Nos anos 60, a cidade de San Francisco, na Califórnia, se tornou a meca do movimento hippie. O rock psicodélico desenvolveu-se principalmente ali, com várias bandas criando um som viajante, sob a influência de drogas alucinógenas como o LSD, e muita distorção nas guitarras.
Um texto sobre esse panorama foi publicado pelo jornalista René Ferri, num livreto que foi vendido em bancas de revistas nos anos 90, chamado "Histórias do Rock". Intitulada Flower "Frisco" Power, a matéria é reproduzida abaixo:
"Em San Francisco, em meados dos anos 60, surgiu um movimento musical no bojo de uma revolucionária cena artística, sem um estilo ou tendência bem refinados, que ficou identificado para sempre como o flower power.
Cidade generosamente aberta aos radicais políticos e malucos de toda espécie, Frisco (San Francisco no jargão hippie) gestou um caldeirão musical fervilhante de ideias e experimentalismos, onde nada poderia ser arrojado ou estranho demais, para não ser integrado à dieta cultural da cidade. Assim, a música de Frisco era feita por cowboys freak-psicodélicos como David Nelson; por legendas texanas como Steve Miller e Doug Sahm; folkies alucinados como Billy Roberts (o cara que escreveu 'Hey Joe'); cult heart throbbings como Dino Valenti (o cara que escreveu 'Get Together'); psico-pirados e políticos de extrema esquerda como Country Joe e The Greateful Dead ou anfetamínicos movidos a LSD (que até 1966 era uma droga legal) como o Jefferson Airplane, The Charlatans e The Moby Grape. E ainda havia lugar para The Big Brother & The Holding Company, um grupo de brancos azedos texanos, liderados por Janis Joplin, que promovia uma estranha, atrevida, porém excitante releitura do rhythm & blues.
Foi Frisco que revelou Sly Sylvester (ou Sly Stone) de que Prince copiou as melhores ideias, sem dar o menor crédito e, na minha opinião, A Voz dos anos 60, Sal Valentino, Beau Brummels, a resposta de San Francisco à praga inglesa, Beatles e similares, que invadiu os EUA em 1964.
A cena musical de Frisco se projetou para o mundo com o Jefferson Airplane - dois anos antes de 'Verão do Amor' em 67, a fama do Jefferson Airplane ultrapassava as fronteiras com sua apologia às drogas e seu som mesclado de folk e rock. Para não dizer que tudo foram flores (desculpem...), quase que o som psicodélico de Frisco representado pelo Jefferson Airplane não decola, e foi retardado em pelo menos seis meses, porque os press-releases distribuídos pela RCA Victor, eram acompanhados por fotos do Jefferson Airplane onde seu líder, Paul Kantner, ostentava uma cruz suástica, no meio de contas, colares e outros badulaques. O reboliço foi tão grande, que a RCA prudentemente esperou a poeira baixar e recomendou que Kantner disfarçasse melhor suas ideias nazi-fascistas e recolhesse suas relíquias do tempo da II Guerra, antes de relançar o Jefferson Airplane com toda a pompa.
Sly Stone |
A ausência de uma indústria fonográfica na cidade; onde os selos de discos mais 'fortes' eram os modestos Fantasy (Creedence Clearwater Revival, Vince Guaraldi) e Autum (Beau Brummels, Mojo Men); à altura da cena musical vigente, resultou no esvaziamento do som de Frisco que, drenado de todos os seus grandes talentos; incluindo músicos, compositores e empresários; que debandaram para Los Angeles ou New York, abaixou o facho e nunca mais recuperou o lustro, descendo ao nível das superfluidades que mal dão a pálida ideia do que foram os anos de ouro, que terminaram ainda antes da virada da década de 60.
Mas o verão de 67 foi a glória - de repente, descobrimos as flores que se espalharam pelas capas dos discos e revistas, misturando-se até aos menos significativos símbolos musicais - o 'poder da flor' acabou ligado ao 'poder jovem' e às correntes políticas emergentes, na luta pela paz e pela igualdade dos direitos humanos.
O flower-power foi refletir na moda e no comportamento, deixando marcas profundas com sua proposta pacifista e que celebrava o amor livre. Depois, quando ficamos mais velhos e cínicos, fomos reavaliar o flower-power com o ressentimento dos perdedores e 'concluímos' que, tudo que aconteceu. Até mesmo o contexto maior da contra-cultura, onde mergulhamos de cabeça; não passou de uma monstruosa enrolação. Até hoje, quando medito sobre o assunto, me sinto um miserável personagem de Robert Crumb.
Mas quando tudo estava acontecendo, queríamos tudo e muito mais, desde flanar pela Haigh-Asbury em Frisco, até se integrar à imensa romaria que Captain Trips (Jerry Garcia do Greateful Dead) queria organizar em direção a Washington, quando as pessoas dariam as mãos e através de uma corrente mental/espiritual, fariam a Casa Branca levitar (!). Sempre, feito na bela canção de Scott Mackenzie, usando flores nos cabelos."
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