquilo. Mas impera a acomodação às fórmulas velhas, sem necessidade de mudar. Devo ressaltar que só vi um programa de Fernando Faro, e isso não quer dizer que aceitaria fazer um programa para a Globo. A incompatibilidade não é pessoal, é com o esquema que já existe. Já fui bastante sondado e posso dizer que nem me passa pela cabeça voltar atrás, falo agora como espectador. Aliás, quase não vejo TV, já tentei ver alguns programas de música, tristes. Um sobre o Ari Barroso era de chorar, conseguiram provar que ele era um péssimo compositor, quando na verdade não era.
E essa baixa qualidade custa caro, a Globo gasta muito dinheiro com a visão que tem para mostrar que está gastando. Nesses programas, o cantor fica apavorado. É um clima de que se errar sai errado, não há condições de corrigir, é tudo feito às pressas, sem respeito pelo tempo do artista - mas o cenário está sempre arrumado.
É o segundo programa que faço para a Bandeirantes - sempre sob a direção de Roberto de Oliveira. Conhecia-o, confiei, e nesse segundo, ouvi dizer que eram 16 horas de gravação. Tinha muita besteira, que ele cortou, mas podia ter deixado. A repercussão em São Paulo foi muito boa, o que atribuo à boa vontade da imprensa que não é Roberto Marinho. Há toda uma simpatia em jogo, não pela Bandeirantes em si, mas por tudo que não é Globo.
Não quero ficar parecendo garoto-propaganda da Bandeirantes - acho que ela me trataria da mesma forma que a Globo se tivesse igual poder. Mas acho que a concorrência, um pluripartidarismo na televisão pode ser saudável, se não se encontrar alguma saída pelo menos vai se procurar."
Recentemente foi para a Globo um diretor que considero fantástico - fantástico não, pelo amor de Deus tira essa palavra. Bem, em todo caso, esse diretor, Fernando Faro, fez um programa de música que achei bom, com o Wilson Batista, que teve o seu tempo - quero ver se isso se repete. O artista não pode forçar uma mudança, porque é facilmente substituível e não há mercado de trabalho - a Tupi é considerada castigo. Quando voltei da Itália, fiz programa de graça para a Continental e para a Rio - só podia ser de graça, o cachê era uísque nacional durante o programa.
Mas do ponto de vista de música, já que a TV não a valoriza, os artistas tiveram que achar um substituto, e a saída foi a apresentação em teatros, coisa que quase não existia quando comecei por exemplo. A Maria Bethânia lota o teatro que quiser durante o tempo que quiser, os espetáculos das Seis e Meia da Concha Verde vivem cheios. E aí vem uma queixa dos atores de teatro, porque de repente a música tomou conta das salas de espetáculos, e os donos preferem alugá-las para músicos porque a possibilidade de lucro é maior. Sem falar na dificuldade de montar uma peça porque os artistas são da Globo, não têm tempo para ensaiar, por isso o diretor não quer ator de novela e o produtor quer porque chama bilheteria.
Ilustração de Gean Carlo Mecarelli |
Essas apresentações ao vivo foram uma espécie de resposta - no tempo da Record quase ninguém fazia show fixo, a TV supria essa necessidade de contato. Mas é uma resposta parcial. O ideal seria que o Brasil inteiro visse Maria Bethânia, e por mais que ela viaje, nunca vai atingir o que um canal atingiria. Pode-se dizer que a Bethânia é de palco e não de vídeo. A verdade é que não se descobriu ainda uma fórmula de apresentar músicos na televisão.
O Especial da Record é um programa despojado, à vontade, mas que não pode servir de fórmula - parece que custou uma fortuna, só sei que me pagaram CR$ 100 mil. Embora ache que a Globo pagaria mais, acho que mesmo esses CR$ 100 mil só são para uma dúzia. O meu problema pessoal pôde ser atendido - estava em Petrópolis, deslocaram uma câmera externa para lá, foi tudo muito tranquilo. Mas impera a acomodação às fórmulas velhas, sem necessidade de mudar. Devo ressaltar que só vi um programa de Fernando Faro, e isso não quer dizer que aceitaria fazer um programa para a Globo. A incompatibilidade não é pessoal, é com o esquema que já existe. Já fui bastante sondado e posso dizer que nem me passa pela cabeça voltar atrás, falo agora como espectador. Aliás, quase não vejo TV, já tentei ver alguns programas de música, tristes. Um sobre o Ari Barroso era de chorar, conseguiram provar que ele era um péssimo compositor, quando na verdade não era.
E essa baixa qualidade custa caro, a Globo gasta muito dinheiro com a visão que tem para mostrar que está gastando. Nesses programas, o cantor fica apavorado. É um clima de que se errar sai errado, não há condições de corrigir, é tudo feito às pressas, sem respeito pelo tempo do artista - mas o cenário está sempre arrumado.
É o segundo programa que faço para a Bandeirantes - sempre sob a direção de Roberto de Oliveira. Conhecia-o, confiei, e nesse segundo, ouvi dizer que eram 16 horas de gravação. Tinha muita besteira, que ele cortou, mas podia ter deixado. A repercussão em São Paulo foi muito boa, o que atribuo à boa vontade da imprensa que não é Roberto Marinho. Há toda uma simpatia em jogo, não pela Bandeirantes em si, mas por tudo que não é Globo.
Não quero ficar parecendo garoto-propaganda da Bandeirantes - acho que ela me trataria da mesma forma que a Globo se tivesse igual poder. Mas acho que a concorrência, um pluripartidarismo na televisão pode ser saudável, se não se encontrar alguma saída pelo menos vai se procurar."
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