Palavras Domesticadas

Palavras Domesticadas

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Disco "Bicho", de Caetano Veloso - Resenha Jornal Hit Pop (1977)

Em 1977 Caetano Veloso lançou o disco Bicho, um trabalho que trazia uma vertente voltada ao ritmo e à dança, bem de acordo com a época, onde reinava no Brasil o movimento Black Rio. O disco gerou polêmica entre os mais conservadores e preconceituosos com relação à invasão de sonoridades com raízes estrangeiras, principalmente vinda de artistas genuinamente brasileiros, e ligados à MPB, como é o caso de Caetano. O disco, porém, analisado sem essa visão carregada de xenofobia, é um grande trabalho, em numa fase bem criativa de Caetano, que se adequou bem em sua proposta dançante, sem deixar de expressar sua musicalidade e poesia. O jornal Hit Pop, que vinha encartado na revista Pop traz uma boa crítica ao trabalho recém-lançado de Caetano, em texto de Luís Carlos Cabral, e que traz como título, em forma de pergunta, a proposta do disco, "Caetano: Dançar É a Solução?":
" Há uma frase de Tigresa que ilustra bem a trajetória de Caetano Veloso. É aquela em que o compositor diz que a sua personagem gostava de política em 1966 e hoje dança no Frenetic Dancin' Days. Lendo-se capítulos mais antigos de seu livro Alegria, Alegria e as suas mais recentes declarações, em que nega preocupações sociais maiores, tem-se a síntese da transformação. Descobre-se, ao menos, que a tigresa em questão é também o compositor. Houve época em que seus refrões, parafraseando estudantes francesas envolvidos em batalhas de rua, afirmavam que era proibido proibir. Hoje as proibições não atormentam mais a sua cabeça. É ele mesmo quem diz que a sua ideologia atual poderia ser definida pelo verso 'como é bom poder tocar um instrumento', da já citada faixa do LP Bicho. Afirmação semelhante é feita em outra música do disco, a dançante Two Naira Fifty Kobo, escrita a partir de um refrão que o motorista que o serviu no Festival de Arte Negra da Nigéria vivia a repetir: 'O certo é ser gente linda e dançar... o certo é fazendo música'.
Essa preocupação em enaltecer o lado lúcido da vida não é, porém, nova na obra de Caetano Veloso. As suas letras traziam, a cada verão, a lição de que a alegria e transformação não eram, como se imagina, incompatíveis. Mas a ironia cáustica da primeira fase foi sendo pouco a pouco substituída pelo esteticismo, sem que ninguém, como acontece hoje, fosse lhe cobrar posições mais definidas diante da vida. Não acredito que Bicho gerasse tanta controvérsia se tivesse sido editado em época de maior silêncio geral. A geral, porém, se agita, e precisa de solidariedades unânimes. Brasil à parte, o poeta Caetano Veloso continua exercendo a sua fina sensibilidade. Um Índio e Gente não são tão desligadas da vida assim e Odara cumpre com rara habilidade o seu objetivo: dançar. O Leãozinho, Alguém Cantando e A Grande Borboleta servem ao lirismo ingênuo do compositor. O momento alto do disco, no entanto, é Olha o Menino, composição do também alegre Jorge Ben magistralmente interpretada pelo conformado artista baiano. "


Nenhum comentário:

Postar um comentário