Palavras Domesticadas

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domingo, 19 de julho de 2015

O Som Elétrico de Miles Davis - Revista Música do Planeta Terra (1975) - 2ª Parte

"Seu disco seguinte, Live-Evil, é de um ecletismo total, intercalando pequenas baladas, joias preciosas, à longas peças experimentais. O flautista Hermeto Pascoal participou desse trabalho e acusou Miles de ter posto nome em composições suas (Igrejinha - Little Church). Em uma entrevista que deu à Donw Beat, Miles disse que nem quer saber. O crioulo é o diabo, um imoralista, um anjo caído. Na época de Live-Evil, muitos dos músicos que haviam tocado com ele já estavam na estrada com grupos incríveis desenvolvendo ad infinitum a linguagem dessa nova música, o chamado jazz elétrico. Chick Corea tinha eletrificado totalmente o grupo Return To Forever, com o extraordinário baixista Stanley Clarke. Joe Zawinul e Wayne Shorter desenvolveram seus trabalhos individuais em uma unidade elétrica, o Wheater Report, considerado um dos mais importantes grupos da nova música.
E ainda a Mahavishinu Orchestra, os grupos de Herbie Hancock, Larry Young, o Lifetime de Tony Williams, apenas para falar dos mais conhecidos, que estraçalharam as barreiras que restavam entre Pop, Jazz, Rock, Música Erudita e Oriental.
É então que Miles conhece o músico negro Sylvester Stewart, Sly Stone, e fica completamente chapado com  o trabalho de um dos maiores inovadores do soul negro. E foi baseado nos elementos da música de Sly que Miles se lança na esquina dançando ao som  do Juke Box atômico. 'On the Corner' recebeu uma chuva de maldições, o próprio Stan Getz disse que até John Mclauhlin parecia um epilético naquela gravação.
Agora, passados três anos sabe-se que este retorno à raiz soul, ao ritmo incendiário da música popular negra, foi o início para a conquista de galáxias distantes, a extrapolação em qualquer linguagem até então praticada. Criando a mais fértil corrente surgida na música do planeta Terra desde os primeiros batuques e uivos do homem da caverna, naquilo que um teórico de vanguarda definiu como como sendo the brown cage (o casamento da música de James Brown com John Cage), uma música progressiva, ritmada, espacial, batuqueira que é praticada em elevadíssimos níveis, não só pelos músicos americanos e europeus, como Larry Coryell, Steve Marcus, Carla Bley, Mick Taylor, Klaus Doldinger, Wolfang Dauner, Alfonse Mouzon, Dudu Pukwana, Soft Machine, Nucleus, Isotope, etc... Dos músicos que tocaram com Miles, apenas Keith Jarret, James Mtume e Dave Holland não aderiram completamente a esse boogie woogie aleatório espacial eletrônico e continuaram fazendo um jazz de alto nível em caminhos acústicos, mais ligados à tradição de Coltrane e Coleman. E há ainda, o Airto Moreira que lança agora um som mais adiante, o brown-cage, mais a magia dos ritmos brasileiros.
 Miles passou algum tempo sem preparar um disco, deu então licença para a companhia utilizar antigos tapes, que foram realizados como 'Big Fun', feito com sobras de 'Bitches Brew', 'Live-Evil', e 'Jack Johnson'. Miles não leva este disco em conta. A crítica elegeu como um dos maiores discos dos últimos tempos; são sobras e restos de Miles, simples migalhas, verdadeiras obras-primas, como 'Great Expectations', ou 'Lonely Fire'. Pois para ele não basta a obra-prima, a musicalidade, o nível quase irreal da  performance dos músicos, Miles procura New Directions, o novo, o porvir. E 'Big Fun', ele diz que poderia lançar uns cinquenta pelo menos, com as sobras das sessões de 'In Silent Way' à 'In Concert', mais as gravações de seus concertos de 69 para cá.
Ele falou que as novas direções não estavam em 'Big Fun', mas viriam em uma peça que se chamaria 'Calypso' e que ocuparia os quatro lados de um disco. Desta ideia até a produção de um álbum, faleceu Duke Ellington, um dos maiores jazzman que a história conheceu e Miles resolveu modificar seus planos.
O disco chamou-se 'Get Up With It', e pode ser uma espécie de resposta dos anos 70, para o jazz dirty, o som jungle de Ellington. Ele ama Duke loucamente, e este é o título de uma das músicas, um tema belíssimo com um lindo solo de flauta de Dave Liebman."

(continua)


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