O americano Joe Pass é considerado um dos grandes mestres da guitarra semi-acústica. Não é à toa que ganhou o apelido de "o virtuoso", por sua apurada técnica instrumental. Pass já esteve algumas vezes no Brasil, nos brindando com sua técnica e virtuosismo. O jornal A Clava do Som nº 16 (dezembro de 1993) trazia uma matéria com esse brilhante e renomado guitarrista, em artigo assinado pelo conhecido crítico de jazz José Domingos Rafaelli. O texto começa com uma chamada da matéria que diz: "Nem drogas, nem doença grave impedem um dos melhores guitarristas de jazz do mundo de manter seus acordes vagando pelos palcos da vida". Abaixo a matéria:
"A história do guitarrista Joe Pass parece com a de tantos músicos, mas num ponto é atípico no jazz. Ao contrário da grande maioria, ele foi uma revelação tardia. Embora tenha iniciado seu aprendizado musical muito cedo, devido a problemas pessoais, só começou a se projetar com 33 anos, idade muito avançada para um 'jazzman'.
Josephy Anthony Passalaqua nasceu em Brunswick, New Jersey, em1929. Seu pai, um italiano da Sicilia, trabalhava numa fábrica de aço, e desejava que seus filhos tivessem uma vida melhor. Joe começou aos nove anos na guitarra. Obrigado pelo pai, estudava sete horas por dia, procurando aprender as músicas que ouvia no rádio. No início, ele detestava praticar tanto tempo, mas a revolta transformou-se numa grande paixão pelo instrumento. Aos 14 anos conseguiu seu primeiro trabalho profissional num conjunto de sua cidade. Era o começo de uma trajetória que - mesmo acidentada - lhe garantia uma posição entre os maiores guitarristas de jazz de todos os tempos, sendo considerado um dos maiores virtuosos do instrumento.
No final dos anos 40, vivendo os frenéticos dias da lendária Rua 52, em New York, tocou com Dizzy Gillespie, Charlie Parker, Coleman Hawkins e outros gigantes. Ele admite que o guitarrista cigano Django Reinhardt foi sua primeira influência, mas também absorveu muitas coisas de Charlie Christian, Tal Farlow, Barney Kessel e, mais tarde, Wes Montgomery. Entretanto, garante que as grandes influências que teve foram os pianistas Bud Powell, Art Tatum e Al Hais, além de Parker, Gillespie e Hawkins. Mas, se a Rua 52 lhe deu oportunidade de tocar com tanta gente, marcou negativamente sua vida devido ao envolvimento com as drogas. Os efeitos maléficos do vício agravaram sua saúde, impediam-lhe de tocar e o afastavam cada vez mais da possibilidade de uma carreira estável. Depois de muitas peripécias, tocando aqui e acolá, inclusive algum tempo em Las Vegas, internou-se voluntariamente na Synanon House, uma instituição para recuperação de viciados, em Los Angeles, em 1960. Dois anos depois, ao lado de alguns internos, entre eles o pianista Arnold Ross, gravou o LP 'Sounds of Synanon' para o Pacific Jazz, que chamou a atenção da crítica para o seu talento.
Deixando Synanon, começou a tocar com conjuntos diversos na Califórnia, inclusive as bandas de Gerald Wilson, Bud Shank, Clare Fischer, Earl Bostic e Les Cann. Em 1963, gravou seu primeiro disco para a World Pacific: 'For Django'. Nessa época, em seções de gravação com Shank e Fischer, conheceu a Bossa Nova ('O Barquinho' e 'Samba de Uma Note Só'), interessando-se pela música brasileira moderna, que adota até hoje no seu repertório. Atuou durante dois anos no quinteto do pianista inglês George Shearing, ganhando alguma notoriedade. Mas a grande mudança em sua carreira aconteceu quando o produtor Norman Granz contratou-o para o seu selo Pablo, gravando 'The Trio', com o pianista Oscar Peterson e o baixista Niels Pedersen. A associação com Granz possibilitou-lhe recuperar o tempo perdido. Aos 44 anos, Pass caminha a passos largos para a fama. Sucederam-se uma série de colaborações com alguns monstros sagrados do jazz: Ella Fitzgerald, Peterson, Roy Eldridge, Sarah Vaughan, Dizzy Gillespie, Duke Ellington, Benny Carter, Count Basie, Zoot Sims e Mil Jackson. Joe ganhou uma projeção que jamais sonhara.
Os discos em seu nome - incluindo a série 'Virtuoso' -, os duos com Ella, o álbum duplo com Peterson na Salle Pleyel, em Paris, o encontro com o percussionista Paulinho da Costa, tocando músicas brasileiras em 'Tudo Bem!', os mais recentes 'Blues For Fred', 'One For My Baby' e 'Appassionato' mantiveram através dos anos a consistência e o alto padrão da sua excelente produção.
Joe Pass não é um revolucionário da guitarra, mas um solista dos mais inspirados. A beleza do fraseado, articulação precisa, o judicioso emprego de acordes, a inserção de acompanhamentos paralelos que sugerem motivos adicionais, os diálogos que emula consigo mesmo, de grande efeito e total liberdade são elementos de destaque do seu estilo. Seu som leve e a clareza como é extraído consegue completa dinâmica. A articulação das frases e o controle instrumental produzem ideias que agradariam aos exigentes admiradores de Segovia ou John Williams. Extremamente modesto, Joe afirmou que ainda não gravou um disco que o agradasse totalmente, mas sua habilidade instrumental e vasto conhecimento harmônico fazem dele o que todo guitarrista almeja: um 'jazzman' superiormente dotado. "
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