Em 1976 Chico Buarque foi convidado para inaugurar um novo canal de TV no Rio de Janeiro, a TV Guanabara, afiliada da TV Bandeirantes, de São Paulo. Na ocasião, o Jornal do Brasil fez uma matéria sobre o programa, trazendo um longo depoimento do compositor sobre a presença e a importância da televisão em sua carreira. A matéria, que é assinada por Susana Shild, traz um texto de chamada, que diz:
"Depois de seis anos de ausência da televisão carioca, Chico Buarque volta amanhã para inaugurar com um programa especial a TV Guanabara, associada à Bandeirantes de São Paulo. Foi na televisão, a Record de São Paulo, que Chico iniciou sua carreira, cantando Pedro Pedreiro, de smoking, em 1965. De lá pra cá, a roda viva: o começo um pouco na base de objeto do empresário - 'Se me pedissem para cantar de pijama, eu cantava' - o período na Itália e a volta, quando fez programas onde o cachê era uma dose de uísque nacional.
Ao fazer um balanço em tudo o que aconteceu até agora, Chico comenta: 'O músico perdeu a importância para a televisão, mas a televisão também perdeu o valor para o artista, que se refugia nos teatros.' Confessa que odeia shows, gostaria de viver do direito de autor, e reafirma que não pretende trabalhar para a Globo, embora considere a Bandeirantes muito diferente. 'Mas o bom, o saudável é que existem opções, uma tevê pluripartidária, o que possivelmente dará mais chances aos artistas.
Este é o seu depoimento."
Abaixo, o depoimento de Chico:
"Por mais irônico que possa parecer, devo meu primeiro disco à televisão. Comecei a aparecer em 1965 e não tinha preocupações com o veículo - olhando para trás vejo que havia concorrência entre os canais e o que a televisão fez na época foi apresentar o movimento musical que existia no festivais, nas faculdades. Já naquele tempo, aparecer em público não era o meu forte, mas a televisão era o primeiro degrau para um artista. Tinha que aparecer de smoking em alguns programas, OK, eu concordava, nunca tentei quebrar as regras do jogo. Eu me dedicava à minha carreira, fazendo programas na televisão, shows, cantando em clubes, não tinha preocupação nem tempo para especular sobre a significação da televisão, e seguia a carreira que os empresários me apontavam.
Só gravei o primeiro disco - um compacto com Pedro Pedreiro e Sonho de Carnaval - porque um produtor me viu na televisão, o disco, portanto, foi resultado desse trabalho. O primeiro LP - A Banda - só foi gravado porque venceu um festival e porque eu cantei - se não tivesse cantado dificilmente teria gravado. E as coisas foram se desenvolvendo assim durante dois ou três anos.
Nos programas musicais da época os cantores equivaliam aos atuais galãs de novela, eram eles que atraíam audiência. Todos os dias 7 a TV Record tinha um programa de música, uma grande bagunça, com dezenas de pessoas nos bastidores, anuncia-se alguém que não estava, hoje em dia um programa desse tipo é impensável. O interesse do bom gosto padronizado, aliado ao interesse da censura não admite mais programas ao vivo, evitando-se assim, qualquer incidente ou improviso.
De 1965 a 1968 a TV tinha necessidade de renovar as atrações, e assim os novos valores encontraram oportunidade de aparecer. Agora se comenta que não há gente nova de valor, mas não é verdade. Acontece que eles não têm como se projetar. Tentam um ano, dois, três, não acontece nada, e desistem. Naquele tempo havia uma possibilidade de se chegar ao público, e em regra quase geral, o disco seguia-se à televisão, enquanto hoje o caminho é exatamente inverso: alguém que tem a sorte de gravar um disco, pode, através de um arranjo do produtor do disco com a televisão, conseguir apresentar uma música. Não há a menor possibilidade de surpresa dentro da televisão, de encontrar um valor novo, desconhecido.
A TV, na minha carreira, me popularizou. Em termos de dinheiro, não era quase importante, mas uma ponte para outras coisas. Foi por causa dela que fui a Salvador pela primeira vez - um produtor, o Roni, me viu na TV cantando Pedro Pedreiro, gostou e me chamou pra fazer um show. Mas só ele tinha assistido ao programa e o resultado do show foi um fracasso total - não foi ninguém, e só não foi pior porque a Silvinha Telles me deu uma mãozinha.
