Palavras Domesticadas

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terça-feira, 7 de julho de 2015

Aldir Blanc - Entrevista Jornal International Magazine (2006) - 2ª Parte

" - Você não acha que já era hora do MAU ser tema de livro?
- Se eu não me engano, isso já está sendo contado, ainda que paralelamente, pela Regina Echeverria, que está escrevendo a biografia do Gonzaguinha. E o filho do Ivan Lins, o Cláudio, junto com  o filho do Gonzaguinha, o Daniel, estão pensando num documentário pro cinema. Pra não fugir da minha responsabilidade, eu acho que é um movimento super valorizado, que teve culturalmente uma importância que extrapolou porque a Globo cooptou rapidamente (ndR: a emissora fez um programa musical chamado Som Livre Exportação, transmitido nos anos 70). Aquilo não era nada do que a gente pretendia fazer nas reuniões na casa do Aloísio Porto Carrero, na famosa rua Jaceguai. É um assunto que me deixa bem desconfortável, porque a gente vê bem o mecanismo da ganância, do 'meu pirão primeiro' aparecer nessa hora. É por isso que eu falo bem pouco sobre o tema. Eu pedi inclusive à Regina Echeverria que mandasse as perguntas por e-mail para que nada pudesse ser mal interpretado, de forma que parecesse que eu estava agredindo outras pessoas ou a memória de quem faleceu.
- Tua parceria com João Bosco: quando vocês começaram, ele já tinha trabalhado com Vinícius de Moraes. Pintou algum medo em você, de não conseguir ter letras comparáveis às de Vinícius em termos de qualidade?
- A nossa parceria foi por causa de Amigo É Pra Essas Coisas, por incrível que pareça!  Esse Pedro Lourenço, que é uma das pessoas que sugere pra gente três ou quatro anos depois o Mestre-Sala dos Mares, ele está com com o João em Ouro Preto vendo pela televisão o festival universitário com a música Amigo É Pra Essas Coisas e  o João diz pra ele: 'que figura! Eu quero conhecer'. Ele diz, 'Aldir é meu amigo'. Então o Pedro vem ao Rio e me diz que tinha um cara querendo me conhecer, a gente marca um encontro, eu fico apaixonado pelas músicas, o João chega a ir uma ou duas vezes aos encontros do MAU para ver como aquelas reuniões se processavam, e a parceria nasce dessa ponte que o Pedro Lourenço faz entre nós. Por causa de Amigo É Pra Essas Coisas.
- Receio de ser comparado a Vinícius nenhum?
- Nenhum. O João queria um parceiro novo, um cara que se dedicasse muito às músicas dele. Havia dezenas de músicas inéditas, sem letra, o que era um trabalho assustador para qualquer letrista. A primeira emoção que posso te descrever, que perdurou e que eu acho ótima, por ser potencialmente criativa foi a do medo de encarar. Quando eu ouvi a qualidade de cada uma, e todas elas (caindo na gargalhada) passando por cima de mim, entendeu, eu falei, Cacete! Vou letrar 30, 40 músicas como? Uma por uma, né? E começo com Agnus Sei, Bala com Bala e a coisa parte.
Aldir e João
- Até o surgimento de Elis Regina, que joga vocês na boca do mundo.
- Aí foi fundamental. A história teria sido completamente diferente. Elis aparece bem na cabeceira da pista, porque no Som Livre Exportação ela já havia me gravado sem que eu soubesse. Ela me procurou e disse 'gravei uma música sua'. Bem no estilo dela. A gente nunca havia sequer se falado. Eu estava no bar da Globo comendo um mixto-quente, provavelmente com coca-cola ainda, e ela diz que a música ia ser a faixa-título. E eu pensando, meu Deus,o que é isso? Quando a gente começa logo depois com o João,eu telefono através de um amigo e digo 'eu queria te mostrar algumas coisas novas com um parceiro de Minas'. Ela marca um encontro, interrompe um show, o que dá a maior confusão pra ela... Elis sempre foi da maior atenção. Eu faço questão de te dizer uma coisa: a Elis que joga coisas em garçom, que dá alteração e não sei o quê, eu não conheci essa mulher. Eu nunca vi. Não estou fazendo o menor esforço pra compor a memória de ninguém. Eu apenas não vi.
- Certa vez você disse que a consagração de um letrista só se dá definitivamente quando ele lê uma letra sua grafitada num banheiro público. Você já teve esse prazer?
