Palavras Domesticadas

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sexta-feira, 31 de julho de 2015

Entrevista com Luiz Carlos Maciel, o Guru da Contracultura (1997) - 1ª Parte

Luiz Carlos Maciel foi uma espécie de guru para quem se ligava em contracultura e arte alternativa nos anos 70. Sua coluna no jornal O Pasquim, chamada "Underground", falava nesses assuntos numa época em que a imprensa brasileira tinha poucos representantes nessa área de interesses. Recentemente soube-se que Maciel estava vivendo em dificuldades, e sem trabalho -  um grande absurdo, em se tratando de um profissional como ele. Essa postagem traz um entrevista que Maciel concedeu ao jornal universitário Enfoque, em fevereiro de 1997. Na época ele trabalhava na oficina de roteiristas da Globo e dava curso de roteiro para cinema e teatro, no Rio. Na entrevista abaixo Maciel fala sobre cultura, contracultura, cinema, música, etc:
"Enfoque - Você trabalhou com cinema, teatro, escreveu livros, etc. Mas como começou a sua carreira?
Maciel - Eu comecei a fazer teatro amador em Porto Alegre quando tinha 16 anos, ao mesmo tempo em que tinha que fazer vestibular. Eu entrei para Filosofia mas continuei com o teatro, fiz algumas coisas como ator. Mas, ao invés de seguir carreira acadêmica, eu, tomado por um estranho instinto de aventura, fui para a Bahia por insistência de Glauber Rocha, que na época não era conhecido, não tinha feito nenhum filme ainda. Eu tinha conhecido o Glauber quando passei por Salvador após um festival de teatro estudantil em Recife. Ele me convenceu a ir para a  Bahia porque achava que iriam acontecer coisas, que na Bahia ia surgir o novo cinema brasileiro, o novo teatro brasileiro, a nova música. Aí, fui pra lá. Na Bahia, eu ganhei, na escola de teatro, uma bolsa de estudos da Fundação Rockfeller para ir estudar teatro nos EUA. Fui pros EUA, estudei direção, estudei playwriting, técnicas dramatúrgicas que até hoje utilizo em meus cursos. Quando voltei, dei aula na Escola de Teatro da Bahia, já voltei como professor, vim para o Rio, fui professor do Conservatório Dramático Nacional, dei aula na Martins Pena, dei bastante aula de teatro. Mas, ao mesmo tempo, não conseguia desenvolver uma sobrevivência muito satisfatória no teatro, eu já tinha casado, já era pai de dois filhos, então eu me dediquei também ao jornalismo. Comecei a arranjar emprego em jornal, em revista e, ao mesmo tempo, ia fazendo o que aparecia, minha vida foi assim. Foi assim que eu fiz cinema, televisão, jornalismo, participei do Pasquim, aí foi muita coisa durante muitos anos.
A sua coluna 'Underground' no Pasquim tinha como objetivo divulgar a contracultura. Qual era a importância e como era feita a divulgação da contracultura na época?
Olha, havia no Brasil, quando o Pasquim saiu, uma situação política muito particular. O Pasquim saiu em 1969 e 68 tinha sido aquele ano das manifestações estudantis e tudo o mais, que o Zuenir Ventura escreveu: 'o ano que não terminou'. Aquilo tudo foi reprimido, a ditadura militar estava muito forte, era um momento de repressão. As opções para superar esse estado foram várias. Foram ao extremo com a resistência armada, as guerrilhas, a clandestinidade e todas as coisas terríveis que aconteceram. E eu entrei no Pasquim porque o meu amigo Tarso de Castro, que era um dos fundadores, teve essa ideia com um grupo de amigos de fazer um jornal de humor. Durante a ditadura de Salazar em Portugal a única coisa que era livre era o teatro de revista, que podia criticar o governo, fazer gozação porque não era coisa séria, era brincadeira. Aí, eu fui na disposição de que a coisa a fazer era humor. E, realmente, os primeiros números do Pasquim têm matérias minhas pretenciosamente humorísticas. Mas começou a chegar notícias deste movimento contracultural, dessa revolução no comportamento que acontecia nos EUA e na Europa também, que aparecia como uma alternativa aos ideais políticos que tinham animado a minha geração. Ao invés de você mudar a sociedade que está aí, você passa a viver numa sociedade própria. É a ideia que depois passou a ser conhecida como 'sociedade alternativa'. Já que você não gosta dessa sociedade em que você vive, você inventa uma sociedade no interior dela, onde as pessoas possam viver de outra maneira. Essa ideia me encantou, eu achei que isso era um ovo de Colombo, anunciava uma imaginação criadora em face à realidade. Aí, eu passei a me informar sobre essas coisas. E o  Pasquim soube que eu estava me informando sobre isso e resolvemos fazer duas páginas sobre esse assunto. Foi aí que surgiu o 'Underground'. O Pasquim começou como um jornal de humor mas estava procurando outras formas de um comportamento independente. O Tarso era um editor muito talentoso, tinha um  instinto jornalístico muito acentuado, e aí ele viu que o Pasquim podia não ser só um jornal de humor mas podia ter características próprias, originais, podia ter uma personalidade diferente. Ele me estimulou e eu fiquei surpreendido com a repercussão porque comecei a receber muitas cartas mesmo, de pessoas que diziam que queriam mudar a maneira de viver. E, além dessas confissões pessoais, chegavam cartas dos EUA de brasileiros que estavam lá, de jovens que estudavam lá.  Tinha um menino que estudava em Berkley, na Califórnia, que vivia mandando revistas e livros, porque eram novidade e me mantinham informado. Aí, comecei a veicular essas informações na coluna, eu nem escrevia as duas páginas inteiras. Teve semana em que eu não escrevia nada porque publicava outros textos. Eu editava, na verdade, as duas páginas. Aquele assunto era novidade e não era comentado por mais ninguém, não havia nenhum outro jornal alternativo que falasse daquilo. Foi isso que chamou a atenção do Tarso, era um território virgem a ser explorado. Não que ele, Tarso, se interessasse por aquilo.
 Para ele, era interessante jornalisticamente falando, né?
É. Aí começaram a aparecer pessoas me procurando lá no Pasquim e os outros me gozavam dizendo que só vinha maluco atrás de mim (risos). Diziam que eu ia abrir um hospício (risos). Então eu fiquei, inicialmente, um pouco dono do assunto. Contracultura? Quem sabe disso é o Maciel. Não é que eu soubesse muito é porque ninguém sabia. Foi assim que escolheram esse epíteto de 'guru da contracultura' que me persegue até hoje (risos).
Mas você não gosta de ser chamado assim? 
Não, mas  eu nunca consegui me livrar. Apalavra 'guru' significa professor e eu nunca fui professor de ninguém."

(continua)                                         
                                                                                

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