Nesses anos de roda viva, não parei para pensar no meu relacionamento com a TV. Os baianos fizeram isso, tinham uma percepção do veículo e fizeram por onde modificar a relação com ele, coisa também que hoje não é mais possível. Continuo sem entender nada de TV, sou incapaz de dar um palpite, mas os baianos quiseram e souberam modificar alguma coisa, e eu não saberia.
Depois de 68, passei dois anos na Itália, e embora não tivesse muito preocupado com a televisão de lá na época, sei agora que houve uma mudança, quase uma inversão. Hoje em dia há programas malucos, improvisados, quase não há mais aquela coisa certinha. Diga-se de passagem que a Globo não inventou nada - ela copia tudo, assim como a TV italiana copiava do modelo americano. Na Itália, a TV é estatal, e de seus dois canais, um é oficial e o outro, quase marginal, no sentido de dar oportunidades a novos nomes, não só da música, mas de tudo, e inovando também no aspecto jornalístico.
Quando voltei, encontrei tudo mudado. Tinha uma experiência de televisão, basicamente a paulista, e no começo me apresentei pouquíssimo em canais cariocas. Estava tudo mudado e para pior. Devo dizer que voltei através de um Especial da TV Globo - tenho que agradecer a ela por isso. Nem pensei se era bom ou se era ruim, eu tinha que voltar. E esse contato foi cheio de conflitos. Quando voltei só existia a Globo, nesse meio tempo a Record mudou, alguns artistas viajaram, e talvez o seu esquema profissional e empresarial não resistisse à concorrência da Globo.
Nessa ocasião senti lá dentro, na TV, e na pele, a desimportância absurda que o artista tem no esquema Globo, o desrespeito, a censura interna. Quero deixar claro que não á Globo que é ruim e a Bandeirantes que é boa, mas o que é ruim, nocivo, brutal é o monopólio que permite a uma estação de TV tratar de forma ditatorial os técnicos, artistas e funcionários e, em consequência, o público telespectador."
(continua)
Nesses anos de roda viva, não parei para pensar no meu relacionamento com a TV. Os baianos fizeram isso, tinham uma percepção do veículo e fizeram por onde modificar a relação com ele, coisa também que hoje não é mais possível. Continuo sem entender nada de TV, sou incapaz de dar um palpite, mas os baianos quiseram e souberam modificar alguma coisa, e eu não saberia.
Depois de 68, passei dois anos na Itália, e embora não tivesse muito preocupado com a televisão de lá na época, sei agora que houve uma mudança, quase uma inversão. Hoje em dia há programas malucos, improvisados, quase não há mais aquela coisa certinha. Diga-se de passagem que a Globo não inventou nada - ela copia tudo, assim como a TV italiana copiava do modelo americano. Na Itália, a TV é estatal, e de seus dois canais, um é oficial e o outro, quase marginal, no sentido de dar oportunidades a novos nomes, não só da música, mas de tudo, e inovando também no aspecto jornalístico.
Quando voltei, encontrei tudo mudado. Tinha uma experiência de televisão, basicamente a paulista, e no começo me apresentei pouquíssimo em canais cariocas. Estava tudo mudado e para pior. Devo dizer que voltei através de um Especial da TV Globo - tenho que agradecer a ela por isso. Nem pensei se era bom ou se era ruim, eu tinha que voltar. E esse contato foi cheio de conflitos. Quando voltei só existia a Globo, nesse meio tempo a Record mudou, alguns artistas viajaram, e talvez o seu esquema profissional e empresarial não resistisse à concorrência da Globo.
Nessa ocasião senti lá dentro, na TV, e na pele, a desimportância absurda que o artista tem no esquema Globo, o desrespeito, a censura interna. Quero deixar claro que não á Globo que é ruim e a Bandeirantes que é boa, mas o que é ruim, nocivo, brutal é o monopólio que permite a uma estação de TV tratar de forma ditatorial os técnicos, artistas e funcionários e, em consequência, o público telespectador."
(continua)
Nenhum comentário:
Postar um comentário