- Já, e já tive o prazer de entrar num ônibus e ver um sujeito assobiar, desesperadamente, Kid Cavaquinho, como se fosse um canário aloprado. Eu acredito profundamente nisso, não tenho preocupação com fama, com posteridade, nada disso. A vida está aí, as músicas estão aí, o futuro dirá. O que me preocupa é fazer uma atrás da outra, até porque eu não sei viver de outra maneira. No dia em que eu acabo uma letra, ninguém me ganha, cara! Eu sou insuportável nessa hora (risos).
Nei Lopes falou uma vez que o teu trabalho é o épico do escroto. Você concorda?
- Concordo.
-Plenamente?
- Plenamente (gargalhadas). Eu tenho uma tendência ao coloquial sem censura, não vejo porque censurar nada e isso foi uma das melhores lições que tenho da época do Pasquim (Blanc foi colaborador do jornal por anos a fio). A graça não respeita nada, você chora pelo cara que você admirava morto e goza em público, essas coisas. Meu texto é muito solto, usa palavrões, eu já perdi trabalhos que eram importantes pra mim por isso, mas estou disposto a continuar pagando o preço. E continuar perdendo (risos).
 - Fale um pouco sobre o selo Alma, que você teve há poucos anos atrás.
- Em 1995 eu fui procurado pelo Marco Aurélio, um letrista brilhante que tinha feito todas as músicas de um compositor também subestimado, talvez por ficar escondido em Niterói e que também era do MAU, o Márcio Proença. Marco Aurélio era muito amigo meu, de ir assim no Maracanã e beber e tal. Há uma coisa que quando o Marco morre, que eu chamo de 'preciosos silêncios'. Ele entrava aqui, botava um uísque nessa mesa aí, e a gente ficava bebendo e ouvindo música, de vez em quando alguém grunhia alguma coisa. Eu acho que o Luís Fernando Veríssimo iria adorar participar disso (risos). Pois bem, em 95 ele me propõe de fazermos um disco chamado 50 Anos. Seria uma comemoração. E ele me compra também com uma outra ideia, a de que isso seria o primeiro dele, e que a gente iria estruturar outras coisas. Aí a gente resolve lançar depois do 50 Anos o da Clarice Grova, e depois o primeiro do Walter Alfaiate, na moral. Marco Aurélio preferiu vender um apartamento quando estava morrendo e que ele poderia ter deixado pras filhas, para saldar dívidas do disco do Walter. Dificilmente eu vou me recuperar desse tipo de perda, porque eu perco o amigo e irmão que vinha desde os tempos do MAU. No primeiro show de lançamento do disco de Walter, quando ele estava cantando, o Marco Aurélio morre na UTI de um hospital, o que é uma coisa impressionante. Eu não sou místico nem nada, sou ateu e escroto, e faço questão de ser assim. Depois o selo faliu, deixou algumas dívidas que eu saldei com dificuldade e fiquei tristíssimo com isso. Inclusive isso atrasou um pouco os projetos como o desse disco Vida Noturna, por um natural 'pé atrás' meu.
- Você é um cara que se lançou de corpo e alma na luta pela arrecadação dos direitos autorais aqui no Brasil. Que avaliação você faz da gestão Lula nessa questão?
- Está havendo muita polêmica em torno da atuação do Gil no Ministério da Cultura, e em relação ao direito autoral, jabá e todo esse tipo de coisa, se eu for dar uma nota pro governo, só pode ser zero. Não há nenhum tipo de política pra isso, os lobbies que existem antes e que eram fortíssimos agora são potencializados por mil lobbies evangélicos, não vejo a menor condição de haver mudança. Muitos de meus melhores companheiros são pela negociação com o ECAD (Escritório de Arrecadação de Direitos Autorais) e eu sou contra. Sou pelo rompimento, dê no que der, dê o caos que der! O que é mais triste politicamente é que o desencanto é de tal ordem, que estou propenso no auge dos meus 60 anos a não votar, a anular. Vou votar no Cacareco ou no Macaco Toão. O pior é que você ouve as vozes da reação de direita mais estúpidas em cada botequim, em cada esquina também. Que era melhor o golpe militar, isso e aquilo. É vergonhoso.
- Algum projeto especial para brindar os 60 anos?
- Esse ano vou fazer um show que está sendo carinhosamente produzido por uma filha minha, a Mariana, que vai coincidir com isso. Mas não é nada demais, porque quem comemora 60 anos é maluco, e eu sou só ligeiramente avariado." 

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