Palavras Domesticadas

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sábado, 9 de fevereiro de 2019

Rita Lee - Jornal Canja (1980)

No início dos anos 80, a Globo produzia grandes musicais, destacando sempre um grande nome de nossa música. O programa ia ao ar  às sextas-feiras. Foi um período bastante promissor, em que a mais poderosa rede de televisão do Brasil investia na qualidade, e recebia retorno de audiência. O jornal musical Canja, em sua edição nº 15 (outubro de 1980) trazia uma matéria que destacava um especial que foi ao ar naquele período, destacando Rita Lee. Anos depois, inclusive, esse especial ganharia um edição em DVD. A matéria em questão é intitulada "A última travessura de Miss Jones", e é assinada por Pedro Redig:
"Primeiro foi o da Simone, onde Milton Nascimento deu uma canja contando Maria Maria e Cigarra. Foi pro ar em março. Depois, Caetano e Jorge Ben, onde pintaram 3 músicas novas: Rapte-me Camaleoa (homenagem de Caetano à atriz Regina Casé), Aquela Senhora (malho de Jorge Ben na crítica Maria Helena Dutra) e Cae, Cae, Cae, Caetano. No terceiro especial pintou um problema: Ângela Maria foi abandonada pelo namorado pouco antes da gravação e não apareceu em nenhuma das reuniões de criação convocadas por Daniel Filho, o diretor dos especiais. Só iria no próprio dia da gravação e... chorando. Mas tudo se arranjou e ela ainda teve dois convidados: Ro Ro e João Bosco. No seguinte, paz total - era o de Paulinho da Viola. O de maior Ibope até agora foi o quinto: Gil e Cliff, que acabou dando dois programas, pois a dupla maluca gravou três horas corridas. O de menor audiência foi o de João Gilberto. E talvez até mais caro que este de Rita Lee, porque só a orquestra que acompanhou João custou 1,2 milhão, além de todas as manhas do baiano (o próprio Daniel Filho só ficou sabendo dos convidados na véspera da gravação). Foi também o que mais marcou na gaveta, porque a Globo ficou esperando patrocinador, até que o Minister topou.
O último foi de Elis Regina. Este da Rita foi o primeiro totalmente criado para a televisão. O João já veio com tudo pronto; a Elis já vinha pronta do Canecão; o Gil/Cliff, da turnê. No da Rita formou-se uma banda só para o programa. Ensaiaram uma semana. Teve 18 mudanças de cena - sem dúvida é o mais visual de todos. E não pôde ser gravado direto como os outros (um dos princípios do programa é deixar correr e só regravar cenas a pedido do artista) principalmente por causa de uma tragédia: estavam ensaiando no domingo de manhã quando Daniel Filho recebe a notícia de que sua ex-mulher e mãe de sua filha Carla, a atriz Dorinha Duval, assassinara com três tiros de revólver o novo marido, o publicitário Paulo Sérgio Alcântara. O astral foi zero, subindo a duras penas só no final da tarde).
Mas a Rita, na gravação pra valer, teve de parar a cada número, pra respirar e beber água - e ninguém tem dúvida de que foi o mais elétrico de todos os especiais até agora. Como em todos os outros, agora são 20 dias de edição, que o programa é gravado em cinco máquinas de vt ao mesmo tempo. Cem pessoas trabalham e este custou cinco milhões. O próximo, último do ano, será o de Bethânia.
Muito mais especial que os cifrões será o fascínio de milhões de pessoas, com as delícias de Rita Lee. Mais de uma hora de delírio que a maior roqueira do país oferece de bandeja pra quem quiser ter o 'prazer de ter prazer' com ela no vídeo.
- 'Brinque de sério, leve a sério a brincadeira', diz ela nos seus 32 verdes anos, a TV Globo levou a sério e topou a última travessura de Rita - Brincadeira de mais de 5 milhões de cruzeiros. Mas que valeu a pena, está todo mundo sorrindo de felicidade. De minha parte, não tenho o que reclamar. Basta o disco novo, que já escutei 57 vezes, cada fraseado das oito músicas dos dois lados. Mas também é o de menos, diante do que ficar debaixo da mesma luz que iluminou a presença de Rita, marido, banda e outros, salvando o domingo de chuva de 5 de outubro. A banda tem oito membros: o mago Lincoln Olivetti, que faz os arranjos de muita gente, mas voa alto quando o caso é Rita Lee. Caso de Roberto de Carvalho, que junto com Olivetti forma o duo de teclados. Roberto aparece, guitarra colada à calça branca, tênis e camisa americana, mas com cara de comportado. Rita dá o toque: 'É meu', esclarece quando a plateia dá gritinhos depois que ela canta, dirigindo-se a Roberto: '.. meu bem, meu bem...'
