Palavras Domesticadas

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sexta-feira, 8 de fevereiro de 2019

Titãs - Entrevista Revista Zorra (1986)

Em 1986 os Titãs deram uma guinada radical em sua carreira. Após lançar dois discos que não chamaram muito a atenção, e indicavam que a banda seguiria uma vertente um tanto pop e descartável, naquele ano eles lançariam um disco radical, repleto de criatividade e trazendo um peso e composições fortes: Cabeça Dinossauro. Produzido por Liminha, e revelando nuances até então não apresentadas pelo octeto, esse disco marcou profundamente o cenário do rock dos anos 80, e até hoje é considerado um clássico. Na ocasião, a revista Zorra nº 1, que destacava o rock nacional, trouxe uma entrevista com  a banda, em matéria não assinada;
"1986 vai passar para a história da música brasileira como o ano em que o rock nacional atingiu a maioridade. Tanto nos temas e ideias por detrás das letras, quanto no cuidado com a produção de discos e shows, as bandas de rock não têm mais a despretensão e ingenuidade de sua adolescência musical.
Titãs é uma banda exemplo deste tipo de mudança. Nascida no 'Big Bang' do novo rock nacional - as epidêmicas e efêmeras danceterias -, passou por duas experiências no vinil: Titãs e Televisão, que apesar da boa vendagem e repercussão, ficaram aquém da expectativa do grupo quanto à qualidade sonora. Cabeça Dinossauro é o seu último disco. Nele, os oito Titãs apresentam um trabalho muito mais coeso, mais grupal que os anteriores. Tentando resgatar o que já foi a principal característica do grupo, em particular, e do rock em geral - a força no palco e a rebeldia frente às instituições e autoridades -, eles partiram em busca de uma sonoridade primal, primeva, visceral, vigorosa, vibrante, ríspida, rascante, que traduzisse em linguagem musical os conceitos e intenções presentes em suas letras revoltadas, recalcitrantes, rebarbativas, contestatórias, replicantes, protestatórias e indignadas. Nando Reis (baixo e voz), Arnaldo Antunes (voz), Toni Belloto (guitarra), Paulo Miklos (voz), Sérgio Brito (teclado e voz), Charles Gavin (bateria e percussão), Branco Mello (voz) e Marcelo Fromer (guitarra) são os componentes da banda entrevistada por Zorra.
Todo o trabalho criativo é um trabalho do ego. Quando esse trabalho é coletivo a coisa complica, ego é uma palavra sem coletivo. Quando fama e sucesso estão envolvidos, aí é que a complicação é inevitável. Para desmentir tudo isso aí estão os Titãs, quatro anos juntos. Como tanta gente consegue tocar junto durante tanto tempo?
Com muita boa vontade. O maior problema não é quanto à criação. Todos no grupo compõem, e a gente sabe dividir o espaço para colocar as melhores músicas no disco.
Nós já éramos amigos antes do grupo, isso segura muito a convivência. O fato de os Titãs serem oito não é uma opção profissional nossa.Eram oito amigos que resolveram montar um grupo.
O que Cabeça Dinossauro tem que Titãs e Televisão não têm?
A direção. Uma direção que a gente toma em conjunto e vai atrás. Antes tudo era muito dispersivo, muito individual, pouco grupo. Isso foi fruto de uma coisa natural, nada muito programado. Estávamos apontando para muitos lados e resolvendo optar por uma coisa mais coesa. As músicas, arranjos, letras, tudo. Estamos mais coerentes com a força que a gente tinha desde o começo, uma energia muito forte no palco. No começo, com a nossa imaturidade quanto à gravação em estúdio, ficava uma coisa um pouco fria, standard.
De 'não posso mais viver assim ao seu ladinho' até 'Polícia para quem precisa de polícia' e 'Porrada nos caras que não fazem nada', a virada ideológica é grande, quase 180º. Pra que lado os Titãs estão apontando agora?
Para um caminho mais rock, menos pop, mais descompromissado com a mídia, com o rádio. Este é um disco que está mais ligado com a ideia básica do rock - essa coisa de rebeldia, de estar pouco se fudendo com as instituições - do que com a proposta ideológica. O que a gente fala são coisas simples, que as pessoas vivem. Não são as ideias estapafúrdias que entrem em choque com o que elas pensam.
De repente, no lugar de oito rapazes bem vestidos olhando com cara de você-está-em-meu-poder aparece a figura grotesca de um homem urrando. Como o público titânico reagiu a essa mudança?
O público na verdade, é uma coisa super consciente. Mesmo com essa capa estranha, Cabeça Dinossauro já vendeu mais que os outros dois discos. Mas o que importa é que a gente fez um trabalho muito forte, muito coerente com o que a gente pensa. Queremos que as pessoas que realmente se identificarem e gostarem do nosso trabalho, comprem o disco e curtam a gente.
De uns tempos pra cá, o rock nacional engrossou a voz, tem pintado muitas bandas fazendo um som mais sujo, pesado, cantando coisas mais críticas, mais ligadas à nossa realidade, mixando Sid Vicious e Geraldo Vandré. Vocês não acham que esse rock rebelde está se tornando apenas mais um filão para as gravadoras?
Acho que esse tipo de rock já existe no Brasil faz tempo. Isso pode não ter sido compreendido mercadologicamente, só ter sido assimilado comercialmente agora, mas o público de rock, para as bandas que tocavam antigamente, esse rock sempre existiu. Não encaro isso como um filão. É uma necessidade que as pessoas têm de escutar e fazer esse tipo de música. Já tem 4, 5 anos que começou essa onda de bandas novas. Demorou um tempo para se criar um caminho, um público que exigisse algo mais do que Blitz e Cia tinham para dar.
'Estado Violência, 'Porrada', 'Polícia'. Com essa agressividade toda, onde foram parar os Titãs de 'Sonífera Ilha'?
A temática não é uma coisa tão importante assim. Você pode falar sobre a guerra nuclear de um jeito extremamente idiota, bobo, simplório. Aliás, a maioria das pessoas acaba fazendo assim. Mas também pode se falar de amor de um jeito forte, vigoroso. O Ira!, por exemplo, tem uma série de músicas de amor nesse último disco que são vigorosas, é rock. O nosso lado mais doce, limpo, foi diminuindo mas ainda existe. A gente não deixou de fazer nada do que fazia. A fusão de funk-reggae-rock, que sempre foi a base do nosso som, continua presente. É uma linha evolutiva, o germe do som que a gente faz agora já estava no segundo disco - 'Televisão' e 'Massacre' era a pista.
Cabeça Dinossauro
Por que a produção do Liminha? (Arnolpho Lima Jr.,  a cabeça por detrás do Dinossauro, já foi membro de arquigrupos de rock como Os Mutantes e os Baobás e produziu discos de Gilberto Gil e dos Paralamas do Sucesso).
Pela qualidade de som do que ele anda fazendo. O som dos outros discos sempre ficou aquém do que podia ser, ou porque gravávamos com nossos próprios instrumentos, ou porque se perdia na mixagem final, etc. Agora, mais do que nunca, a gente ia fazer um disco pesado - a qualidade do som tinha de ser muito boa. Liminha se mostrou o produtor ideal, ele ajudou a explodir o que estava preso em nós, sem interferir em nada. Só em 'O Que', onde a gente sentiu uma fragilidade no arranjo inicial, que ele interviu diretamente. Ficamos tocando duas horas com ele, que programou a bateria eletrônica. Fora as manhas técnicas - gravamos com outras guitarras, baixo com amplificador microfonado, uma série de coisas que possibilitaram esse som pesado, forte.
E a produção dos shows, com quem vai ficar?
Com os Titãs. A gente quer se responsabilizar cada vez mais por todos os setores que nos afetam. A direção deu para as músicas, a capa, o som do disco, está se estendendo para a produção do show. A iluminação é nossa, o cenário é nosso, a aparelhagem, tudo. Se pintar a ideia de fazer um vídeo, nós é que vamos fazer o roteiro. A ideia é cada vez mais meter a mão na coisa, para que tudo saia como a gente quer. "


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