´'É minha, dá vontade de gritar - ela está de calça e paletó entre marrom claro e o cinza, camisa quadriculada de botão na gola, e uma gravatinha vermelha caindo calma e dividindo ao meio aquele corpo negro, magno, magnético (me segura, meu bom Deus!).
Voltando à banda: além de Lincoln e Roberto, o baixista Lee Marcucci, Jamil Joanes também no baixo de convidado especial, Robson Jorge numa guitarra e na outra... vejam só! o próprio Guto Graça Melo, o cara que responde por toda a parte musical da Rede Globo. E mais a mulher de Guto, Naila Skorpius, percussionista introduzida por Daniel Filho como 'Golbery do grupo'(*) (ele explica: 'pouco valorizada, mas a que manda no baixo'). A seu lado, Chico Batera, percussionista de muitos sons, baterista escondido que vai duplicar o impacto sonoro de Miss Rita Lee Jones: no centro redondo como a fruta, o Mamão, principal bateria, interlocutor musical mais solicitado por Rita durante a gravação. Ele vai no  ritmo novo que ela descobre na hora, ao vivo, dançando com a plateia um Baila Comigo íntimo e cheio de brilho.
Rita canta Luz Del Fuego, depois Mamãe Natureza, o teatrinho está esquentado. Todo mundo ligado, como todo mundo vai se ligar quando ela for pro vídeo com esta loucura toda. Em seguida, Ovelha Negra, e a intensidade vai subir com a aparição seguinte: ela de 'vítima indefesa', Roberto Carvalho com cara de vamp, dentes compridos - e ambos comandam o ritual de Doce Vampiro. Mas se segura, que tem mais.
O 'mestre de cerimônias' Hilton Gomes inventa uma expectativa: 'concurso de Miss Brasil', e Rita entra, triunfante - toda desengonçada, manto preto que procura equilibrar junto com uma coroa de brilhantes e mais a tradicional faixa na final emocionante da eleição da 'primeira Miss Brasil do Século 21'. E Rita vai estonteando um público que peca pela falta de dois ilustres convidados - Caetano, que foi ao lançamento do lp de Vinícius Cantuária; e Ney Matogrosso, que se enfureceu na confusão criada na entrada do teatro e rasgou o convite.
E lá vai Papai Me Empresta o Carro, e uma volta ao passado com Esse Tal de Rock and Roll. A amiga Lucia Turnbull salta da cadeira e não vai sentar mais até o fim (Lúcia foi guitarrista do Tutti Frutti, assim como Naila foi percussionista). A plateia agora vai viajar numa balada que é um bode só: Shangri-lá. É a primeira música do novo lp que aparece no show. Então virá a música que está sendo chamada de a nova Mania de Você - o debochante bolero Caso Sério. O swing mais saboroso das oito novas músicas é o de João Ninguém, um reggae em que Rita imita o sotaque jamaicano, supergozativa.  Comunicação estantânea, e em dois minutos todo mundo sabe a letra. Ela não pede, mas todos cantam junto com ela. E agora Bem Me Quer, Mal Me Quer, um pouco de new wave, como define o especialista Okky de Souza, que participa do disco e da divulgação de Rita Lee.
Mas eis que de repente, fim de show. Rita lança o já consagrado perfume - o coro, e ela de roupas fugazes, carnavalescas.  A plateia fica com jeito de quarta-feira de cinzas quando ela se retira. Mas Daniel Filho guarda uma bomba: o rockão Orra Meu, celebração enfumaçada de uma Rita Lee de casaco de motoqueiro preto, óculos negros também, e, de novo, ela arromba a festa. "

(*) Referência ao general Golbery do Couto e Silva, chefe da Casa Civil do governo Figueiredo, e que tinha grande influência na política nacional

2 comentários:

  1. Adoro o álbum de ''oito faixas'' de Rita-Lee.

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  2. Não sabia do babado de Angela Maria,deve ser por isso que ela errou,quase entrou quando não era pra entrar,no dueto com João Bosco.

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